A comida nos filmes: representação de valores culturais
Nessa semana o Espaço do Leitor traz uma instigante reflexão de Mônica Aparecida Fernandes sobre o significado da comida em alguns filmes bem conhecidos: Vatel: um banquete para o Rei, Comer, Beber e Viver, A festa de Babete e Como água para Chocolate.
A
comida nos filmes: representação de valores culturais
Nos filmes, os sabores culinários podem
ser associados a outras questões, tais como: o corpo, a alma, a família e a
sociedade. Há uma simbologia muito forte que marca, principalmente, o dualismo
psicofísico (corpo / alma) nas tramas.
No roteiro de Vatel: um banquete para
o Rei, aparecem muitas metáforas: papagaios andando com correntes presas
aos pés, pássaros presos em gaiolas... A liberdade é um tema forte da trama.
Quando Vatel soube que iria abandonar o seu povo e servir ao rei que o ganhou
em um jogo, ele suicidou. No dia de sua morte, as esculturas de gelo para um
banquete que ele fizera, derreteram e se desmancharam (representação da falta
da arte em superar o poder humano, no caso, a monarquia). O filme, não
ideológico, retrata também uma questão importante do contexto histórico: a
higiene. As imagens dos ratos circulando entre as pessoas não dão uma ideia do
mau cheiro francês do século XVIII.
Já no filme oriental Comer, beber e
viver, o cozinheiro da família Chu entra em crise após a morte de sua
mulher e perde o paladar. A metáfora consiste na perda do gosto pela vida e a
trama, como um todo, é voltada para a unidade familiar. Há muita predominância
da cultura patriarcal, onde a cozinha, “reinado” do chef, é uma metáfora de sua
vida. Assim como Vatel, o cozinheiro tenta superar os problemas com os pratos
através da criatividade. Nesta trama, é interessante o jeito que a comida é
voltada para o social, pois quem prepara a comida não a prova em momento algum:
é direcionada para o outro comer.
O contexto de A festa de Babete é
predominantemente acético, pela cultura protestante do país de origem do filme,
a Dinamarca. Porém, de uma forma bem sutil, o filme nos mostra a comida como
uma graça suprema, satisfação plena, quase mística. Babette era uma criada
francesa que leva cor às comidas, uma ruptura para aquela sociedade onde era
proibido desejar e havia repressão do prazer. Sendo o prazer incontrolável, o
banquete da criada francesa traz um encontro com a plenitude do prazer, usando
todos os sentidos do corpo humano.
Em relação ao filme Como água para
Chocolate, podem-se perceber as metáforas ganhando vida através dos
recursos visuais que inserem a fantasia no mundo visual concreto. Comida, paixão
e sexo são apresentados no filme contendo experiências sensoriais semelhantes,
por isso elas se relacionam neste filme mexicano. A personagem Tita descobriu
uma nova forma de comunicação, em que ela era a emissora e Pedro era o
receptor: através da comida – comunicação voluptuosa, aromática e sensual. A
ilustração em cena de figuras de linguagem (exemplo: o sal da lágrima
transformado em vinte quilos de sal puro) causa satisfação no expectador pelo
fácil entendimento da mensagem (e pelo lado cômico do exagero). Também vale
comentar que este filme também retrata a comida como um recurso social, uma vez
que a comunicação ocorria por intermédio das refeições. Um diálogo aberto
naquela época era delicado entre os mais conservadores na família.
Por
fim, tendo em vista as dimensões das análises descritas, nota-se a relevância
das experiências sensoriais que estão presentes em nosso dia-a-dia e que têm o
alcance ao aspecto mais subjetivo do ser humano: o aspecto da alma. O sentar-se
à mesa para o jantar, a preparação para um banquete, o apreciar dos cheiros...
São todos fenômenos que fazem parte da sociedade como um todo. As pessoas se
reúnem em torno destes fenômenos sociais. Estas experiências sensoriais são,
portanto, mediadoras de uma aproximação social e devem ser resgatadas na
sociedade contemporânea.
Mônica Aparecida Fernandes é psicóloga graduada pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC), campus, Poços de Caldas. Ingressou
na faculdade através de bolsa integral pelo ProUni, em 2007 (término em 2011).
Possui experiência como psicóloga no Centro de Referência em Assistência Social
(CRAS) de Heliodora-MG. Recentemente, completou o curso de pós-graduação MBA em
Gestão Estratégica de Pessoas pela Faculdade Unopar e trabalha como psicóloga
particular em orientação vocacional (utilizando técnicas e testes psicológicos).
E-mail: monica.heliodora@bol.com.br
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