'PANÓPTICO GLOBAL' E AS MODERNAS SOCIEDADES DE CONTROLE
O conceito de panóptico de
Jeremy Benthan foi utilizado por Michel Foucault em seu livro Vigiar e Punir, em que trata da
vigilância e da ênfase nas mudanças e rupturas fundamentais que, ocorreram no
século XVII, a partir de arranjos sociais em que muitos vigiavam poucos, para
atividades de vigilância modernas, nas quais poucos vigiam muitos. Foucault
contribuiu de modo importante para nossa compreensão e sensibilidade,
considerando os sistemas de vigilância e as práticas modernas que se expandem
rapidamente.
Há ainda outro aspecto de grande significado, que ocorreu, simultaneamente e na mesma velocidade: os meios de comunicação de massa e, especialmente a televisão que, com grande força, hoje levam a massa - literalmente centenas de milhões de pessoa ao mesmo tempo - a ver e admirar alguns. Em contraste com o panoptismo de Foucault, o outro processo é chamado sinoptismo. Ambos os processos situam a todos em uma sociedade de espectador numa via de mão dupla.
A
vigilância e a disciplina da "alma", isto é, a criação de seres
humanos dotados de autocontrole e que, assim, ajustam-se a uma sociedade
denominada capitalista democrática, é uma tarefa que de fato é cumprida por um
sinóptico moderno considerando que Foucault havia já previsto.
Assim, a sociedade da
disciplina teorizada por Michel Foucault se converteu em sociedade do controle,
conforme anos mais tarde havia previsto Gilles Deleuze. Nesse novo modelo
social o que é importante não é mais a assinatura ou o número que dizem
respeito ao indivíduo, mas o código que lhe é correspondente. “O controle é
feito por códigos de linguagem numérica. Não mais nos encontramos na dualidade
massa-indivíduo que caracterizava a economia de fabricação fordista.
Os métodos de controle se
tornaram eletrônicos, através de códigos que monitoram estados de afeto, desejo
e sentimento, abaixo do nível do indivíduo consciente. Isso é central para as
formas de controle que Deleuze imaginou. Trata-se de uma mutação no capitalismo
que sai do fordismo e vai para uma modalidade que não focaliza mais tanto a
produção, mas compra de produtos acabados.
“A fábrica cedeu lugar à
corporação global, e nesse cenário o marketing se tornou indispensável”, segundo
o filósofo norte-americano, Timothy Lenoir. Retomando outra afirmação de Deleuze
em 1990, Lenoir mencionou que a operação dos mercados é o instrumento social de
controle e a forma impudente dos “manda chuvas” mundiais.
Nos últimos 25 anos uma
série de ferramentas em bioengenharia e neuroengenharia, redes sem fio, analítica
de banco de dados em larga escala e tecnologias de vigilância apareceram e
conseguem converter indivíduos em um conjunto de ‘divíduos’, conceito de Deleuze,
gerando a transição da sociedade disciplinar para a de controle deleuziana.
A interface direta entre
cérebros e máquinas já acontece, e Lenoir deixa isso evidente. “Somos montagens
de ‘divíduos’ para sermos coerentes com esse referencial de pensamento”.
Implantes óticos e cocleares (de ouvidos), por exemplo, são uma realidade, e
outras formas de implantes neurais também já são feitos para ajudar o aspecto
sensorial da existência. “Uma série de desenvolvimentos científicos estão
levando essa área a um ponto impensável em outros tempos”.
Contudo, as mudanças que
Lenoir aponta, começam com o desenvolvimento no final dos anos 1990 de novas
técnicas de neurogravação. Até o final dos anos 1980 a teoria principal sobre o
cérebro tratava da localização de áreas que estão dedicadas a certas funções
cognitivas como a visão. Contudo, é preciso pensar não somente nas mudanças
práticas trazidas pela técnica, mas o que a revolução tecnocientífica representa
como um todo.
Miguel Nicolelis, o
neurocientista brasileiro que pesquisa na Universidade de Duke, EUA, se tornou
mundialmente famoso pelos experimentos conduzidos para que um macaco movimente
objetos com o comando da mente. Essa técnica demonstra que é possível criar
corpos expandidos a partir da interação entre cérebro e máquina. Outra descoberta
é que é possível, também, compartilhar estados cerebrais, algo que já se dá em
laboratório com experiências realizadas com ratos.
O rato que tem somente a
experiência da exploração irá passar a cooperar com o rato decodificador do
mecanismo, segundo o protocolo colocado em prática por Nicolelis. Com esse
conjunto de experiências, que pode ser feito em vários ratos e cobaias em
circuito fechado, pode-se falar, inclusive, sobre uma mente coletiva. Há
colaboração entre os ratos para que todos façam a mesma coisa, de modo
simultâneo.
Simuladores de voo e
direção de carros já são ativados pelo impulso cerebral. Extrair imagens da
mente também é algo que já é possível realizar. Evidentemente, há impasses
éticos em todos os experimentos, e surgem grandes questões com relação a esses
limites, como na questão da subjetividade das pessoas frente ao avanço da
tecnociência, e do uso de animais não humanos em pesquisas.
Recentemente foi realizada
uma descoberta pela optogenética da existência de uma proteína em algas verdes
que reage com a luz azul. A proteína é extraída das plantas e, a seguir, é
retirado um gene que é preso às células específicas de neurônios. Ao ligar essa
luz, íons entram na célula neural de modo que esta dispare. Outro conjunto de
proteína atua de forma oposta, quando a luz amarela desativa o neurônio.
A partir disso,
pesquisam-se que tipo de próteses cerebrais poderiam ser construídas e
utilizadas para trazer resultados a enfermidades como o Mal de Parkinson. Para Lenoir,
“várias intervenções pertinentes e importantes para a devolução da qualidade da
vida das pessoas afetadas pela doença estão no horizonte dessas pesquisas”.
A temática da computação
onipresente são também outras inquietações e preocupações presentes. Em breve
haverá chips em tudo o que se compra, e todas as coisas serão mapeadas por um
código de rastreamento, o IP: “Nos EUA isso já é uma realidade que está
chegando aos supermercados via internet”, segundo Lenoir...seria a ressignificação da “besta” relatada
no livro do Apocalipse?
Outro exemplo é a
interface gestual portátil através do qual se pode utilizar todo tipo de dados
com uma câmara com conexão neurológica. A ideia é se livrar da tela do computador
e carregar a máquina dentro do corpo. Será possível atualizar uma passagem
aérea através de uma espécie de “sexto sentido”. Empresas norte-americanas como
a Mindsign e a NeuroFocus são especialistas em mapear as informações de
comportamento de consumo e comercializa-las para fins de marketing e
neuromarketing.
“Rastrear, mapear e
projetar as coisas sobre outros tipos de superfície. O desejo de fazer com que
isso aconteça é avassalador. Levantamentos mostram que 90% as pessoas querem
estar online e mapear dados sobre sua saúde, compartilhando-os em seguida”, menciona
Lenoir, acrescentando que “Sem dúvida é surpreendente que as pessoas queiram
divulgar esses dados de si mesmas. Há uma codificação e rastreamento de
‘divíduos’ a serviço do capitalismo digital global. Assim, deve-se estar
consciente dos pontos positivos dessas invenções e do perigo de viver-se sob um
panóptico global” .
Timothy Lenoir, é professor
de História e catedrático do Programa de História e Filosofia da Ciência, autor
de A Estratégia da Vida. Teleologia e Mecânica na Biologia Alemã do século XIX
(Dordrecht and Boston: D. Reider, 1982); editado como brochura pela University
of Chicago Press, 1989, que examina o desenvolvimento das teorias não–darwinianas
da evolução, particularmente no contexto germânico durante o século XIX.
Seus outros livros
incluem: Política e templo da ciência. Pesquisa e exercício do poder no Império
alemão (Frankfurt/Main: Campus Verlag, 1992); Instituindo ciência. A produção
cultural das disciplinas científicas (Stanford: Stanford University Press,
1997), um volume que examina a formação de disciplinas e o papel de
instituições públicas na construção do conhecimento científico; um volume
editado, Inscrevendo ciência: textos científicos e a materialidade da
comunicação, publicado na primavera de 1998 pela Stanford Press.
Atualmente pesquisa sobre
a introdução de computadores na pesquisa biomédica desde início de 1960 até
1990, particularmente o desenvolvimento de computadores gráficos, tecnologia de
visualização médica, o desenvolvimento da realidade virtual e sua aplicação em
cirurgia. Com fundos da Fundação Alfred P. Sloan, construiu dois projetos web
sobre história da interação humana por computador e sobre história da
bioinformática. Lenoir foi membro da Fundação John Simon Guggenheim e por duas
vezes membro do Instituto de Estudos Avançados em Berlim. É co–fundador e
editor da série da Stanford University Press Escrevendo ciência (Writing
Science). Foi nomeado membro emérito [Bing Fellow] por Excelência no Ensino
entre 1998–2001.
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Izabel Liviski, é fotógrafa e
doutoranda em Sociologia pela UFPR. Pesquisa História da Arte, Literatura e
Artes Visuais. Escreve na revista ContemporArtes desde 2009, editando a coluna INCONTROS
quinzenalmente, e é atualmente co-editora da revista.
Contato: <izabel.liviski@gmail.com>
1 comentários:
Interessantíssimo
29 de outubro de 2014 às 13:25Postar um comentário
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