Cobrança indevida
De que mal essas criaturas sofrem afinal? (Onde vivem? Do que se alimentam?) Elas, eu não sei. Nem consigo imaginar. Mas a que tirou do fundo da pauta matéria tão palpitante – digna de Globo repórter com Glória Maria ou de série especial no Fantástico com o doutor Drauzio Varella – só pode sofrer de uma coisa: falta de assunto crônica.
Mania que esse povo tem de ficar enviando fatura pro endereço alheio. Você não pode trocar dois selinhos que já querem saber o recheio dos bem-casados. Não pode pisar no cartório que já querem saber a cor da chupeta do rebento. Não pode receber alta da maternidade que já querem saber o nome do irmãozinho. Não pode botar o guri na creche que já querem saber se você está preparado pra ser avô.
Se for famoso então, coitado. Se tiver a infelicidade de ser um DiCaprio, coitado em dobro. Vai ter que explicar por que prefere cinza se o turquesa é tão mais a sua cara. Vai ter que contar tintim por tintim o que fez a noite toda naquela pizzaria cercado de fatias (muito) suspeitas de marguerita e calabresa. Vai ter que esclarecer o boato de que cortou relações com o Scorsese. Vai ter que dar uma coletiva botando os pingos não só nos is, mas também naquela história de que é o rei do mundo.
Aff. Não bastassem as contas de água, luz e telefone; a internet, a tevê a cabo e o pay-per-view; os planos de saúde e funerário; as taxas contra incêndio, dilúvio, asteroide, ataque terrorista e invasão extraterrestre; a prestação da geladeira; os dez por cento no restaurante e no salão de beleza; a cervejinha do [censurado]... a gente ainda precisa pagar diariamente as promissórias que os desocupados da própria vida insistem em colocar na nossa caixinha de correio?
Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório, tem perfil no Twitter e no Facebook.
0 comentários:
Postar um comentário
Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.