Boca de urna
No próximo fim de semana, vai votar o amigo que não discute política porque é inútil. Vai votar também o tio que não abre a boca de urna porque não ganha um centavo pra isso. Vai votar ainda a madame que não liga pro fato de o Brasil ter deixado o mapa mundial da fome; o que a preocupa realmente, e a faz clamar por mudanças já, é a inflação dos últimos meses, que elevou a níveis indigestos o preço do brie na Lidador.
Fico me perguntando, com direito a réplica e tréplica, a quem interessa esse papo-zumbi de que discutir política – algo que nos afeta diretamente – não leva a lugar algum. Talvez interesse a quem lucra dividendos no Ibope; a quem capitaliza os mortos-vivos que desperdiçam o horário nobre de suas vidas analisando que candidato a Tarcisão tem mais chances de ser eleito no coração da Glorinha.
Quem não lucra, não capitaliza, não tira um bolsa-família nem de meio debate entre odoricos e paraguaçus é o tio. Por isso ele não se mete em propaganda gratuita. Aliás, não se mete em nada que não renda ao menos uma comissão (a cervejinha ele dispensa, já que é evangélico praticante). Em outras bravatas: o tio só sobe no palanque para discursar seus entretantos e finalmentes se rolar aquele mensalinho básico.
Bem diferente da madame, que gosta tanto de subir – no salto – que o faz até de graça. Desde, claro, que o calçado seja Chanel ou Louis Vuitton, de preferência garimpado num outlet em Miami. Pois é ela vestir seus pezinhos de Cinderela da Barra da Tijuca que começa a protestar: especialmente contra o fato de ter que dividir a fila do check-in no aeroporto com a própria empregada.
Não bastasse receber vale-transporte, hora extra e décimo terceiro, agora ela quer viajar de avião – e sentar na janela. Vê se pode.
Pode. Yes, they can. Podem tanto quanto o amigo que só quer saber de novela: das seis, das sete, das nove, do Viva. Podem tanto quanto o tio que só quer saber de cachê: não importa de que propinoduto ele venha. Podem tanto quanto a madame que só quer saber do próprio umbigo, recauchutado em doze vezes: onde talvez só caiba o condomínio de classe média no qual sobrevive a duras plumas.
Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório, tem perfil no Twitter e no Facebook.
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