terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Oficina de Escrita Criativa: uma prática transdisciplinar entre História, Língua Portuguesa, Artes e Filosofia.


A Oficina de Escrita Criativa é uma atividade promovida pelo Grupo de Pesquisa e Extensão ABC das Diversidades que, desde 2013, incentiva práticas de expressão na linguagem escrita, entendendo a linguagem como registro histórico, expressão artística e movimento cultural. A oficina trabalha conhecimentos da História, da Língua Portuguesa, das Artes e da Filosofia por meio da escrita criativa como prática transdisciplinar, abrangendo diversas formas da linguagem, dos gêneros literários e da estética, sem se prender às técnicas. Tem o propósito de construir condições para a manifestação de criatividade em produção textual e para a construção de saberes de várias áreas que podem ser interligadas.

O principal objetivo da Oficina de Escrita Criativa é criar um ambiente acolhedor para estimular as pessoas a se expressarem por meio do convívio, através da escrita, valorizando subjetividades e culturas e ressignificando suas relações com o mundo.

Nessa prática, participamos da construção de atividades educativas e culturais, com foco na História e Filosofia através da Literatura. No atual cenário da educação disciplinar, propomos questionamentos, pois se faz necessário o desenvolvimento de atividades lúdicas e experimentos culturais, artísticos e educativos transdisciplinares que incentivem os/as estudantes a expressarem sua subjetividade, apropriando-se do material histórico, artístico e cultural, desconstruindo e reinventando suas linguagens.

A partir da história de vida e obra de autores, podemos trabalhar não só temáticas literárias e artísticas, mas também de contexto histórico e filosófico. Por exemplo, a vida e os textos de Clarice Lispector falam também das mulheres. Quando os/as participantes da Oficina de Escrita Criativa têm contato com essas questões, isso desperta o interesse pela história da literatura, pela história de como esses escritos literários são feitos, o contexto de todo um trabalho que deixa de ser literário e passa a se tornar instrumento para a construção de várias expressões próprias, promovendo a formação humana.
Práticas lúdicas e experimentos artísticos nas aulas de
Identidade e Cultura propiciaram a construção colaborativa
da Oficina de Escrita Criativa.

Partindo de uma demanda de pessoas interessadas na produção textual e literária, foi ofertada a Oficina de Escrita Criativa na Universidade Federal do ABC (UFABC), aberta para todos, mas como público-alvo principal os/as estudantes do Ensino Médio e da graduação. As pessoas do Ensino Médio eram estudantes da Escola Preparatória da UFABC (EPUFABC), um curso preparatório para o ENEM oferecido pela UFABC para a rede pública de educação da região do ABC. A divulgação foi feita através das redes sociais, de cartazes e panfletos.

A oficina teve três edições, abordando três eixos temáticos: descrição, narração e poética. A primeira edição, em 2013, com seis encontros; a segunda, em 2014, com três encontros; e a terceira, em setembro de 2014, com um encontro na Feira Literária de Paranapiacaba, FLIParanapiacaba, em parceria com a UFABC.

Oficina de Escrita Criativa realizada na Biblioteca
 de Paranapiacaba durante
a primeira FLIParanapiacaba, em 2014.
Os encontros da oficina foram divididos em dois momentos: no primeiro momento eram feitos exercícios práticos, com propostas que orientavam a escrita, de forma a estimular os participantes a se expressaram para além de uma visão tradicional e linear da linguagem escrita. Dentro dos estímulos apresentados, eram utilizados escritos da literatura. No segundo momento, a reflexão era voltada para a análise histórica da vida e das obras dos autores, interpretando os seus contextos políticos, sociais e culturais e relacionando-os com suas próprias experiências e histórias de vida.

Ao final de cada edição, os textos produzidos pelos/as estudantes eram compilados para a criação de um livro artesanal, que representam um registro histórico pessoal e uma criação dos sujeitos envolvidos.
Neste processo, observamos que além do desenvolvimento da expressão escrita dos sujeitos, houve a construção de conhecimentos transdisciplinares entre as áreas de História, Língua Portuguesa, Artes e Filosofia. Entretanto, a prática da oficina abriu um universo de conhecimentos transversais, abrangendo o aprendizado com as diferenças, envolvendo questões de gênero, sexualidade, etnia e condições socioeconômicas, categorias entrecruzadas que complexificam a compreensão e a expressão sobre as próprias experiências de vida ali desconstruídas e ressignificadas.

Para o início da prática educativa e cultural, foram utilizados diversos tipos de livros de várias áreas e sobre múltiplos temas, textos poéticos avulsos, imagens fotográficas e músicas, como estímulos para o processo criativo dos participantes para a produção textual.
Era solicitada às pessoas a permissão para divulgar as fotos e textos registrados no decorrer das atividades no blog da oficina.
Práticas da Oficina de Escrita Criativa no ambiente
constantemente transformado pelos participantes,
com intervenções artísticas e performances
em diversas linguagens no Laboratório
Memória dos Paladares, no Campus Santo André,
da UFABC.

A Oficina de Escrita Criativa não tinha como propósito um processo tradicional de avaliação dos/as estudantes ao final das atividades, pois o foco eram os processos de criação em torno do trabalho cultural, educativo e artístico.  Contudo, ao final de cada encontro, era realizado um balanço em grupo valorizando as expressões e performances de oralidades, conversando e comentando os exercícios propostos e discutindo as questões históricas, artísticas, humanas e filosóficas através da literatura.
Todas as atividades da oficina foram registradas no blog ABC da Escrita Criativa

De acordo com as experiências vividas por meio das práticas nas oficinas, percebemos a importância de se fomentar a apropriação criativa e lúdica da linguagem escrita e o potencial múltiplo e complexo do ser humano que ali se expressa, quando são construídos de forma interligada aos saberes das áreas de História, Língua Portuguesa, Artes e Filosofia.

As práticas desenvolvidas apresentaram enorme potencial para a realização de uma educação transdisciplinar, integral e complexa ao favorecer o convívio, num contexto de diversidade cultural, entre pessoas de níveis de educação básica e superior em conjunto com pessoas da comunidade, com idades e trajetórias de vida diversas.  Perspectivas transdisciplinares que partem da mistura e de hibridismos de saberes especializados. Assim, criam-se outros novos saberes e campos de conhecimento, que buscam pluralizar pontos de vista, teorias, propostas de estudo, e não aceitam mais hierarquizações que dizem qual ou tal área é mais importante para estudar um tema.

Um exemplo de novo campo de saber que tornou-se área de conhecimento recente são os Estudos Culturais, e alguns acreditam que Arte/Educação e Arte, Ciência e Tecnologia também se configuram de forma transdisciplinar, como espaço de produções de saberes antes inexistentes, talvez sem condições de serem gerados em uma ou outra especialidade.

Em novas áreas como essas, as Artes podem então atuar tanto lado a lado quanto atravessar temáticas, questionando fronteiras entre as ciências e seus objetos de estudo. Afinal, artistas podem ser cientistas, educadores/as, técnicos/as ou tecnólogos/as e vice-versa, como sabemos. Mais do que isso, o olhar trazido pela arte pode trazer outras visões, problemas, dilemas, soluções onde observadores de outras áreas não enxergavam nada ou muito pouco…

Em tais perspectivas de trabalho transdisciplinares, o conhecimento e a compreensão da diversidade cultural é uma das temáticas mais destacadas, com ênfase no reconhecimento de conflitos entre culturas, e na multiplicidade de tecnologias culturais e artísticas que cada sujeito e/ou grupo social cria e utiliza para viver e lidar cotidianamente.

Conversa de abertura da primeira Oficina de Escrita Criativa
no Campus São Bernardo do Campo, da UFABC, em 2013.
Nossas práticas apontaram que, para além da preparação para o ENEM ou do acolhimento de novos estudantes na universidade, a Oficina de Escrita Criativa propõe outro papel e protagonismo dos/as estudantes, diante dos desafios do que é pensar seus processos de construção e desconstrução de conhecimentos, de autoconhecimento frente à formação humana da qual são participantes, desenvolvendo formas de comunicação, livre expressão, autonomia e criação.







"O mundo independia de mim – esta era a confiança a que eu tinha chegado: o mundo independia de mim, e não estou entendendo o que estou dizendo, nunca! nunca mais compreenderei o que eu disser. Pois como poderia eu dizer sem que a palavra mentisse por mim? como poderei dizer senão timidamente assim: a vida se me é. A vida se me é, e eu não entendo o que digo. E então eu adoro.”            
(Clarice Lispector, A paixão segundo G.H.)
Livro artesanal com poesias e escritos feito por um participante da oficina ocorrida na FLIParanapiacaba


Todas as atividades da oficina foram registradas no blog: ABC da Escrita Criativa
Sobre a FLIParanapiacaba 2014:

Referências:
LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H. Rocco: Rio de Janeiro, 1998. p. 179.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Disponível na internet: http://www2.ufpa.br/ensinofts/artigo3/setesaberes.pdf.
SANTOS, A. P. ; RIBEIRO, S. L. S. Cultura digital, cotidiano e transformações do saber histórico e da cultura escolar. In: IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História (ENPEH) - América Latina em perspectiva: culturas, memórias e saberes, 2011, Florianópolis. Anais do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História/ América Latina em perspectiva : culturas, memórias e saberes. Florianópolis: UFSC, 2011.


Projeto e artigo desenvolvidos em parceria com Renato Rodrigues dos Santos e Robert Vagner Soares da Paixão Junior, estudantes do Bacharelado em Ciências e Humanidades e do Bacharelado e Licenciatura em Filosofia da UFABC.
rrodrigues@aluno.ufabc.edu.br; robert.vagner@aluno.edu.br; andrea.santos@ufabc.edu.br
Versões preliminares deste escrito foram apresentadas, em 2014, no Simpósio de Iniciação Científica da UFABC; no Simpósio de Pesquisa do Grande ABC, na Universidade Metodista de São Paulo; e na Jornada do GT de Ensino de História e da Educação na ANPUH (Associação Nacional de História), na Universidade de São Paulo.


Andrea Paula dos Santos Oliveira Kamensky é historiadora, focalizadora de Danças Circulares, estuda Artes Visuais, leciona na Universidade Federal do ABC (UFABC). Coordena o grupo de pesquisa ABC das Diversidades, o Curso “Gênero e Diversidade na Escola” na rede pública de educação (PROEX-UFABC/MEC/ Secr. de Direitos Humanos Pref. SP). É autora de blogs educativos, poesias e contos em livros artesanais, além do livro Ponto de Vida: cidadania de mulheres faveladas (Ed. Loyola, 1996) e co-autora dos livros Vozes da Marcha pela Terra (Ed. Loyola, 1998, finalista do Prêmio Jabuti, cat. Reportagem); Patrimônio Natural dos Campos Gerais do Paraná (Eduepg/Fund. Araucária, 2007); da Col. História em Projetos (4 v., São Paulo: Ed. Ática, 2007, ganhadora do Prêmio Jabuti, cat. Livros Didáticos, em 2008); Simão Mathias Cem Anos: Química e História da Química no início do século XXI (Ed. SBQ/Cesima, 2010); História e Memória (M. Marchiori, org., v. 4, Col. Faces da Cultura e da Comunicação Organizacional, Difusão Ed./Ed. Senac RJ, 2013).

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