segunda-feira, 9 de março de 2015

A GRAVURA: Arte democrática e disciplinadora


                          


                        A GRAVURA: Arte democrática e disciplinadora

 
     Historicamente, a arte da  gravura acompanha a humanidade desde o Paleolítico. Perpassa as civilizações antigas, o Egito, a China, o Japão. Chega ao Ocidente e se desenvolve, atrelada à imprensa. A invenção do papel pelos chineses foi elemento fundamental para sua difusão. Mas o que  se pretende destacar aqui não é sua história, nem os principais artistas gravadores, e sim  a função de elemento democratizante da Arte e disciplinador do artista que a caracteriza.

Xilogravuras do século XVI
ilustrando a produção da xilogravura
Anônimo
      Antes de tudo, na   gravura, a disciplina no trabalho é fundamental para um bom resultado: o desenho, a composição, o uso dos materiais, seja uma matriz de madeira, para xilogravura, seja uma placa de metal, para água-forte ou água-tinta, precisam ser criteriosamente planejados. A pressão da mão, o poder corrosivo do ácido, a gramatura do papel de impressão também devem ser controlados e avaliados. O primeiro traço depositado na matriz e o gesto final de retirar o papel da prensa com o resultado do trabalho são pesados, questionados, antes de se passar à execução propriamente dita. Nada pode ser     
                                                        improvisado ou deixado ao acaso.

Anônimo
      Além do método disciplinador de trabalho que incute no artista ao passar por várias etapas de transformação da ideia até chegar à reprodução, a gravura permite, ainda, por meio da matriz, a recuperação de tudo o que foi feito. Com a matriz à mão, pode o artista fazer leituras constantes de sua experiência, ou desenvolver e recuperar coisas que ficaram para trás.

     Essa   característica é que a define como Arte Maior. Parece que, no ato de arranhar, escavar, corroer, entintar, prensar, manipular o material de todos os modos, no envolvimento total, o artista está, de fato, burilando a própria personalidade. É gratificante retirar o papel da prensa, num gesto final, e constatar que todo o esforço e suor deram resultado. A imagem aparece ali no papel, nas cores e formas que você imaginou. É frustrante, porém, quando se percebe que houve falhas, ou que nada deu certo, mas isso não é motivo de desânimo. Ao contrário, deve estimular, pois o erro ficou registrado na matriz ou em alguma das etapas. O artista, então, arregaça as mangas e parte para a reabilitação do trabalho, e o aprendizado continua. Na gravura, até o erro tem valor significativo.





Moinho de papel de Stromer, Nuremberg
xilogravura, c. 1390
Anônimo
      Ela nos  faz compreender com clareza que a linguagem artística não pode se limitar apenas a reproduzir qualquer ser ou objeto e que em Arte não se improvisa. Na gravura, o desenho é filtrado pela matriz, o traço tem qualidade expressiva e essa qualidade está relacionada com a linguagem visual. Assim como existe a expressividade das palavras, existe a  das formas. O artista  preocupa-se  com a estética e também  com a técnica. De nada adianta ter ideias expressivas e geniais se não se domina a forma. 

No desenho ou na pintura, por exemplo, a imagem que se mentaliza vai aparecer no papel exatamente como foi idealizada, teoricamente, é claro. A gravura é um procedimento indireto, feito por etapas, e o resultado aparece invertido no papel. Deve ser por isso que não há gravadores de fim de semana. Somente a dedicação e a   persistência podem fazer um bom gravador. O nível e a qualidade artística da gravura                                               repousam solidamente sobre sua base artesanal.

Comentários sobre o Sutra Diamante
xilogravura,   c. 1340
Anônimo
     Desde o surgimento da ideia de produzir estampas populares a preços acessíveis, na China antiga e depois no Japão, a gravura continua a ser a única técnica capaz de permitir que o original (matriz) seja reproduzido várias vezes e continue a ser um original (assinado e datado pelo próprio artista), chegando assim a diversos lugares e pessoas.  Arte democrática por excelência,  permite o acesso a obras artísticas mesmo àqueles que não têm condições financeiras de comprar uma pintura ou escultura de  artistas famosos.  Por tudo isso, a gravura a cada dia se torna mais popular em nossos dias.                                                      



                                                                                                                      
                                                                                                                       

Tauromaquia II
xilogravura, 2008
Thelmo Olisar


Thelmo Olisar, natural de Porto União-SC, é graduado em Letras, bacharel em Gravura pela EMBAP e pós-graduado em Arte-Educação. Foi ilustrador gráfico e revisor de textos do Departamento de Ensino da SME de Curitiba-PR. Como artista plástico, participou de coletivas, individuais  e salões, com  premiações. Como professor, atuou em colégios particulares de Curitiba e S. Paulo e na rede pública estadual do Paraná e da Prefeitura Municipal de Curitiba-PR. Foi revisor do jornal O Estado de S. Paulo e redator do BCN-SP. Atualmente, desempenha funções de consultor gramatical do serviço de Telegramática, da Prefeitura Municipal de Curitiba-PR.

5 comentários:

Anônimo disse...

Seja bem vindo à revista Thelmo, e parabéns pela sua primeira coluna, está um primor!
Abraço,
Izabel Liviski

10 de março de 2015 às 10:22
Vanisse Simone disse...

Parabéns pela estréia na Art&Fato! Vida longa na revista!
Bjo
Vanisse Simone

10 de março de 2015 às 14:53
Anônimo disse...

Um texto claro, didático e, ao mesmo tempo, delicioso de ler. Parabéns, Thelmo!

12 de março de 2015 às 08:27
Anônimo disse...

Thelmo, esqueci de assinar! Beatriz Cruz.

12 de março de 2015 às 08:29
febrüschz disse...

Da-lhe Telmo!! Continuidade eh uma das marcas do gravador!

31 de dezembro de 2016 às 16:30

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