domingo, 8 de março de 2015

Como cheguei aqui (refazendo a viagem)



Foi mais ou menos assim que cheguei aqui: andando por caminhos nem sempre novos, mas ainda assim novos na maneira de me conduzir. Vocês não me conhecem, mas tenham calma, vou explicar devagar e não será uma grande tarefa, porque vou facilitar em muito esse trabalho: é desvendar a mim mesma, a minha escrita. 
Vou começar por esta peripécia de viagem. Sou uma pessoa que tem sonho de conhecer o mundo, que queria ser jornalista internacional só pra viajar por aí, pra conhecer o conteúdo de cada canto ou beco, ouvir o som inusitado de lugares longínquos (há que se ter muito desprendimento e, mais que isso, recursos, pra atingir tal objetivo). E como acabei desistindo do jornalismo, legando ao sonho status unicamente de sonho, muita persistência pra seguir na rotina e contentar-se em alcançar apenas vestígio dessa meta, duas ou três vezes por ano, como a maioria.
Não que eu vá aqui contar das poucas viagens que realizei, perseguindo parcamente essa meta de descobrir o mundo. Mas hoje, pra me fazer conhecer, vou contar uma miniaventura que se passou comigo no Nordeste do Brasil, outubro do ano passado.
Pois bem: fui duas vezes à mesma praia, sem saber que era a mesma e aquilo pareceu-me uma grande burrice. Eu tinha cruzado com uma mulher, no mar em Aracaju, e ela me disse ter ido a uma praia perto dali, um dia antes, que ficava a uma hora e pouco de carro, com o marido e o cunhado. Depois do banho de mar, eu me sentei um pouco com eles na barraquinha de praia e eles me convenceram de que aquela era uma praia maravilhosa, calma e muito verde e não tão longe que não se pudesse ir e voltar no mesmo dia. Como sou do tipo que não acredita em coincidências e crê que o Universo traz o necessário pra perto da gente e que os anjos falam conosco através das pessoas que nos cercam, decidi que no dia seguinte iria pra tal praia, usando condução comum. E assim fiz.
Só não contava que, desse jeito, demoraria mais de três horas pra chegar nela!... Peguei uma van lotada de locais, que parava pouco em pouco pra gente subir e descer, depois atravessei de barco o São Francisco - aí eu já estava na divisa entre Sergipe e Alagoas. Do outro lado dele, na cidade de Penedo, peguei outra van, repleta de estudantes voltando pra casa, a fim de alcançar Pontal do Peba - a praia cobiçada.



esperando o barco pra atravessar o Velho Chico

a embarcação

Uma hora e meia depois de ter pego a segunda van, e logo na primeira aparição da praia, pedi pra descer. Meus olhos brilharam: era aquela beleza do mar de Alagoas, com barquinhos de pescadores despejados ao longo dele, como coisas de enfeitar. Entretanto, tudo pareceu-me um pouco familiar e eu não sabia ao certo se tinha sonhado com aquele lugar maravilhoso tão difícil de chegar ou se, por alguma artimanha do destino, eu realmente já tinha estado lá.

praia do Peba
Quando cheguei na outra ponta da praia, tinha um grande coberto de madeira e folhas, com uma placa: Praia do Peba e então reconheci: eu já tinha estado ali, afinal. Quando fui a Maceió, uns quatro ou cinco anos antes, aluguei um carro e fui até a Foz do São Francisco e desbravei também uma praia de pescadores, quase deserta, de água muito verde e morna: Pontal do Peba! A praia que eu demorei tanto a chegar, que me cobrou todo um dia de viagem e até uma estadia a mais (sendo que em Aracaju, a estadia estava paga), já era minha conhecida! eu já tinha estado nela de modo muito mais rápido e sem nenhum sofrimento.



Pareceu mesmo uma inestimável falta de sorte e de juízo, com tantos lugares a conhecer em Aracaju, perder dois dias perseguindo um local que eu já conhecia, de uma outra viagem. Pela primeira vez, viajar sozinha estava parecendo uma coisa perigosa pra mim, não havia ninguém pra pôr limites nessa minha mania de pensar que eu podia me jogar no mundo e deixar que ele me conduzisse.
Tive que passar a noite na vila de Pontal, e com quase nenhum dinheiro, porque pensava que voltaria no mesmo dia e lá não havia agência bancária ou caixa 24 horas. Não que houvesse assim muitos lugares pra gastar!... É uma vila muito pequena, quase nada estava aberto, apenas uma pequena lanchonete, dois mercados e a igreja.
Comprei algumas coisas no mercado (mais baratas), pra comer no quarto e pedi pra dona da pensão um veneno pra mosquitos (eram tantos que poderiam me carregar no colo se trabalhassem juntos) e então, já noite, saí pra observar as poucas ruas da vila e espairecer.
Na única praça, a igreja estava acesa e com as portas todas abertas - era muito branquinha. Depois daquele dia inteiro de viagem pra chegar a um lugar que eu já tinha ido e me sentindo um pouco desorientada estando unicamente sob o meu próprio comando, entrei na igreja vazia (ainda não era hora da missa) e senti uma vibração muito forte, um poder (era uma igreja, mas podia ser qualquer outro lugar santo. Não acredito que qualquer de nós saiba exatamente como essa coisa mística funciona).



Não me prender a crença nenhuma 
: um modo de não duvidar de nada. 
... 
Somos pequenos demais 
(esse entendimento me basta).


Como é de meu costume sempre que entro numa igreja em que nunca entrei, e com o coração escancarado e entregue (coisa de quem está a viajar sem ninguém... Quando a gente viaja sozinho, o mundo conversa com a gente e eu me sentia um pouco desamparada por ter me metido naquela pequena enrascada, ainda que Pontal do Peba fosse mesmo um paraíso. E foi um alívio sentir que Algo maior que eu estava no comando), fiz um pedido, ou alguns pedidos. Meus olhos se encheram de água, senti-me inteiramente comovida e envolta naquela força, num povoado pouco habitado e distante de quase tudo, mas muito perto de Deus.

os coqueiros e casas do Peba



o azul



o laranja

Bom, vocês devem estar pensando o que tudo isso tem a ver com o fato de estar aqui agora, pela primeira vez nesta coluna.

Como disse ao início, fiz a mesma viagem duas vezes, mas por caminhos muito diferentes, o segundo muito mais difícil que o primeiro. Mas da primeira vez não tinha entrado naquela igreja, não tinha sentido nem sombra de qualquer desamparo, não tinha percebido a mim mesma como uma guia perigosa, nem tinha feito qualquer pedido ou agradecimento que fosse, pela natureza exuberante que me rodeava, nem solicitado bençãos aos caminhos que adviriam dali por diante.
Fiz duas vezes a mesma viagem, mas minhas percepções foram diferentes. Os obstáculos talvez tenham me levado a ver tudo de outra maneira, não sei. Ou a solidão de viajar pela própria conta, decidindo rumos e trocando frases com pessoas que só seriam vistas uma única vez.
Eu sei que acredito de verdade estar aqui agora por causa daquela igrejinha vazia em que eu entrei e pedi o encaminhamento da vida, tão disponível que eu estava, integrada no Universo. Por causa dos pedidos que fiz com a alma embargada de lágrima, sentindo-me sozinha, mas protegida ao mesmo tempo pelo mundo todo, novamente portas se abrem pra mim. 
Na vida, às vezes, a gente tem que repetir a tarefa, pra compreender a profundidade que ela traz. E  eu entendo ter sido isso o que aconteceu comigo ali, naquela empreitada quase cômica.
E acredito que, estar aqui hoje, muito honrada e feliz por participar desta revista, de um grupo enfim, seja parte de uma graça alcançada em escura noite, numa igreja que parecia aberta só pra mim, tão sozinha que já não me sentia individualmente, mas
parte de tudo.



ouça esta canção e perceba com o coração o que não está dito








Larissa Germano é autora de "Cinzas e Cheiros" e escreve nos blogs Palavras Apenas (naoapenaspalavras.blogspot.com) e Nunca Te Vi Sempre Te Amei (cafehparis.blogspot.com), Tem perfil no facebook e no twitter e a página Lári Prosa e Trova no facebook. É também compositora intuitiva e tem perfil no Sound Cloud e Youtube.

1 comentários:

Ana Dietrich disse...

que lindo querida, coincidências afinal não existem, é a mão de Deus guiando-nos...
é um imenso prazer contar com sua prosa e poesia tanto aquela que faz quanto a que és...
bjs

12 de março de 2015 às 13:08

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.