Entre Rebecca (Juliette Binoche) de “Mil vezes boa noite” e Mason Evans Jr (Ellar Coltrane) de “Boyhood”, fiquem com o Longa “Boyhood”.
Entre esses dois filmes em cartaz: "Mil vezes boa noite" e" Boyhood", sem dúvida, fiquem com “Boyhood”.
Ellar Coltrane é Mason em "Boyhood" |
Uma ficção que se inspira na realidade? Uma realidade que se inspira na ficção?
Todas
as ficções estão fadadas ao mundo paralelo da realidade. Se é possível narrar
uma história ficcional é porque ela é ou poderá, algum dia ser possível, de alguma forma, no mundo real.
Às
vezes uma história “baseada em fatos reais” pode não convencer, apesar de estar
dialogando de forma explicita com o mundo real. Como isso pode acontecer
em um filme? Simples, assistam “Mil vezes boa noite” de Erik Pope, que conta a
saga de Rebecca, uma fotojornalista enviada à zonas de conflitos em países africanos, para realizar fotos chocantes. Ao assistirem o filme será fácil constatar como uma trama que dialoga com “fatos reais traumáticos" ainda assim pode soar falsa e não convencer.
Juliette Binoche é Rebecca em "Mil vezes boa noite". |
Tenho de dizer que a personagem Rebecca, interpretada pela
atriz Juliette Binoche, não emociona, apesar de se valer de um forte apelo humanista.
Ela, a personagem, fotografa países africanos em situação de conflito, contudo fiquei todo
tempo procurando razões que levaria uma aspirante à Robert Capa, a agir
daquela forma bizarra, levando em consideração a inconsistência de suas atitudes. Pois bem, como uma mulher que resolve ser fotógrafa de
guerra ainda não resolveu conflitos pessoais como dividir seu tempo entre ser mãe, ser casada e ser
fotógrafa? Como cansa, no decorrer do filme, ver a
protagonista justificar sua profissão para o marido e filhos naquela altura do
campeonato, visto que no filme ela se apresenta como uma das melhores fotógrafas do mundo. Nas
cenas iniciais Rebecca se mostra decidida, sem medos e pudores. O diretor
arrisca quando decide começar o filme com uma cena tão forte que depois dela nada mais pode
impressionar. Só a titulo de comparação, quem conhece as
fotos e a história de Dorothea
Lange, uma fotógrafa americana com mais de dez mil fotos publicadas
da Grande Depressão e de seus efeitos na vida dos camponeses ( autora da famosa foto “Mãe migrante” de 1936), não
consegue acreditar em Rebecca. É, desta forma que, uma ficção baseada em “fatos
reais" mesmo que chocantes, pode não convencer o espectador e soar falso cada cena do
filme. Lógico que o diretor de “Mil vezes boa noite” não estava se referindo a
Dorothea Lange, estou apenas comparando a veracidade de uma fotografa famosa de
guerra a empafia da personagem Rebecca.
Cena do filme "Mil vezes boa noite" - a personagem Rebecca e sua filha |
Por
outro lado, o filme "Boyhood", com uma história muito mais
comum e corriqueira, impressiona e convence muito mais o espectador, sem
precisar de apelos românticos ou miseráveis. O filme conta a historia de um
personagem, Mason Evans, interpretado pelo ator Ellar Coltrane, que vive de forma simples como
qualquer menino americano com pais separados e com todos os conflitos que são
próprios da infância e da adolescência. Nessa saga, que foi filmada em 11 anos;
de maio de 2002 a outubro de 2013, com os mesmos atores, é possível ver os
atores crianças virando adultos e os adultos virando velhos.
O filme
faz uma forte critica a sociedade americana com grandes pitadas de machismo,
violência,
resignação
e conformismo. O diretor, Richard Linklater, num golpe de mestre, não
tenta fazer do filme um reality show, vai contra a tendência
boba de achar que se os personagens são reais o filme é mais convincente. Ao contrário, ele se
envereda pela ficção sem medo de usar como apelo a certeira tendência inovadora de filmar
durante doze anos uma ficção e não uma realidade, nos sentidos mais crus dessas palavras.
Mason pequeno |
Mason adolescente |
Quem é Mason, o personagem de "Boyhood"?
Em “Boyhood”, o personagem central é Mason, um menino de seis anos que mora em Houston, no Texas, com a mãe, Olivia (Patricia Arquette) e a irmã, Samantha (Lorelei Linklater, filha do diretor). O pai das crianças é Mason Sr. (Ethan Hawke), que está ótimo no filme representando de forma bem tranquila aqueles pais que só veem os filhos no final de semana e tenta compensar sua ausência com passeios e brincadeiras. Mesmo assim há, na figura desse pai, algo de lúdico e encantador que permeia quase todo filme, um idealismo "porra loca" que conforme ele vai amadurecendo e envelhecendo também vai perdendo e ficando cada vez mais uma pessoa comum, dentro dos estereótipos de bom marido e pai, essa é uma das ótimas sacada do filme: O hippie loco que com o tempo se molda as condições vigentes da sociedade.
“Boyhood” é longo, tem 2h45 e principalmente no
começo o filme se apresenta muito lento. Porém no decorrer da trama vamos nos
acostumando com esse tempo de Linklater e tudo fica bem.
Richard Linklater sempre foi interessado em dois
temas: os ritos de passagem geracional, como em “Jovens, Loucos e Rebeldes”
(1993), e a ação do tempo sobre personagens, como experimentou tão bem na trilogia: "Antes do Amanhecer", "Antes do Pôr-do-Sol" e "Antes da Meia Noite". A atriz Patricia Arquette, que agora está em "Boyhood", ficou
famosa no papel Alisson, na série "Medium", porém teve a oportunidade de
trabalhar com Linklater em "Nação Fast Food" – Uma Rede de Corrupção em que
acompanhou, por 18 anos e três longas, o romance de Ethan Hawke.
Lógico que vale muito a pena assistir “Boyhood” e
para aqueles que temem um longa bem longo eu posso lhes garantir que às 2h45 passam
muito mais rápido e feliz do que as 1h40 de “Mil vezes boa noite”.
Curiosidade:
“Boyhood” foi feito em 39 filmagens espalhadas por
mais de uma década e seu custo é estimado em apenas 2,4 milhões de dólares,
quase nada comparado as grandes produções hollywoodianas.
Fiquem de “Boyhood”... vale muito a pena conferir!
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