quinta-feira, 13 de novembro de 2014

FICÇÃO CIENTÍFICA E LITERATURA

 

NOTAS DE UM LEITOR: BREVE REVISÃO HISTÓRICA 



“Tendo em vista os céticos, como George, vou logo de saída dizendo que, haja ou não algo de sobrenatural nisso, a verdade é que funciona.”


Arthur C. Clarke / O Fim da Infância (1953)



Podemos começar? (Diz o autor prefigurado) Creio que sim, mas... por onde? Século XVI, o Golem de Rabbi Loew, o Maharal de Praga, Kepler e seu Somnium, de 1634, ou Cyrano de Bergerac e os Selenitas? Distante demais? Certo. As viagens de Gúliver, Jonathan Swift, de 1726? Mais? Século XIX – talvez, Frank de Shelley, o Médico e o Monstro de Stevenson, alguma coisa do Poe? Não? Entendi. Muitas origens poderiam ser apontadas, muitos princípios obscuros, claros, óbvios para um consenso geral ou profundamente contrários ao que diz a maioria. Entre escolhas e dizeres, concatenações, murmúrios e alaridos, que seja feita a vontade do autor. Júlio Verne, por um motivo muito simples, parece-nos ser um bom palpite (de uma forma ou de outra, é sempre
Julio Verne (1828 - 1905)
disso que se trata, um palpite). O escritor francês, falecido em 1905, é o mais traduzido da história e, possivelmente, o mais adaptado. Dentre as obras fílmicas que renovaram o interesse pela literatura verniana está A Ilha Misteriosa (com tradução de Clarice Lispector), de 1951, protagonizada por Richard Crane (do
Commando Cody: Sky Marshal of the Universe), 20.000 Léguas Submarinas, de 1954, onde Kirk Douglas (do Spartacus) está no papel de Ned, e muitas outras adaptações, como a recente Journey, que contou com a participação, no primeiro filme da série, de Brendan Fraser (Richard "Rick" O'Connell d’A Múmia). Poderíamos ainda citar outros escritos de Verne que constituíram verdadeiros mitemas, como Da Terra à Lua (1865), A Volta ao mundo em oitenta dias (1872), As Índias Negras (1887), O Senhor do Mundo (1904) e etc. – SÃO MUITOS.
            Possível AND Provavelmente, muitos amantes da ficção científica atribuem a certidão de nascimento do gênero à Hugo Gernsback. De fato, se Júlio Verne foi o Pai popularizador do gênero, Gernsback foi o padrinho. Em 1908, a primeira edição da Modern Electrics sai nos Estados Unidos, em pouco tempo ela se transformaria no primeiro magazine dedicado exclusivamente à “cientificção” (termo cunhado por Gernsback), mudando o nome para Amazing Stories, em 1926, consagrando o termo “Ficção Científica” e abrindo caminho para grandes nomes como Isaac Asimov, Arthur C. Clarke, Robert A. Heinlein, entre outros. Na linha dos patriarcas, se elegemos Júlio Verne como o Noé "pós-dilúvio intelectual" do século XIX, identificamos Abrahão em Asimov.


Arte conceitual - Isaac Asimov | por Rowena Morrill


            O gênero ganhou novas proporções. Outros escritores como Aldous Huxley, em Admirável Mundo Novo (1932), e C. S. Lewis, autor d’As Crônicas de Nárnia, em Trilogia Cósmica (1938 – 1945), que não se dedicavam exclusivamente a esse tipo de escrita, contribuíram para a valorização do gênero.
            Após a Segunda Guerra Mundial, a ficção científica, não só na literatura, mas também em outras linguagens, tomou proporções muito maiores, best-sellers surgiram e uma nova geração de grandes escritores ganhou o mercado. Bradbury publica Crônicas Marcianas, em 1950, e Fahrenheit 451, em 1953. O Planeta dos Macacos (readaptada para o cinema, em 2011, por Rupert Wyatt) é publicado por Pierre Boulle em 1963. Philip K. Dick começa suas tiragens em 1955, com Loteria Solar / Solar Lottery (alguns tradutores mantiveram o título original), e segue publicando até 1982, fechando sua grande série – bem grande –com A Transmigração de Timothy Archer. Uma tradição foi criada, formas foram inauguradas e toda uma cultura estabelecida ao longo dos anos e das gerações.
            Alguns podem se perguntar: _A linha foi partida? Não há mais escritores de ficção científica? O gênero – enquanto literário - está embalsamado? Muito pelo contrário. Dentre vários autores, podemos nomear a “continuidade imediata” a partir de William Gibson, vencedor do Philip K. Dick Award, em 1984, com o Neuromancer, e que publicou, recentemente, em 2010, Zero History (ainda sem tradução); ou o ganhador do mesmo prémio, em 1999, herdeiro estético de Arthur C. Clarke, o escritor inglês Stephen Baxter; OU o ganhador do John W. Campbell Award for Best New Writer de 2000, o canadense Cory Doctorow (já publicado no Brasil pela Editora Record). Isso só citando os premiados – para que vocês tenham uma ideia da continuidade. A linha não só se manteve, ela também se fortaleceu. 
            Antes de fechar, vocês se lembram do Frank(enstein) da Shelley, apontado no início desse artigo? Não foram só os rapazes que mantiveram e fortaleceram o “gênero”. Há também uma tradição matriarcal de peso. Na retrospectiva, podemos levantar nomes como Gwyneth Jones, escritora britânica premiada pelo romance Life, em 2004, com o Philip K. Dick Award (o mesmo prêmio de Gibson e Baxter); ou ainda, voltando um pouco mais, a história das quatro J (Jael, Joanna, Jeannine e Janet) em The Female Man, de Joanna Russ,  obra indicada como Melhor Romance na Nebula Award em 1975; ou – mais -  A história da Aia / Conto da Aia (o título original é The Handmaid's Tale), de 1985, escrita pela premiadíssima e atualíssima escritora canadense – vencedora do Prémio Arthur C. Clarke de 87 - Margaret Atwood. Arrisco-me a dizer que uma História da Literatura: Grandes Autoras na Ficção Científica está nos planos para nossa coluna. Não sei para quando e muito menos – ainda – como, mas vai sair. Fico em débito.



Projeto em andamento

            No mais, após o atropelo e uma breve correria por entre nomes e datas, resta-nos concluir que a literatura de ficção científica está mais viva do que nunca e, se para/na academia brasileira, para os estudos literários, ela está “obscurecida”, no momento, não é por falta de bons autores. O que também nos leva à seguinte questão: Há / Houve literatura de ficção científica no Brasil?



CONTINUA...




BIZU do próximo "episódio":
Lobato e as previsões

“[...] o radiotransporte tornará inútil o corre-corre atual. Em vez de ir todos os dias o empregado para o escritório e voltar pendurado num bonde que desliza sobre barulhentas rodas de aço, fará ele o seu serviço em casa e o radiará para o escritório. Em suma: trabalhar-se-á a distância. E acho muito lógica esta evolução.”

Monteiro Lobato / O Presidente Negro (1926)





Lucca Tartaglia está onde Deus é servido conceder-lhe que esteja, em companhia dos anseios, desejos, moscas, mosquitos e outros elementos auxiliares do bom estado das casas e dos sonhos. Graduou-se (ou Graduaram-no) na Faculdade de Letras e Artes da Universidade Federal de Viçosa onde - por ocorrência - agora cursa o mestrado. É colunista na ContemporARTES desde que se tem por isso. Desenvolve pesquisas na área de Literatura (Cabala e Estudos Pessoanos).

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