terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Profecias


Não adianta atirar toda a floricultura no mar, pular sete mil ondinhas com o pé direito, mirar o bumbum na direção da lua, tudo ao mesmo tempo à meia-noite, depois de um dia inteiro se entupindo de lentilha, uva e romã. Repito: não adianta. Você pode até estar vestindo a camisa branca da paz, a bermuda amarela da riqueza, a biju esmeralda da esperança, as sandálias azuis da saúde, a calcinha ou cueca vermelha da paixão.

O máximo que vai conseguir é antecipar a fantasia de Carnaval – e arrumar umas câimbras.

Com ou sem simpatia, o ano novo invadirá seu calendário e trará sob as folhas de louro que guardou na carteira (acha que não eu vi?) todas as promessas não cumpridas dos anos velhos: perder peso, economizar dinheiro, plantar uma árvore, entrar na aula de dança, fazer as pazes com o vizinho, aprender uma língua, se apaixonar, se engajar num trabalho voluntário, escrever um livro.

Promessas, aliás, que hão de ficar de novo em sexagésimo segundo plano se minhas previsões estiverem corretas. O que não quer dizer que você vá ser menos feliz por isso.

Os astros me garantiram: aquela conversa séria com a balança vai esperar a segunda-feira pós-churras-de-domingo; a poupança vai sofrer uma revisão de metas para se ajustar àquele finde em Búzios; o flamboyant, ligeiramente maior que seu quarto e sala, vai dar lugar a uma hortinha de temperos na varanda; o curso com Carlinhos de Jesus vai dançar outra vez; as pazes com o vizinho vão acontecer no dia em que ele devolver seu desentupidor de pia (data que nem todo o Sistema Solar junto é capaz de prever).

De resto, seu coração vai ser fisgado. Sério. O dono do anzol? A proprietária da isca? Um espécime nascido em solo francês que logo estará no Brasil prestando serviço num desses greenpeaces da vida. Olha o milagre: de uma só tacada, você vai aprender uma língua nova e se engajar num trabalho voluntário. Tudo para ficar mais perto do seu amor. A história dos dois vai ser tão capa-de-revista que, em vez de acabar na igreja, vai acabar no Fantástico, com direito a entrevista e bênção do Maurício Kubrusly.

O livro? Você há de escrevê-lo meses depois da lua de mel em Paris – contando todos os detalhes deliciosamente sórdidos do seu joyeux nouvel an.








Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório, tem perfil no Twitter e no Facebook.

2 comentários:

Anônimo disse...

Fechou o ano de forma divertida e surpreendente, Fabio, com 'chave de ouro'.
Parabéns pelo texto, mais uma vez...
abraço,
Bel

13 de janeiro de 2015 às 22:42
Fábio Flora disse...

Valeu, Bel. Um ano novo cheio de sonhos realizados para você. :-)

2 de fevereiro de 2015 às 10:28

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