sábado, 13 de dezembro de 2014

A comida nos filmes: representação de valores culturais




Nessa semana o Espaço do Leitor traz uma instigante reflexão  de Mônica Aparecida Fernandes sobre o significado da comida em alguns filmes bem conhecidos: Vatel: um banquete para o Rei, Comer, Beber e Viver, A festa de Babete e Como água para Chocolate.



A comida nos filmes: representação de valores culturais

        Nos filmes, os sabores culinários podem ser associados a outras questões, tais como: o corpo, a alma, a família e a sociedade. Há uma simbologia muito forte que marca, principalmente, o dualismo psicofísico (corpo / alma) nas tramas.

        No roteiro de Vatel: um banquete para o Rei, aparecem muitas metáforas: papagaios andando com correntes presas aos pés, pássaros presos em gaiolas... A liberdade é um tema forte da trama. Quando Vatel soube que iria abandonar o seu povo e servir ao rei que o ganhou em um jogo, ele suicidou. No dia de sua morte, as esculturas de gelo para um banquete que ele fizera, derreteram e se desmancharam (representação da falta da arte em superar o poder humano, no caso, a monarquia). O filme, não ideológico, retrata também uma questão importante do contexto histórico: a higiene. As imagens dos ratos circulando entre as pessoas não dão uma ideia do mau cheiro francês do século XVIII.


        Já no filme oriental Comer, beber e viver, o cozinheiro da família Chu entra em crise após a morte de sua mulher e perde o paladar. A metáfora consiste na perda do gosto pela vida e a trama, como um todo, é voltada para a unidade familiar. Há muita predominância da cultura patriarcal, onde a cozinha, “reinado” do chef, é uma metáfora de sua vida. Assim como Vatel, o cozinheiro tenta superar os problemas com os pratos através da criatividade. Nesta trama, é interessante o jeito que a comida é voltada para o social, pois quem prepara a comida não a prova em momento algum: é direcionada para o outro comer.


        O contexto de A festa de Babete é predominantemente acético, pela cultura protestante do país de origem do filme, a Dinamarca. Porém, de uma forma bem sutil, o filme nos mostra a comida como uma graça suprema, satisfação plena, quase mística. Babette era uma criada francesa que leva cor às comidas, uma ruptura para aquela sociedade onde era proibido desejar e havia repressão do prazer. Sendo o prazer incontrolável, o banquete da criada francesa traz um encontro com a plenitude do prazer, usando todos os sentidos do corpo humano.


        Em relação ao filme Como água para Chocolate, podem-se perceber as metáforas ganhando vida através dos recursos visuais que inserem a fantasia no mundo visual concreto. Comida, paixão e sexo são apresentados no filme contendo experiências sensoriais semelhantes, por isso elas se relacionam neste filme mexicano. A personagem Tita descobriu uma nova forma de comunicação, em que ela era a emissora e Pedro era o receptor: através da comida – comunicação voluptuosa, aromática e sensual. A ilustração em cena de figuras de linguagem (exemplo: o sal da lágrima transformado em vinte quilos de sal puro) causa satisfação no expectador pelo fácil entendimento da mensagem (e pelo lado cômico do exagero). Também vale comentar que este filme também retrata a comida como um recurso social, uma vez que a comunicação ocorria por intermédio das refeições. Um diálogo aberto naquela época era delicado entre os mais conservadores na família.
Por fim, tendo em vista as dimensões das análises descritas, nota-se a relevância das experiências sensoriais que estão presentes em nosso dia-a-dia e que têm o alcance ao aspecto mais subjetivo do ser humano: o aspecto da alma. O sentar-se à mesa para o jantar, a preparação para um banquete, o apreciar dos cheiros... São todos fenômenos que fazem parte da sociedade como um todo. As pessoas se reúnem em torno destes fenômenos sociais. Estas experiências sensoriais são, portanto, mediadoras de uma aproximação social e devem ser resgatadas na sociedade contemporânea.   


  



Mônica Aparecida Fernandes é psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC), campus, Poços de Caldas. Ingressou na faculdade através de bolsa integral pelo ProUni, em 2007 (término em 2011). Possui experiência como psicóloga no Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) de Heliodora-MG. Recentemente, completou o curso de pós-graduação MBA em Gestão Estratégica de Pessoas pela Faculdade Unopar e trabalha como psicóloga particular em orientação vocacional (utilizando técnicas e testes psicológicos).
                        


  

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