domingo, 2 de novembro de 2014

Cultura e Economia Solidária: a experiência do Clube de Trocas UFABC     



O Clube de Trocas da UFABC é uma ação de Cultura e Economia Solidária que reúne pessoas de uma comunidade para o intercâmbio de produtos, objetos, habilidades, serviços ou saberes entre si. Esse projeto inspirou-se em grupos e feiras de trocas que estabelecem sua metodologia de forma democrática e os períodos de reuniões, que podem ser semanais, quinzenais ou mensais, num mercado de trocas mundo afora que conta com pessoas que são ao mesmo tempo produtores e consumidores. As feiras existentes por todo o mundo promovem a cooperação e a democracia direta em sua forma de organização porque são uma alternativa ao desemprego e criam benefícios para todos os integrantes, que podem consumir sem a necessidade de utilizar recursos financeiros. O Clube de Trocas favorece ainda a cultura de consumo consciente, reduzindo, reciclando e reutilizando, beneficiando assim o meio-ambiente e fortalecendo as relações comunitárias, pois os participantes podem contar com as trocas para conhecer e conviver democraticamente com outras pessoas com as quais possuam afinidades nos hábitos de consumo e troca.
Como é sabido, os clubes ou feiras de trocas se justificam como ação no âmbito da economia solidária, que apresentou-se, de início, como uma área de inserção dos trabalhadores que estão fora do mercado formal, ou desempregados, em empreendimentos autogestionários, ou seja, organizados por eles mesmos de forma justa, democrática e solidária (ANTUNES, 1995; SINGER, 2000; GAIGER, 2004, SANTOS & SANTOS, 2004). Atualmente, a economia solidária, é mais do que um conceito, tornando-se um movimento social, econômico e cultural pautado pela autonomia e pela autogestão como princípios básicos de uma vida democrática em comunidades que entendem a política como a habilidade de construir uma vida em comum, discutindo e decidindo sobre o que são interesses comuns nos espaços públicos. As práticas de economia solidária, em destaque os clubes e feiras de trocas, são espalhadas em diversos países, pautando-se pelos princípios da autogestão, da solidariedade e da cooperação, que valorizam as diversidades culturais e a noção de uma democracia onde diferentes grupos podem aprender uns com os outros, justapondo diferenças, ora construindo consensos, ora dissensos sobre como intervir e transformar suas realidades tendo em vista a garantia de cidadania e de direitos para o maior número de pessoas e grupos envolvidos nesses processos democráticos (RANCIÈRE, 1996). Participam das trocas quaisquer pessoas e também desde empreendimentos econômicos solidários até instituições de fomento e assessoria como ONGs e universidades – a partir das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, além de instituições e gestores públicos. A proposta desse projeto surgiu devido ao trabalho direto com esse tipo de metodologia como desdobramento dos trabalhos acerca da Economia Solidária que realizamos desde 2000 (SANTOS & SANTOS, 2004) e, sobretudo, desde 2005, como assessores da Coordenação e pesquisadores da Incubadora de Empreendimentos Solidários da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR). 
No âmbito da UFABC, o Clube de Trocas foi criado por meio de uma oficina de extensão e depois tornou-se uma ação permanente do Projeto de Extensão Diversidades em Performances (2012-2013) em parceria  com o Programa de Extensão Memória dos Paladares e com o Grupo de Pesquisa ABC das Diversidades, desde 2012, com seu crescimento e continuidade graças à adesão da comunidade acadêmica, sobretudo dos estudantes. 
Em 2012, no primeiro ano de realização do Clube de Trocas UFABC como atividade do Projeto de Extensão Diversidades em Performances e do Programa de Extensão Memória dos Paladares, foi feita uma parceria com a comunidade do Novo Pinheirinho, uma ocupação urbana na cidade de Santo André, possibilitando a troca de saberes desta comunidade por objetos e habilidades disponibilizados pelo Clube de Trocas UFABC. Também foi feita parceria do mesmo tipo com o grupo de pessoas da comunidade acadêmica e externa que participou do Projeto de Extensão Dança Circular na UFABC, nos encontros realizados aos sábados, no primeiro semestre de 2013. Eventuais parcerias são firmadas com comunidades que tenham esse perfil na região, ou seja, organizadas por movimentos sociais e culturais ou relacionadas à outras atividades de extensão.


Os associados ao Clube de Trocas UFABC são, em sua ampla maioria, estudantes que passaram pelas disciplinas Identidade e Cultura, Ciência, Tecnologia e Sociedade, Estrutura e Dinâmica Social e outros que participaram de oficinas e atividades junto ao projeto e programa de extensão que abrigaram essas ações nos anos de 2012 e 2013. Os participantes do Clube de Trocas UFABC, ao realizarem trocas de objetos, produtos, saberes e habilidades, acabam expressando, além de uma noção de consumo consciente e sua relação com a preservação do meio-ambiente (reciclar, reutilizar, reduzir), também suas aspirações à uma cultura democrática e solidária, com inclusão e cidadania, construindo suas memórias e identidades individuais e coletivas e problematizando o contexto histórico e social que estão inseridos (CASTELLS, 2002; GIDDENS, 2002; HALL, 2003; ARRUDA, 2003; BAUMAN, 2005; CANCLINI, 2005).
Temos observado nos relatos e registros sobre o Clube de Trocas UFABC um enriquecimento da convivência e uma reflexão prática sobre as relações democráticas, comunitárias e de consumo na Universidade e na região do ABC paulista. Diferentes visões narradas pelos participantes dessa ação de economia solidária conectam consumo e cultura, bem-estar e qualidade de vida, tecendo análises críticas sobre o cenário político, econômico, social e cultural atual em que os padrões de consumo servem para excluir pessoas e grupos de uma sociedade que se diz democrática (GADOTTI, GUTIÉREZ, 1993; CATTANI, 2003; CANCLINI, 2005). Ao registrarmos e analisarmos essas experiências em torno do Clube de Trocas UFABC, notamos que o consumo proposto em termos de trocas, de cooperação e de solidariedade promove a inclusão social, a autonomia, a autogestão e a constatação de que somos uma comunidade rica em vários sentidos e significados e, portanto, temos muito o que compartilhar, transformando consumo em cidadania, autogestão em democracia, solidariedade em convívio e bem-estar. Assim, propomos com o Clube de Trocas, de acordo com FREIRE (1997), que os participantes reflitam sobre sua realidade, sua cultura e seus saberes locais num processo democrático que também é atravessado pelas práticas de economia solidária, consumo consciente e educação popular. E, por meio desta intervenção, exponham como definem suas identidades e como compreendem o que é trocar, o que é autogerir essa ação, o que significa se educar mutuamente para uma convivência democrática no âmbito de uma cultura e economia solidária (GEERTZ, 2004; GAIGER, 2004). 
Portanto, além de organizar e promover uma rede solidária de trocas com a comunidade acadêmica e externa interessada nesta forma de economia solidária na região, propomos o enriquecimento do debate teórico acerca da economia solidária, do consumo e de suas ligações com a cidadania, a democracia direta, a diversidade cultural e a inclusão socioeconômica e cultural (MANCE, 2002). Ao comparar a trajetória desses participantes no Clube de Trocas e seu posicionamento em relação aos chamados princípios solidários e autogestionários, com o que os estudiosos definem a respeito, podemos compreender quais os impactos do projeto quanto aos hábitos de consumo e as relações de convivência democrática em nossa comunidade. Nesse sentido, através do Clube de Trocas UFABC, mais do que trocar objetos ou habilidades, queremos compreender como as pessoas envolvidas atribuem significados culturais às suas práticas de economia solidária e à complexidade de suas vivências em processos autogestionários relacionados a estes conceitos. 
Quanto à metodologia do projeto, também trabalhamos com os conceitos de tecnologia social e tecnologia cultural, como conjunto de métodos, técnicas e procedimentos que visam resolver problemas para garantir a melhoria da qualidade de vida dos envolvidos (LIANZA, ADDOR, 2005; SANTOS, 2012). Os participantes são convidados a trazerem objetos, produtos, saberes e habilidades para trocar tanto no Espaço de Vivência do Bloco Beta, no Campus São Bernardo do Campo, quanto no Laboratório Memória dos Paladares, no Campus Santo André.
Nessas ocasiões, as trocas feitas são registradas e podem se dar de forma direta ou mediadas por uma moeda social e criativa, desenvolvida pelo próprio grupo em oficina realizada com os participantes. É distribuída aos participantes de acordo com a avaliação coletiva e negociada que estes fazem quanto ao valor do que trouxeram para trocar, estabelecendo-se de modo autogestionário os parâmetros de solidariedade, equidade, justiça, democracia, confiança e cooperação. Os participantes evitam acumular moedas sociais, colocando-as em circulação ou doando-as aos recém-chegados que ainda não trouxeram o que trocar, mas que recebem um voto de confiança ao se associarem ao Clube de Trocas UFABC e se comprometerem em trazer algo para trocar nos próximos encontros.



Cada ação desenvolvida é avaliada simultaneamente, enquanto é realizada, pelos próprios participantes, sendo que, ao final, estes fazem uma avaliação global contando já se os resultados esperados foram alcançados e quais as dificuldades encontradas ao longo do processo autogestionário que precisam receber atenção especial numa próxima ação. Nesse sentido, a metodologia do Clube de Trocas UFABC tem possibilitado construir percepções do que pode ser o convívio em meio à pluralidade, numa democracia direta, entre consensos e dissensos. E já tem mostrado alguns indícios de que se constitui como forte intervenção cultural, econômica e educativa na realidade dos sujeitos que dele participam e que relatam transformações de conceitos e valores sobre o que significa trocar, consumir, reciclar, reutilizar, reduzir, ressignificar, revalorizar, cooperar, autogestionar e ser economicamente solidário.
Convidamos a conhecer e participar o Clube de Trocas UFABC, conversando com os estudantes e estagiários no Laboratório Memória dos Paladares (UFABC - Campos Santo André, Bloco A, Torre 3, 7º andar) ou também pela página do Clube de Trocas UFABC no Facebook!



Referências bibliográficas:
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 3.ª ed. São Paulo, Cortez, 1995.
ARRUDA, M. Humanizar o Infra-Humano. A formação do ser humano integral: homo evolutivo, práxis e economia solidária. Petrópolis: Vozes, 2003.
BAUMAN, Z. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos. 5ª. ed., Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2005.
CASTELLS, M. O poder da identidade. (A Era da informação: economia, sociedade e cultura, vol. 2) 3a ed., São Paulo: Paz e Terra, 2002.
CATTANI, A. D. A outra economia. Porto Alegre: Veraz, 2003.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
GADOTTI, M. e GUTIÉREZ, F. (orgs.) Educação Comunitária e Economia Popular. São Paulo, Cortez, 1993.
GAIGER, L. I. (org.) Sentidos e experiências da Economia Solidária no Brasil. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2004.
GEERTZ, C. O saber local. Novos ensaios em antropologia interpretativa. 7a ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
GIDDENS, A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
HALL, S. Da diáspora. Identidades e mediações culturais. (L. SOVIK, org.) Belo Horizonte: Ed. UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003.
LIANZA, S.; ADDOR, F. (org.). Tecnologia Social e Desenvolvimento Social e Solidário. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2005.
MANCE, E. A. Como organizar redes solidárias. Rio de Janeiro: DP&A, Fase, 2002.
RANCIÈRE, Jacques. "O dissenso". In: A crise da razão. (A. Novaes, org.) São Paulo/Brasília-DF/RIo de Janeiro: Cia. das Letras/ MinC / Funarte, 1996, pp. 367-382. 
SANTOS, Andrea Paula dos; SANTOS, Nilce R. dos. “A Educação Básica e Profissional na Economia Solidária Catarinense”. In: Trabalho e trabalhadores no Vale do Itajaí: uma leitura crítica. (R. de C. Marchi, org.) vol. 1, Blumenau, SC: Ed. Cultura em Movimento, 2004, pp. 117-146.
______. “Tecnologias sociais e culturais: reflexões sobre noções de tecnologias em políticas educacionais e culturais” In: Café com PP: novas abordagens de políticas públicas no Brasil. ( A. M. Dietrich; A. Zimerman, orgs.) Santo André, SP: UFABC, 2012, pp. 88-104.

SINGER, P. A Economia Solidária no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000.
Andrea Paula dos Santos Oliveira Kamensky é historiadora, focalizadora de Danças Circulares, estuda Artes Visuais, leciona na Universidade Federal do ABC (UFABC). Coordena o grupo de pesquisa ABC das Diversidades, o Curso “Gênero e Diversidade na Escola” na rede pública de educação (PROEX-UFABC/MEC/ Secr. de Direitos Humanos Pref. SP). É autora de blogs educativos, poesias e contos em livros artesanais, além do livro Ponto de Vida: cidadania de mulheres faveladas (Ed. Loyola, 1996) e co-autora dos livros Vozes da Marcha pela Terra (Ed. Loyola, 1998, finalista do Prêmio Jabuti, cat. Reportagem); Patrimônio Natural dos Campos Gerais do Paraná (Eduepg/Fund. Araucária, 2007); da Col. História em Projetos (4 v., São Paulo: Ed. Ática, 2007, ganhadora do Prêmio Jabuti, cat. Livros Didáticos, em 2008); Simão Mathias Cem Anos: Química e História da Química no início do século XXI (Ed. SBQ/Cesima, 2010); História e Memória (M. Marchiori, org., v. 4, Col. Faces da Cultura e da Comunicação Organizacional, Difusão Ed./Ed. Senac RJ, 2013).



1 comentários:

Ana Dietrich disse...

Excelente, ótima estreia com o pé direito!!! Não poderia ser melhor assunto!!!

2 de novembro de 2014 às 17:37

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