Oficina de Escrita Criativa: uma prática transdisciplinar entre História, Língua Portuguesa, Artes e Filosofia.
A
Oficina de Escrita Criativa é uma atividade promovida pelo Grupo de
Pesquisa e Extensão ABC das Diversidades que, desde 2013, incentiva
práticas de expressão na linguagem escrita, entendendo a linguagem
como registro histórico, expressão artística e movimento cultural.
A oficina trabalha conhecimentos da História, da Língua Portuguesa,
das Artes e da Filosofia por meio da escrita criativa como prática
transdisciplinar, abrangendo diversas formas da linguagem, dos gêneros literários e da estética, sem se prender às técnicas. Tem o propósito de
construir condições para a manifestação de criatividade em
produção textual e para a construção de saberes de várias áreas
que podem ser interligadas.
O
principal objetivo da Oficina de Escrita Criativa é criar um
ambiente acolhedor para estimular as pessoas a se expressarem por
meio do convívio, através da escrita, valorizando subjetividades e
culturas e ressignificando suas relações com o mundo.
Nessa
prática, participamos da construção de atividades educativas e
culturais, com foco na História e Filosofia através da Literatura.
No atual cenário da educação disciplinar, propomos
questionamentos, pois se faz necessário o desenvolvimento de atividades
lúdicas e experimentos culturais, artísticos e educativos transdisciplinares que incentivem os/as estudantes a expressarem sua
subjetividade, apropriando-se do material histórico, artístico e
cultural, desconstruindo e reinventando suas linguagens.
A
partir da história de vida e obra de autores, podemos trabalhar não
só temáticas literárias e artísticas, mas também de contexto
histórico e filosófico. Por exemplo, a vida e os textos de Clarice
Lispector falam também das mulheres. Quando os/as participantes da
Oficina de Escrita Criativa têm contato com essas questões, isso
desperta o interesse pela história da literatura, pela história de
como esses escritos literários são feitos, o contexto de todo um
trabalho que deixa de ser literário e passa a se tornar instrumento
para a construção de várias expressões próprias, promovendo a
formação humana.
Práticas lúdicas e experimentos artísticos nas aulas de Identidade e Cultura propiciaram a construção colaborativa da Oficina de Escrita Criativa. |
Partindo
de uma demanda de pessoas interessadas na produção textual e
literária, foi ofertada a Oficina de Escrita Criativa na
Universidade Federal do ABC (UFABC), aberta para todos, mas como
público-alvo principal os/as estudantes do Ensino Médio e da
graduação. As pessoas do Ensino Médio eram estudantes da Escola
Preparatória da UFABC (EPUFABC), um curso preparatório para o ENEM
oferecido pela UFABC para a rede pública de educação da região do
ABC. A divulgação foi feita através das redes sociais, de cartazes
e panfletos.
A
oficina teve três edições, abordando três eixos temáticos:
descrição, narração e poética. A primeira edição, em 2013, com
seis encontros; a segunda, em 2014, com três encontros; e a
terceira, em setembro de 2014, com um encontro na Feira Literária de
Paranapiacaba, FLIParanapiacaba, em parceria com a UFABC.
Oficina de Escrita Criativa realizada na Biblioteca de Paranapiacaba durante a primeira FLIParanapiacaba, em 2014. |
Os
encontros da oficina foram divididos em dois momentos: no primeiro
momento eram feitos exercícios práticos, com propostas que
orientavam a escrita, de forma a estimular os participantes a se
expressaram para além de uma visão tradicional e linear da
linguagem escrita. Dentro dos estímulos apresentados, eram
utilizados escritos da literatura. No segundo momento, a reflexão
era voltada para a análise histórica da vida e das obras dos
autores, interpretando os seus contextos políticos, sociais e
culturais e relacionando-os com suas próprias experiências e histórias de vida.
Ao
final de cada edição, os textos produzidos pelos/as estudantes eram
compilados para a criação de um livro artesanal, que representam um
registro histórico pessoal e uma criação dos sujeitos envolvidos.
Neste
processo, observamos que além do desenvolvimento da expressão
escrita dos sujeitos, houve a construção de conhecimentos transdisciplinares entre as áreas de História, Língua Portuguesa,
Artes e Filosofia. Entretanto, a prática da oficina abriu um
universo de conhecimentos transversais, abrangendo o aprendizado com
as diferenças, envolvendo questões de gênero, sexualidade, etnia e
condições socioeconômicas, categorias entrecruzadas que complexificam a compreensão e a expressão sobre as próprias experiências de vida ali desconstruídas e ressignificadas.
Para
o início da prática educativa e cultural, foram utilizados diversos tipos de livros de várias áreas e sobre múltiplos temas, textos poéticos
avulsos, imagens fotográficas e músicas, como estímulos para o
processo criativo dos participantes para a produção textual.
Era
solicitada às pessoas a permissão para divulgar as fotos e textos
registrados no decorrer das atividades no blog da oficina.
A
Oficina de Escrita Criativa não tinha como propósito um processo
tradicional de avaliação dos/as estudantes ao final das atividades, pois o foco eram os processos de criação em torno do trabalho cultural, educativo e artístico. Contudo, ao final de cada encontro, era realizado um balanço em grupo valorizando as expressões e performances de oralidades, conversando e comentando os exercícios propostos e discutindo as
questões históricas, artísticas, humanas e filosóficas através
da literatura.
Todas
as atividades da oficina foram registradas no blog ABC da Escrita Criativa.
De
acordo com as experiências vividas por meio das práticas nas
oficinas, percebemos a importância de se fomentar a apropriação
criativa e lúdica da linguagem escrita e o potencial múltiplo e
complexo do ser humano que ali se expressa, quando são construídos
de forma interligada aos saberes das áreas de História, Língua
Portuguesa, Artes e Filosofia.
As
práticas desenvolvidas apresentaram enorme potencial para a
realização de uma educação transdisciplinar, integral e complexa
ao favorecer o convívio, num contexto de diversidade cultural, entre
pessoas de níveis de educação básica e superior em conjunto com
pessoas da comunidade, com idades e trajetórias de vida diversas. Perspectivas transdisciplinares que partem da mistura e de hibridismos de saberes especializados. Assim, criam-se outros novos saberes e campos de conhecimento, que buscam pluralizar pontos de vista, teorias, propostas de estudo, e não aceitam mais hierarquizações que dizem qual ou tal área é mais importante para estudar um tema.
Um exemplo de novo campo de saber que tornou-se área de conhecimento recente são os Estudos Culturais, e alguns acreditam que Arte/Educação e Arte, Ciência e Tecnologia também se configuram de forma transdisciplinar, como espaço de produções de saberes antes inexistentes, talvez sem condições de serem gerados em uma ou outra especialidade.
Em novas áreas como essas, as Artes podem então atuar tanto lado a lado quanto atravessar temáticas, questionando fronteiras entre as ciências e seus objetos de estudo. Afinal, artistas podem ser cientistas, educadores/as, técnicos/as ou tecnólogos/as e vice-versa, como sabemos. Mais do que isso, o olhar trazido pela arte pode trazer outras visões, problemas, dilemas, soluções onde observadores de outras áreas não enxergavam nada ou muito pouco…
Em tais perspectivas de trabalho transdisciplinares, o conhecimento e a compreensão da diversidade cultural é uma das temáticas mais destacadas, com ênfase no reconhecimento de conflitos entre culturas, e na multiplicidade de tecnologias culturais e artísticas que cada sujeito e/ou grupo social cria e utiliza para viver e lidar cotidianamente.
Um exemplo de novo campo de saber que tornou-se área de conhecimento recente são os Estudos Culturais, e alguns acreditam que Arte/Educação e Arte, Ciência e Tecnologia também se configuram de forma transdisciplinar, como espaço de produções de saberes antes inexistentes, talvez sem condições de serem gerados em uma ou outra especialidade.
Em novas áreas como essas, as Artes podem então atuar tanto lado a lado quanto atravessar temáticas, questionando fronteiras entre as ciências e seus objetos de estudo. Afinal, artistas podem ser cientistas, educadores/as, técnicos/as ou tecnólogos/as e vice-versa, como sabemos. Mais do que isso, o olhar trazido pela arte pode trazer outras visões, problemas, dilemas, soluções onde observadores de outras áreas não enxergavam nada ou muito pouco…
Em tais perspectivas de trabalho transdisciplinares, o conhecimento e a compreensão da diversidade cultural é uma das temáticas mais destacadas, com ênfase no reconhecimento de conflitos entre culturas, e na multiplicidade de tecnologias culturais e artísticas que cada sujeito e/ou grupo social cria e utiliza para viver e lidar cotidianamente.
Conversa de abertura da primeira Oficina de Escrita Criativa no Campus São Bernardo do Campo, da UFABC, em 2013. |
Nossas
práticas apontaram que, para além da preparação para o ENEM ou do
acolhimento de novos estudantes na universidade, a Oficina de Escrita
Criativa propõe outro papel e protagonismo dos/as estudantes, diante
dos desafios do que é pensar seus processos de construção e desconstrução de conhecimentos, de autoconhecimento frente à formação humana da qual são participantes, desenvolvendo
formas de comunicação, livre expressão, autonomia e criação.
"O mundo independia de mim – esta era a confiança a que eu tinha chegado: o mundo independia de mim, e não estou entendendo o que estou dizendo, nunca! nunca mais compreenderei o que eu disser. Pois como poderia eu dizer sem que a palavra mentisse por mim? como poderei dizer senão timidamente assim: a vida se me é. A vida se me é, e eu não entendo o que digo. E então eu adoro.”
(Clarice Lispector, A paixão segundo G.H.)
Livro artesanal com poesias e escritos feito por um participante da oficina ocorrida na FLIParanapiacaba |
Sobre a FLIParanapiacaba 2014:
Referências:
LISPECTOR,
Clarice. A paixão segundo G.H. Rocco: Rio de Janeiro, 1998. p. 179.
MORIN,
Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro.
Disponível na internet:
http://www2.ufpa.br/ensinofts/artigo3/setesaberes.pdf.
SANTOS,
A. P. ; RIBEIRO, S. L. S. Cultura digital, cotidiano e transformações
do saber histórico e da cultura escolar. In: IX Encontro Nacional
dos Pesquisadores do Ensino de História (ENPEH) - América Latina em
perspectiva: culturas, memórias e saberes, 2011, Florianópolis.
Anais do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de
História/ América Latina em perspectiva : culturas, memórias e
saberes. Florianópolis: UFSC, 2011.
Projeto e artigo desenvolvidos em parceria com Renato Rodrigues dos Santos e Robert Vagner Soares da Paixão Junior, estudantes do Bacharelado em Ciências e Humanidades e do Bacharelado e Licenciatura em Filosofia da UFABC.
rrodrigues@aluno.ufabc.edu.br; robert.vagner@aluno.edu.br; andrea.santos@ufabc.edu.br
Versões preliminares deste escrito foram apresentadas, em 2014, no Simpósio de Iniciação Científica da UFABC; no Simpósio de Pesquisa do Grande ABC, na Universidade Metodista de São Paulo; e na Jornada do GT de Ensino de História e da Educação na ANPUH (Associação Nacional de História), na Universidade de São Paulo.
Versões preliminares deste escrito foram apresentadas, em 2014, no Simpósio de Iniciação Científica da UFABC; no Simpósio de Pesquisa do Grande ABC, na Universidade Metodista de São Paulo; e na Jornada do GT de Ensino de História e da Educação na ANPUH (Associação Nacional de História), na Universidade de São Paulo.
Andrea Paula dos Santos Oliveira Kamensky é historiadora, focalizadora de Danças Circulares, estuda Artes Visuais, leciona na Universidade Federal do ABC (UFABC). Coordena o grupo de pesquisa ABC das Diversidades, o Curso “Gênero e Diversidade na Escola” na rede pública de educação (PROEX-UFABC/MEC/ Secr. de Direitos Humanos Pref. SP). É autora de blogs educativos, poesias e contos em livros artesanais, além do livro Ponto de Vida: cidadania de mulheres faveladas (Ed. Loyola, 1996) e co-autora dos livros Vozes da Marcha pela Terra (Ed. Loyola, 1998, finalista do Prêmio Jabuti, cat. Reportagem); Patrimônio Natural dos Campos Gerais do Paraná (Eduepg/Fund. Araucária, 2007); da Col. História em Projetos (4 v., São Paulo: Ed. Ática, 2007, ganhadora do Prêmio Jabuti, cat. Livros Didáticos, em 2008); Simão Mathias Cem Anos: Química e História da Química no início do século XXI (Ed. SBQ/Cesima, 2010); História e Memória (M. Marchiori, org., v. 4, Col. Faces da Cultura e da Comunicação Organizacional, Difusão Ed./Ed. Senac RJ, 2013).
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