terça-feira, 5 de agosto de 2014

Cobrança indevida

Era ainda bem cedo quando tive de ouvir a apresentadora do Bom dia sei-lá-o-quê anunciar, entre os destaques do telejornal, a seguinte reportagem: “O que há com Leonardo DiCaprio? Bonitão e bom ator, nunca se casou e jamais ganhou um Oscar”. Peraí. Eu escutei direito? Quer dizer que atores esbeltos, talentosos, solteiros e esquecidos pela Academia devem procurar tratamento urgente em alguma clínica especializada em... atores esbeltos, talentosos, solteiros e esquecidos pela Academia?

De que mal essas criaturas sofrem afinal? (Onde vivem? Do que se alimentam?) Elas, eu não sei. Nem consigo imaginar. Mas a que tirou do fundo da pauta matéria tão palpitante – digna de Globo repórter com Glória Maria ou de série especial no Fantástico com o doutor Drauzio Varella – só pode sofrer de uma coisa: falta de assunto crônica.

Mania que esse povo tem de ficar enviando fatura pro endereço alheio. Você não pode trocar dois selinhos que já querem saber o recheio dos bem-casados. Não pode pisar no cartório que já querem saber a cor da chupeta do rebento. Não pode receber alta da maternidade que já querem saber o nome do irmãozinho. Não pode botar o guri na creche que já querem saber se você está preparado pra ser avô.

Se for famoso então, coitado. Se tiver a infelicidade de ser um DiCaprio, coitado em dobro. Vai ter que explicar por que prefere cinza se o turquesa é tão mais a sua cara. Vai ter que contar tintim por tintim o que fez a noite toda naquela pizzaria cercado de fatias (muito) suspeitas de marguerita e calabresa. Vai ter que esclarecer o boato de que cortou relações com o Scorsese. Vai ter que dar uma coletiva botando os pingos não só nos is, mas também naquela história de que é o rei do mundo.

Aff. Não bastassem as contas de água, luz e telefone; a internet, a tevê a cabo e o pay-per-view; os planos de saúde e funerário; as taxas contra incêndio, dilúvio, asteroide, ataque terrorista e invasão extraterrestre; a prestação da geladeira; os dez por cento no restaurante e no salão de beleza; a cervejinha do [censurado]... a gente ainda precisa pagar diariamente as promissórias que os desocupados da própria vida insistem em colocar na nossa caixinha de correio?

Deixa eu pensar: não, né? Que nesses casos é aconselhável – e certamente mais saudável – ficar inadimplente.








Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório, tem perfil no Twitter e no Facebook.

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