sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Entre Rebecca (Juliette Binoche) de “Mil vezes boa noite” e Mason Evans Jr (Ellar Coltrane) de “Boyhood”, fiquem com o Longa “Boyhood”.



Entre esses dois filmes em cartaz: "Mil vezes boa noite" e" Boyhood",  sem dúvida,  fiquem com “Boyhood”.
Ellar Coltrane é Mason em "Boyhood"

Uma ficção que se inspira  na realidade? Uma realidade que se inspira na ficção?

Todas as ficções estão fadadas ao mundo paralelo da realidade. Se é possível narrar uma história ficcional é porque ela é ou poderá, algum dia ser possível, de alguma forma, no mundo real.
Às vezes uma história “baseada em fatos reais”  pode não convencer, apesar de estar dialogando de forma explicita com o mundo real. Como isso pode acontecer em um filme? Simples, assistam “Mil vezes boa noite” de Erik Pope, que conta a saga de Rebecca, uma fotojornalista enviada à zonas de conflitos em países africanos, para realizar fotos chocantes. Ao assistirem o filme será fácil constatar como uma trama que dialoga com “fatos reais traumáticos" ainda assim  pode soar falsa e não convencer.
Juliette  Binoche  é Rebecca em "Mil vezes boa noite". 
Tenho de dizer que a personagem Rebecca, interpretada pela atriz Juliette Binoche, não emociona, apesar de se valer de um forte apelo humanista. Ela, a personagem, fotografa países africanos em situação de conflito, contudo fiquei todo tempo procurando razões que levaria uma aspirante à Robert Capa, a agir daquela forma bizarra, levando em consideração a inconsistência de suas atitudes.  Pois bem, como uma mulher que resolve ser fotógrafa de guerra ainda não resolveu conflitos pessoais como dividir seu tempo entre ser mãe, ser casada e ser fotógrafa?  Como cansa, no decorrer do filme,  ver a protagonista justificar sua profissão para o marido e filhos naquela altura do campeonato, visto que no  filme ela se apresenta como uma das melhores fotógrafas do mundo. Nas cenas iniciais Rebecca se mostra decidida, sem medos e pudores. O diretor arrisca quando decide começar o filme com uma cena tão forte que depois dela nada mais pode impressionar. Só a titulo de comparação, quem conhece as fotos e a história de Dorothea Lange,  uma fotógrafa americana com mais de dez mil fotos publicadas da Grande Depressão e de seus efeitos na vida dos camponeses ( autora da famosa foto “Mãe migrante” de 1936), não consegue acreditar em Rebecca. É, desta forma que, uma ficção baseada em “fatos reais" mesmo que chocantes, pode não convencer o espectador e soar falso cada cena do filme. Lógico que o diretor de “Mil vezes boa noite” não estava se referindo a Dorothea Lange, estou apenas comparando a veracidade de uma fotografa famosa de guerra a empafia da personagem Rebecca.

Cena do filme "Mil vezes boa noite"  - a personagem Rebecca e sua filha 
Por outro lado, o filme "Boyhood", com uma história muito mais comum e corriqueira, impressiona e convence muito mais o espectador, sem precisar de apelos românticos ou miseráveis. O filme conta a historia de um personagem, Mason Evans, interpretado pelo ator Ellar Coltrane, que vive de forma simples como qualquer menino americano com pais separados e com todos os conflitos que são próprios da infância e da adolescência. Nessa saga, que foi filmada em 11 anos; de maio de 2002 a outubro de 2013, com os mesmos atores, é possível ver os atores crianças virando adultos e os adultos virando velhos.
O filme faz uma forte critica a sociedade americana com grandes pitadas de machismo, violência,
resignação e conformismo.  O diretor, Richard Linklater, num golpe de mestre, não tenta fazer do filme um reality show, vai contra a tendência boba de achar que se os personagens são reais o filme é mais convincente. Ao contrário, ele se envereda pela ficção sem medo de usar como apelo  a certeira tendência inovadora de filmar durante doze anos uma ficção e não uma realidade, nos sentidos mais crus dessas palavras.

Mason pequeno
Mason adolescente 

Quem é Mason, o personagem de "Boyhood"? 

Em “Boyhood”, o  personagem central é Mason, um menino de seis anos que mora em Houston, no Texas, com a mãe, Olivia (Patricia Arquette) e a irmã, Samantha (Lorelei Linklater, filha do diretor). O pai das crianças é Mason Sr. (Ethan Hawke), que está ótimo no filme representando de forma bem tranquila aqueles pais que só veem os filhos no final de semana e tenta compensar sua ausência com passeios e brincadeiras. Mesmo assim há, na figura desse pai,  algo de lúdico e encantador que permeia quase todo filme, um idealismo "porra loca" que conforme ele vai amadurecendo e envelhecendo também vai perdendo e ficando cada vez mais uma pessoa comum, dentro dos estereótipos de bom marido e pai, essa é uma das ótimas sacada do filme: O hippie loco que com o tempo se molda as condições vigentes da sociedade.
“Boyhood” é longo, tem 2h45 e principalmente no começo o filme se apresenta muito lento. Porém no decorrer da trama vamos nos acostumando com esse tempo de Linklater e tudo fica bem.


Richard Linklater sempre foi interessado em dois temas: os ritos de passagem geracional, como em “Jovens, Loucos e Rebeldes” (1993), e a ação do tempo sobre personagens, como experimentou tão bem na trilogia: "Antes do Amanhecer", "Antes do Pôr-do-Sol" e "Antes da Meia Noite". A atriz Patricia Arquette, que agora está em "Boyhood",  ficou famosa no papel Alisson, na série "Medium", porém teve a oportunidade de trabalhar com Linklater em "Nação Fast Food" – Uma Rede de Corrupção em que acompanhou, por 18 anos e três longas, o romance de Ethan Hawke. 
Lógico que vale muito a pena assistir “Boyhood” e para aqueles que temem um longa bem longo eu posso lhes garantir que às 2h45 passam muito mais rápido e feliz do que as 1h40 de “Mil vezes boa noite”.

Curiosidade:

“Boyhood” foi feito em 39 filmagens espalhadas por mais de uma década e seu custo é estimado em apenas 2,4 milhões de dólares, quase nada comparado as grandes produções hollywoodianas.

Fiquem de “Boyhood”... vale muito a pena conferir!


 Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega. 

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