quarta-feira, 29 de outubro de 2014

'PANÓPTICO GLOBAL' E AS MODERNAS SOCIEDADES DE CONTROLE


O conceito de panóptico de Jeremy Benthan foi utilizado por Michel Foucault em seu livro Vigiar e Punir, em que trata da vigilância e da ênfase nas mudanças e rupturas fundamentais que, ocorreram no século XVII, a partir de arranjos sociais em que muitos vigiavam poucos, para atividades de vigilância modernas, nas quais poucos vigiam muitos. Foucault contribuiu de modo importante para nossa compreensão e sensibilidade, considerando os sistemas de vigilância e as práticas modernas que se expandem rapidamente.

Há ainda outro aspecto de grande significado, que ocorreu, simultaneamente e na mesma velocidade: os meios de comunicação de massa e, especialmente a televisão que, com grande força, hoje levam a massa - literalmente centenas de milhões de pessoa ao mesmo tempo - a ver e admirar alguns. Em contraste com o panoptismo de Foucault, o outro processo é chamado sinoptismo. Ambos os processos situam a todos em uma sociedade de espectador numa via de mão dupla.


A vigilância e a disciplina da "alma", isto é, a criação de seres humanos dotados de autocontrole e que, assim, ajustam-se a uma sociedade denominada capitalista democrática, é uma tarefa que de fato é cumprida por um sinóptico moderno considerando que Foucault havia já previsto.



Assim, a sociedade da disciplina teorizada por Michel Foucault se converteu em sociedade do controle, conforme anos mais tarde havia previsto Gilles Deleuze. Nesse novo modelo social o que é importante não é mais a assinatura ou o número que dizem respeito ao indivíduo, mas o código que lhe é correspondente. “O controle é feito por códigos de linguagem numérica. Não mais nos encontramos na dualidade massa-indivíduo que caracterizava a economia de fabricação fordista.

Os métodos de controle se tornaram eletrônicos, através de códigos que monitoram estados de afeto, desejo e sentimento, abaixo do nível do indivíduo consciente. Isso é central para as formas de controle que Deleuze imaginou. Trata-se de uma mutação no capitalismo que sai do fordismo e vai para uma modalidade que não focaliza mais tanto a produção, mas compra de produtos acabados.




“A fábrica cedeu lugar à corporação global, e nesse cenário o marketing se tornou indispensável”, segundo o filósofo norte-americano, Timothy Lenoir. Retomando outra afirmação de Deleuze em 1990, Lenoir mencionou que a operação dos mercados é o instrumento social de controle e a forma impudente dos “manda chuvas” mundiais.

Nos últimos 25 anos uma série de ferramentas em bioengenharia e neuroengenharia, redes sem fio, analítica de banco de dados em larga escala e tecnologias de vigilância apareceram e conseguem converter indivíduos em um conjunto de ‘divíduos’, conceito de Deleuze, gerando a transição da sociedade disciplinar para a de controle deleuziana.



A interface direta entre cérebros e máquinas já acontece, e Lenoir deixa isso evidente. “Somos montagens de ‘divíduos’ para sermos coerentes com esse referencial de pensamento”. Implantes óticos e cocleares (de ouvidos), por exemplo, são uma realidade, e outras formas de implantes neurais também já são feitos para ajudar o aspecto sensorial da existência. “Uma série de desenvolvimentos científicos estão levando essa área a um ponto impensável em outros tempos”.

Contudo, as mudanças que Lenoir aponta, começam com o desenvolvimento no final dos anos 1990 de novas técnicas de neurogravação. Até o final dos anos 1980 a teoria principal sobre o cérebro tratava da localização de áreas que estão dedicadas a certas funções cognitivas como a visão. Contudo, é preciso pensar não somente nas mudanças práticas trazidas pela técnica, mas o que a revolução tecnocientífica representa como um todo.




Miguel Nicolelis, o neurocientista brasileiro que pesquisa na Universidade de Duke, EUA, se tornou mundialmente famoso pelos experimentos conduzidos para que um macaco movimente objetos com o comando da mente. Essa técnica demonstra que é possível criar corpos expandidos a partir da interação entre cérebro e máquina. Outra descoberta é que é possível, também, compartilhar estados cerebrais, algo que já se dá em laboratório com experiências realizadas com ratos.

O rato que tem somente a experiência da exploração irá passar a cooperar com o rato decodificador do mecanismo, segundo o protocolo colocado em prática por Nicolelis. Com esse conjunto de experiências, que pode ser feito em vários ratos e cobaias em circuito fechado, pode-se falar, inclusive, sobre uma mente coletiva. Há colaboração entre os ratos para que todos façam a mesma coisa, de modo simultâneo.




Simuladores de voo e direção de carros já são ativados pelo impulso cerebral. Extrair imagens da mente também é algo que já é possível realizar. Evidentemente, há impasses éticos em todos os experimentos, e surgem grandes questões com relação a esses limites, como na questão da subjetividade das pessoas frente ao avanço da tecnociência, e do uso de animais não humanos em pesquisas.

Recentemente foi realizada uma descoberta pela optogenética da existência de uma proteína em algas verdes que reage com a luz azul. A proteína é extraída das plantas e, a seguir, é retirado um gene que é preso às células específicas de neurônios. Ao ligar essa luz, íons entram na célula neural de modo que esta dispare. Outro conjunto de proteína atua de forma oposta, quando a luz amarela desativa o neurônio.


                               

A partir disso, pesquisam-se que tipo de próteses cerebrais poderiam ser construídas e utilizadas para trazer resultados a enfermidades como o Mal de Parkinson. Para Lenoir, “várias intervenções pertinentes e importantes para a devolução da qualidade da vida das pessoas afetadas pela doença estão no horizonte dessas pesquisas”.

A temática da computação onipresente são também outras inquietações e preocupações presentes. Em breve haverá chips em tudo o que se compra, e todas as coisas serão mapeadas por um código de rastreamento, o IP: “Nos EUA isso já é uma realidade que está chegando aos supermercados via internet”, segundo Lenoir...seria a ressignificação da “besta” relatada no livro do Apocalipse?




Outro exemplo é a interface gestual portátil através do qual se pode utilizar todo tipo de dados com uma câmara com conexão neurológica. A ideia é se livrar da tela do computador e carregar a máquina dentro do corpo. Será possível atualizar uma passagem aérea através de uma espécie de “sexto sentido”. Empresas norte-americanas como a Mindsign e a NeuroFocus são especialistas em mapear as informações de comportamento de consumo e comercializa-las para fins de marketing e neuromarketing.



“Rastrear, mapear e projetar as coisas sobre outros tipos de superfície. O desejo de fazer com que isso aconteça é avassalador. Levantamentos mostram que 90% as pessoas querem estar online e mapear dados sobre sua saúde, compartilhando-os em seguida”, menciona Lenoir, acrescentando que “Sem dúvida é surpreendente que as pessoas queiram divulgar esses dados de si mesmas. Há uma codificação e rastreamento de ‘divíduos’ a serviço do capitalismo digital global. Assim, deve-se estar consciente dos pontos positivos dessas invenções e do perigo de viver-se sob um panóptico global” .


Timothy Lenoir, é professor de História e catedrático do Programa de História e Filosofia da Ciência, autor de A Estratégia da Vida. Teleologia e Mecânica na Biologia Alemã do século XIX (Dordrecht and Boston: D. Reider, 1982); editado como brochura pela University of Chicago Press, 1989, que examina o desenvolvimento das teorias não–darwinianas da evolução, particularmente no contexto germânico durante o século XIX.

Seus outros livros incluem: Política e templo da ciência. Pesquisa e exercício do poder no Império alemão (Frankfurt/Main: Campus Verlag, 1992); Instituindo ciência. A produção cultural das disciplinas científicas (Stanford: Stanford University Press, 1997), um volume que examina a formação de disciplinas e o papel de instituições públicas na construção do conhecimento científico; um volume editado, Inscrevendo ciência: textos científicos e a materialidade da comunicação, publicado na primavera de 1998 pela Stanford Press.

Atualmente pesquisa sobre a introdução de computadores na pesquisa biomédica desde início de 1960 até 1990, particularmente o desenvolvimento de computadores gráficos, tecnologia de visualização médica, o desenvolvimento da realidade virtual e sua aplicação em cirurgia. Com fundos da Fundação Alfred P. Sloan, construiu dois projetos web sobre história da interação humana por computador e sobre história da bioinformática. Lenoir foi membro da Fundação John Simon Guggenheim e por duas vezes membro do Instituto de Estudos Avançados em Berlim. É co–fundador e editor da série da Stanford University Press Escrevendo ciência (Writing Science). Foi nomeado membro emérito [Bing Fellow] por Excelência no Ensino entre 1998–2001.

FonteInstituto Humanitas Unisinos, palestra proferida durante o XIV Simpósio Internacional Revoluções tecnocientíficas, culturas, indivíduos e sociedades. A modelagem da vida, do conhecimento e dos processos produtivos na tecnociência contemporânea.


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Izabel Liviski, é fotógrafa e doutoranda em Sociologia pela UFPR. Pesquisa História da Arte, Literatura e Artes Visuais. Escreve na revista ContemporArtes desde 2009, editando a coluna INCONTROS quinzenalmente, e é atualmente co-editora da revista. 
Contato: <izabel.liviski@gmail.com>

1 comentários:

Ana Dietrich disse...

Interessantíssimo

29 de outubro de 2014 às 13:25

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