VIDA PÓS-MODERNA E LITERATURA DE ‘CONSUMO FÁCIL’: as garotas da Chick-lit.
The heroine is a young,
professional, white, middle-class heterosexual. She falls short of the cultural
ideal in looks and is especially unhappy with the current state of her
uncoupled life, but the author or filmmaker sets her on a course to happiness
with the help of a close group of friends, intensive shopping, a variety of
passing sexual experiences, and a frequently ironic view of the self. The story ends in a marriage or at least a
promising relationship.
Linda S. Coleman
Após mais de dois anos de intensa leitura e estudo
sobre as escritoras Beat, sua geração e seu tempo histórico, recebi um convite
que me levou para um outro terreno de reflexões: participar de uma banca de qualificação (de
dissertação de mestrado) sobre a temática de Chick Lit - um gênero de literatura que surge nos anos 90 em língua inglesa e que se situa, muito diferentemente das escritoras que eu trabalho, firmemente dentro da contemporânea cultura de massas*. Assim, a pesar da sobrecarga do final do ano – pois em
contraste com o que algumas pessoas possam pensar, vida de professor/a
universitári@ deve ser uma das profissões que menos sossego permite! –
aceitei, meus sentimentos no momento, uma
mistura de curiosidade e "dever". Em seguida, começou a pesquisa, pois esse ter que comentar o trabalho tão cuidadosamente elaborado que chegou às minhas mãos me obrigou a correr atrás, buscar conexões. E se não podia ler alguns do livros exemplares do gênero - definitivamente sem tempo para isso! - pelo menos, poderia assistir alguns dos filmes populares que neles foram baseados.
Imagem: Miriam Adelman
Na verdade, graças as minhas andanças interdisciplinares
pelo campo dos Estudos Culturais e da teoria literária feminista, eu já conhecia densas discussões sobre a relação entre as mulheres, a leitura e a cultura de
massas. Sabia que havia uma tendência histórica
de trivializar a própria atividade de leitura de romance, desde o século XIX
quando foi identificada como passatempo para donas de casa das elites, questão tratada por estudiosas como Maria Rita Kehl (1998) e Rita Felski (1995). Desta segunda Rita, lembrava de uma brilhante análise sobre a tendência da sociologia clássica de
trivializar e des-historicizar toda a esfera moderna de consumo ( significada como
“feminina”), apesar de seu evidente status como “a outra face” da (muito estudada e levada a sério) esfera daprodução (significada, não
coincidentalmente, como “masculina). E lembrei também das autoras
Tania Modleski (2008) e Janice Radway (1991), que também fizeram contribuições pioneiras para
nossa compreensão sobre a relação entre as mulheres e a leitura, re-considerando os
contextos e conteúdos de popular fiction
for women face ao simples desprezo dos que não se dispunham a refletir
sobre obras literárias não canônicas.
Considerações sobre qualidade literária aparte, o estudo da Chick lit obriga a ponderar a relação
deste tipo de produção cultural com a história das mulheres e do feminismo na
segunda metade do século XX. Em que medida as mudanças sociais, das quais o feminismo faz parte fundamental, criam também as condições para expressões tão contraditórias como estas? A que remetem as formas de falar sobre o feminino e sobre o ser mulher jovem deste tipo de literatura: a alienação persistente, à alguma forma de empoderamento, ou à cooptação das mudanças (no sentido de maior agência feminina) pela velha (nova) gender
machine? Ou significam um pouco de todo isso? Nesse caso, como é que se expressam estes conteúdos tão contraditórios, e quais seus impasses ? Quais seriam os ponto de fuga dos livros produzidos neste gênero, por definição centrados quase exclusivamente no romance heteronormativo, mas cujas protagonistas são experientes e donas
da sua sexualidade- nada a ver com as virtuosas virgens ou mulheres caídas dos
tempos da modernidade clássica , embora distantes também das mulheres contestadoras da literatura feminista dos anos 60 e 70? Estas são questões que precisamos levantar e examinar
à luz das próprias obras, que com certeza poderão nos
dizer muito sobre como mulheres (e homens) vivem a contemporaneidade brasileira, principalmente nos grandes centros urbanos. Trata-se, por outro lado, de uma visão parcial, que em nada resume toda a produção literária de mulheres da atualidade. ( Muito pelo contrário, é "apenas" a parcela mais popular e lucrativa .)Imagem: Miriam Adelman
Podendo ser vista como uma metamorfose um tanto surpreendente da narrativa clássica de Jane Austin , o livro que é reconhecido como o primeiro deste gênero é Bridget Jones’
Diary (publicado inicialmente em 1996). Como os outros livros que lhe seguem, tematiza uma série de nós da cultura atual. Entre estes, como ser mulher jovem no mundo “pós-feminista”, como negociar seus paradoxos e dilemmas: Como aparentemente se vive mais para o consumo do que para o trabalho, a experiência no trabalho vai além de mero meio para um fim (acesso ao consumo)? O consumo tem limites além dos financeiros? Quais são mais importantes, as relações entre mulheres (as amigas são personagens centrais nestas histórias), ou com os homens que se deseja conquistar? Como exercer a agência sexual feminina e conseguir lidar bem com os homens num "mercado" assimétrico que tanto favorece os segundos (cf. Illouz, 2012). E o grande problema que tanta angústia e neurose consegue gerar, o da imagem corporal: como trabalhar, manipular, dominá-la; como tornar seu corpo atraente, como não odiá-lo?
Ferris & Young, autoras de uma recente coletânea sobre Chick Lit, também nos alertam sobre a crescente diversidade étnico-racial e de faixa etária (alvo, personagens) deste corpus de escrita que, cada vez menos homogêneo, consegue se garantir um público leitor amplo. Nos desafiam a pensar sobre o porquê do seu persistente sucesso, argumentando: "Chick lit’s astounding popularity as a cultural phenomenon calls for a more considered response... a serious consideration of chick lit brings into focus many of the issues facing contemporary women and contemporary cultures – issues of identity, race and class, of femininity and feminism, of consumerism and self image ( Ferris & Mallory, 2006. p.2). Também apontam que o humor e a ironia são elementos centrais do gênero, o que possibilite que se pense ou se leia como sátira - mesmo o tipo de sátira que, lida de forma rasa, talvez apenas reforce os piores estereótipos, ou nossos piores pesadelos sobre um mundo igualmente raso.
Finalmente, como parte da minha obrigatória incursão numa nova temática, no caminho descobri uma vasta literatura que fala sobre o tema, e sobre tropos culturais mais abrangentes, como Single Women in Popular Culture: The Limits of Postfeminism, da australiana Anthea Taylor (2012) ou Chick Lit and Postfeminism (Harzewski, 2011). Me ocorre que vai valer a pena um aprofundamento nestas questões - e daí, claro, poder voltar correndo, à hora que eu quiser, às minhas Beats, mulheres de outro tempo e outro ideario, que não obstante podem também ser compreendidas como precursoras de todas as mulheres que escrevem em linguá inglesa em gerações posteriores. Ah, vale também contar aqui que a referida banca de qualificação que deu lugar a estas reflexões ainda não aconteceu - está agendada para o final do mês .Mas desde já eu só teria o que agradecer, o desafio de pensamento que me foi presenteado por meu colega e sua orientanda; desta última, creio que podemos esperar uma bela publicação sobre o tema, em português, daqui a mais uns tempinhos. (Aguardem, que eu aviso!)
Ferris & Young, autoras de uma recente coletânea sobre Chick Lit, também nos alertam sobre a crescente diversidade étnico-racial e de faixa etária (alvo, personagens) deste corpus de escrita que, cada vez menos homogêneo, consegue se garantir um público leitor amplo. Nos desafiam a pensar sobre o porquê do seu persistente sucesso, argumentando: "Chick lit’s astounding popularity as a cultural phenomenon calls for a more considered response... a serious consideration of chick lit brings into focus many of the issues facing contemporary women and contemporary cultures – issues of identity, race and class, of femininity and feminism, of consumerism and self image ( Ferris & Mallory, 2006. p.2). Também apontam que o humor e a ironia são elementos centrais do gênero, o que possibilite que se pense ou se leia como sátira - mesmo o tipo de sátira que, lida de forma rasa, talvez apenas reforce os piores estereótipos, ou nossos piores pesadelos sobre um mundo igualmente raso.
Finalmente, como parte da minha obrigatória incursão numa nova temática, no caminho descobri uma vasta literatura que fala sobre o tema, e sobre tropos culturais mais abrangentes, como Single Women in Popular Culture: The Limits of Postfeminism, da australiana Anthea Taylor (2012) ou Chick Lit and Postfeminism (Harzewski, 2011). Me ocorre que vai valer a pena um aprofundamento nestas questões - e daí, claro, poder voltar correndo, à hora que eu quiser, às minhas Beats, mulheres de outro tempo e outro ideario, que não obstante podem também ser compreendidas como precursoras de todas as mulheres que escrevem em linguá inglesa em gerações posteriores. Ah, vale também contar aqui que a referida banca de qualificação que deu lugar a estas reflexões ainda não aconteceu - está agendada para o final do mês .Mas desde já eu só teria o que agradecer, o desafio de pensamento que me foi presenteado por meu colega e sua orientanda; desta última, creio que podemos esperar uma bela publicação sobre o tema, em português, daqui a mais uns tempinhos. (Aguardem, que eu aviso!)
Imagem: Miriam Adelman
Imagem: Miriam Adelman.
* Encontrei esta definição do gênero no livro (op.cit.) de Ferris & Young: "From the perspective of literary criticis, we can define it as a form of women's fiction on the basis of subject matter, audience and narrative style. Simply put, chick lit features single women in their 20s and 30s, 'navigating their generation's challenge of balancing demanding careers with personal relationships".
Referências.
* Encontrei esta definição do gênero no livro (op.cit.) de Ferris & Young: "From the perspective of literary criticis, we can define it as a form of women's fiction on the basis of subject matter, audience and narrative style. Simply put, chick lit features single women in their 20s and 30s, 'navigating their generation's challenge of balancing demanding careers with personal relationships".
Referências.
Coleman, Linda S. "Chick Lit: the New Women's Fiction". In: Ferris & Young, orgs. Journal of American Culture. New York: Routledge. v.3, n.1, 2007.
Ferris, Suzanne & Young, Mallory. Chick Lit: the New Women's Fiction. New York: Routledge. 2006.
Felski, Rita. The Gender of Modernity. Cambridge/London: Harvard University Press. 1995.
Felski, Rita. The Gender of Modernity. Cambridge/London: Harvard University Press. 1995.
Fielding, Helen.
Bridget Jones’ Diary. New York: Penguin 1990.
Harzewski, Stephanie. Chick Lit and Postfeminism. Charlottesville/London: University of Virginia Press.2011.
Ilouz, Eva. Why Love Hurts: a Sociological Imagination. London:Polity, 2012.
Harzewski, Stephanie. Chick Lit and Postfeminism. Charlottesville/London: University of Virginia Press.2011.
Ilouz, Eva. Why Love Hurts: a Sociological Imagination. London:Polity, 2012.
Kehl, Maria Rita. Deslocamentos do Feminino: a Mulher Freudiana na Passagem para a Modernidade. Rio de Janeiro: Imago. 1998
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Modleski, Tania. Love with a Vengeance: Mass-produced Fantasies of Women. New York: Routledge. 2008. 2a. edição.
Radway, Janice. Women, Patriarchy and Popular Literature. Chapel Hilll: University of North Carolina Press. 1991.
Taylor, Anthea. Single Women in Popular Culture: The Limits of Postfeminism. London/New York: Palgrave Macmillan, 2012.
Taylor, Anthea. Single Women in Popular Culture: The Limits of Postfeminism. London/New York: Palgrave Macmillan, 2012.
Imagem: Pedro Zaniolo.
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