DIANE DE PRIMA : COMO SER MULHER E BEAT ( Reflexões a partir de RECOLLECTIONS OF MY LIFE AS A WOMAN)
Diane Di Prima,
escritora e poeta da Geração Beat, descreve em seu livro de memórias
Recollections of My Life as a Woman (Penguin Group;New York. 2001) o que
vivenciou e observou do ponto de vista de uma mulher nos círculos boêmios do
anos 50 e 60. Narra com detalhes a construção de sua identidade como escritora
e poeta na sociedade pós guerra dos Estados Unidos, o que suas escolhas
significaram para ela, como era vista pelos demais e como isso influenciava em
sua produção criativa.
Considerada como uma das
heroicas precursoras da segunda onda de feminismo, não se atinha a rótulos,
preferindo estar às margens, vivendo o que considerava a sua verdade. Como
todos os poetas e escritores da Geração Beat, inspirou e influenciou muitas
pessoas jovens a romper com o padrão convencional da época.
Formada em sua quase
totalidade por homens, o grupo de poetas da Geração Beat se popularizou por
viver a vida intensamente, valorizando as expressões criativas, relacionando-se
com o mundo de uma forma livre, transcendental. Diane, como eles, vivia à sua
maneira, não se importando em estar inserida em algum grupo. Preferia a
marginalidade, escolhendo sempre se posicionar como uma ‘outsider’, refletindo
essa característica em seu trabalho, mesmo quando transita do movimento Beat
para o estilo ‘contracultural’ californiano, anos depois.
Ela também retrata as
diversas facetas de mulheres que a rodeavam, e como elas a influenciaram em sua
forma de se expressar artística e pessoalmente, como mulher.
‘Foi
mais ou menos nessa época (1952) que tomei o que penso como minha decisão de
não ser bonita. Na verdade, eu não tinha a menor ideia de como eu aparentava.
Muitos anos da cansativa programação nas mãos de Dick e Emma (pais de Diane) me
deixaram cega de mim mesma no espelho. Eu simplesmente não conseguia ver o que
havia lá. Mas o que eu sabia era que eu obtinha resposta das pessoas, na
maioria homens, se eu os quisesse ou não. (...) Eu havia observado o fardo que
a beleza era para as mulheres e as garotas à minha volta. Observado como elas
se viam, presas em uma sala de espelhos, onde era difícil chegar ao fundo das
coisas, para possuir a sua paixão.(...)Capturadas em um tipo de auto amor.
Observava como elas eram observadas por seus amigos e amantes, de modo que elas
não eram vistas, não verdadeiramente presenças, mas pinturas, filmes, estátuas
do sonho de alguém. Uma peça de mobília. Eu não estou falando aqui somente de
objetivação, no entanto era certamente uma parte disso. Não somente o "eu
não sou um objeto sexual" que nós ouvimos tanto nos últimos dez ou vinte
anos. Mas havia uma coisa mais, um véu de gaze, um verniz, entre os homens e
mulheres verdadeiramente bonitos em meu mundo, entre eles e o mundo por si só.
Formou-se uma barreira entre elas e os eventos das suas vidas. Seus
sentimentos. A crueza das amizades e do amor. Havia uma postura que eles nunca
abandonaram. E, também, não importando o quão verdadeiramente elas eram amadas,
elas nunca eram verdadeiramente amadas. Ou então era o que parecia para mim.
Talvez fosse minha cegueira. Minha necessidade de renegar toda e qualquer parte
de mim que levava o meu pai, meus tios, os homens da minha família a se
comportarem como o fizeram. Minha necessidade de renegar qualquer coisa que
tivesse feito Emma chorar quando eu coloquei aquele primeiro batom. Talvez o
que vi na vida dessas mulheres não foi nada além de projeção, minhas próprias
neuroses, mas até hoje eu sinto alguma verdade nisso. Não importa o quanto elas
eram amadas, elas nunca eram amadas. E então, sozinha em meu apartamento da Rua
Fifth um dia, eu coloquei para mim mesma simplesmente: que eu ‘ escolhi não ser
bonita. Uma vez que a decisão tinha sido tomada, foi fácil suficiente. Abri a
porta e deixei o meu eu embaralhado sair. Deixei o moleque sair, o que nunca
tinha tido espaço em casa.’ 2001 , 115.
Segundo Anthony Libby (2001), a
força de Di Prima vem em valorizar as experiências que rompem com as categorias
comuns. Ela valoriza uma concepção do "self " que rompe com as formas
habituais de "agrupamentos". Entende a mentalidade de grupo como
limitada, estreita. Mas quais são os motivos que a fizeram pensar dessa forma?
Di Prima viveu seus primeiros anos no Brooklyn, rodeada por imigrantes
italianos, sendo ela própria neta de imigrantes. Seu avô materno, Domenico
Malozzi, foi um ativo militante anarquista.
Mas a maior e melhor
característica de Di Prima é ter mantido sua produção
literária ao longo do tempo. Ela atravessou as três maiores revoluções
culturais norte americanas do século: o Modernismo, o Movimento Beat dos anos
50 e 60 e o Romantismo Pós Guerra. Produziu vorazmente durante todo esse
período, e dentre seus vários livros podemos destacar This Kind of Bird Flies Backward, Dinners
and Nightmares, Memoirs of a Beatnik, Loba e Revolutionary Letters.
Imagens: Lewis Hine (senhora italiana, Chicago, 1910); domínio público (Diane di Prima) e Luciano Fileti.
Referências.
Di Prima, Diane. Recollections of My Life as a Woman.New York. Penguin Books.2001.
Di Prima, Diane. Recollections of My Life as a Woman.New York. Penguin Books.2001.
Felski, Rita. Literature
after Feminism. The
University of Chicago Press. 2003.
Libby, Anthony. "Diane di Prima: Nothing is lost, it shines in our eyes". In: Johnson & Grace . Girls Who Wore Black: Women Writing the Beat Generation. Rutgers University Press. 2001.
Willer,Claudio. Geração Beat. Porto Alegre. L&PM . 2009.
Isaura Maria Rigitano de Limas é bacharel e licenciada em Dança pela PUC-PR. Professora de ESL e tradutora. Aluna de Miriam Adelman na Disciplina Escritoras da Geração Beat, Programa de Pós-graduação em Letras, UFPR 2014-2.
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