sexta-feira, 13 de março de 2015

O GLASS CEILING NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


GLASS CEILING NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Hoje é sexta-feira 13, dia que considero extremamente auspicioso. Pois é hoje, neste dia tão especial, que inicio minhas atividades aqui na Coluna Planetário. Nessa primeiro coluna apresento minha pesquisa de Mestrado, em que analisei o acesso de homens e mulheres aos cargos de maior poder dentro da escola (direção e vice-direção). Boa Leitura!


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O que é o glass ceiling (teto de vidro)

É como se denomina o fenômeno que se manifesta em forma de barreiras invisíveis que impedem o acesso das mulheres aos maiores cargos. Normalmente é estudado em profissões dominadas por homens. Segundo Steil (1997), o conceito do glass ceiling surgiu nos Estados Unidos, na década de 1980, para descrever a barreira profissional que, de tão sutil, é transparente, mas suficientemente forte para impedir o avanço profissional das mulheres. Nomear essas barreiras como teto de vidro se dá exatamente pelo fato de elas serem quase invisíveis e possuírem certa transparência, como o vidro. Apesar de invisíveis, são barreiras muito fortes e presentes no cotidiano profissional de muitas mulheres, o que as impedem de seguir adiante e alcançar os níveis profissionais mais altos. Tal impedimento se dá exclusivamente em função da hierarquia de gênero.

O glass ceiling é uma barreira quase invisível, porém  resistente....

O campo da educação


É sabido que a Educação é um campo profissional dominado por mulheres, em termos numéricos. De fato, em pesquisa realizada na  Rede Municipal de Ensino - RME de Curitiba, constatou-se que aproximadamente 97% dos/as profissionais da Educação são do sexo feminino (dados de 2008). Apesar da superioridade numérica, quando mulheres e homens disputam os cargos mais altos dentro da escola (direção e vice-direção), os homens  levam vantagem. É uma vantagem sutil e disfarçada, mas que garante aos homens maiores possibilidades de serem eleitos para os cargos de mando. Isso se explica, em parte, pela crença de que tudo que é associado ao homem é melhor, mais competente, mais forte, que advém, basicamente,  do conceito de que o  mundo é masculino (Bourdieu, 2007).

O universo de professores na RME de Curitiba é um espaço rico de 
experiências femininas. Em tese, o poder é ou deveria ser exercido 
por elas, que estão em maioria. Em contrapartida, os homens 
deveriam estar em desvantagem no que se refere à disputa por funções 
de mando. Entretanto, isso não acontece. Na escola e em seu entorno 
social, o discurso recorrente é de que ter um diretor homem agrega mais 
respeito e mais segurança ao ambiente. Assim, respeito e 
segurança estão intrinsecamente ligados à figura masculina, de forma 
naturalizada. Já à figura da mulher, são associados outros elementos 
como fraqueza e delicadeza. Mesmo na Educação, onde as mulheres 
são a maioria absoluta, os homens são considerados naturalmente 
mais "aptos" aos cargos de liderança.


Mulher vota em mulher ou vota em homem?

A pesquisa comprovou que as mulheres, quando têm a possibilidade de escolher entre um homem e uma mulher para os mais altos cargos dentro da gestão escolar,  quase sempre escolhem os homens. E fazem isso de forma tão automática, tão mecânica, que não se dão conta de que ajudam a perenizar as desigualdades, reduzindo para si mesmas as possibilidades de acesso aos cargos de liderança. 



Os números não mentem jamais!

Nas eleições diretas para diretores/as das escolas municipais  de Curitiba, em 2008, O número total de concorrentes aos cargos de diretores e vice-diretores
foi de 535. Desses, somente 17 eram homens, ou seja, havia 518 mulheres concorrendo, o que dá um percentual de 96,8% de mulheres e 3,2% de homens. O número de homens concorrentes, em termos percentuais, se aproxima bastante do número de homens na RME de Curitiba (2,7%). O total de
homens candidatos foi de 17, sendo que 10 concorreram aos cargos de diretores e sete aos cargos de vice-diretores. O resultado da eleição confirma
a tese de que os homens conseguem chegar mais facilmente aos cargos superiores na gestão escolar. Dos dez candidatos a diretor, oito conseguiram vencer a disputa, o que dá um percentual de 80% de sucesso! Dos sete candidatos a vice-diretor, cinco conseguiram se eleger, o que contabiliza 71,4% de êxito.
Muitas mulheres podem eleger poucos homens!


A vantagem evidente dos homens nas eleições
escolares configura a existência do glass ceiling
na educação brasileira.

Aqui é interessante notar que, quando disputaram o cargo mais alto (diretor), os homens tiveram mais resultado do que quando disuputaram o cargo auxiliar (vice-diretor). Se levarmos em conta o número de candidatos, independente do cargo ao qual concorriam, considerando que 13 foram eleitos dentre 17, o percentual de aprovação masculina fica em 76,47%!


Cartaz de campanha contra o glass ceiling, techo de cristal
Todas as chapas que tinham homens conseguiram se eleger. É possível pensar, que ao agregar homens como candidatos, essas chapas agregaram também toda a imagem positiva que o masculino carrega. O movimento que levou esses homens ao poder, como se fosse seu lugar natural, desde sempre, são as profundas estruturas simbólicas que permeiam as relações sociais. Dentre essas estruturas, a visão androcêntrica do mundo permanece como uma força subjetiva que leva as pessoas, homens ou mulheres, a eternizar a força do masculino. A vantagem que os homens levam em relação às mulheres se apresenta como uma coisa natural, motivada pelo fato de que são homens. Para Bourdieu (2007), a força da ordem masculina se impõe naturalmente, sem necessidade de justificação.

Gestão escolar e gênero: o que pensam os/as profissionais da Educação de Curitiba?


A pesquisa disponibilizou aos/às profissionais da Educação um questionário online. As respostas referentes às chances que as mulheres têm de  alcançar as funções mostram que 60% dos homens acreditam que, quando há homens concorrendo contra as mulheres, as chances delas diminuem; das mulheres, 16,6% têm essa crença e somente 4,9% delas acreditam que suas chances aumentam. Por outro lado, um grande número de mulheres (78,5%) acredita que as suas chances não aumentam nem diminuem quando concorrem contra os homens. Dos homens, 40% acreditam que não haja diferença quanto ao sexo neste quesito e nenhum homem acha que as chances delas aumentam quando há homens concorrendo contra elas no acesso aos cargos de direção e vice-direção. 


Se levarmos em conta o alto percentual dos homens que acreditam que as mulheres estão em desvantagem quando concorrem contra os homens (60%) e em vantagem quando concorrem ao lado deles nas chapas mistas (52,4%), é evidente que os homens têm noção de seu valor simbólico e atribuem a si mesmos a capacidade de angariar votos para a conquista da direção ou vice-direção.
Esses números mostram que as mulheres e os homens reconhecem a existência da discriminação e das dificuldades potenciais para as mulheres. Esse reconhecimento é muito importante para a superação do quadro de discriminação.Quando foi perguntado sobre as chances das mulheres, no caso de concorrerem junto com os homens (em chapas mistas), observa-se que somente 14,3% dos homens acreditam que as chances das mulheres diminuem e 52,4% acreditam que as chances aumentam. Já entre as mulheres, apenas 2,7% afirmam que as chances diminuem, 18,8% avaliam que as chances aumentam. Entre os homens, 33% avaliam que não há alteração nas chances para chapas mistas. 



Esse entendimento de que a simples associação com o homem leva a mulher a uma posição de vantagem decorre, como já dito anteriormente, da crença já naturalizada de que ao homem cabem as funções mais nobres, de mais prestígio e poder. Sendo a função de direção uma possibilidade de acesso (em alguma medida e de um modo muito específico) ao poder, importa entender essa “divisão de poderes” baseada no sexo. Perrot (1988), ao falar sobre a divisão dos poderes entre homens e mulheres, esclarece que os homens teriam o poder do Estado, o poder político, o poder de decidir, enfim. Quanto às mulheres, elas teriam os poderes informais (domésticos, de bastidores, etc). Essas crenças, baseadas em conceitos há muito perpetuados, ainda hoje fazem eco na gestão escolar municipal de Curitiba.



Quanto ao preparo para as funções, o questionário demonstrou que 40% dos homens acreditam que estão mais preparados para assumirem as funções de direção e vice-direção do que as mulheres, enquanto que 5,3% das mulheres também acreditam nisso. Das mulheres, somente 12% acreditam que estão mais preparadas do que os homens para assumir cargos de comando na escola, com o que concordam 10% dos homens. Quanto à crença de que ambos estão igualmente preparados para esses cargos, metade dos homens e 83% das mulheres acreditam nisso. As respostas encontradas demonstram traços muito perceptíveis da desigualdade profissional a que as mulheres são submetidas por crenças há muito enraizadas. Os homens acreditam mais no seu potencial para liderar do que as mulheres em sua própria capacidade. 





A luta das mulheres parece ser mais pelo reconhecimento e pela igualdade, enquanto que para os homens parece ser natural se assumir em posição de chefia. Isso é resultado das desigualdades de gênero. Scott esclarece que “o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre o sexo”. Além disso, continua a autora, o gênero implica quatro elementos relacionados. Entre eles destacam-se os “símbolos culturalmente disponíveis que trazem evocações simbólicas”; em “conceitos normativos que expressam interpretações dos significados dos símbolos” (Scott, 1995, p. 86). Esses conceitos se originam nas doutrinas religiosas, científicas, jurídicas jurídicas e asseveram “de maneira categórica e inequívoca o significado do homem e da mulher, do masculino e do feminino” (Scott, 1995, p. 86). Tais conceitos, arraigados no subconsciente de cada um, seja homem ou mulher, atuam fortemente para manter as desigualdades entre os sexos.


Cartaz de campanha contra o glass ceiling, techo de cristal

Para concluir...

Os dados demonstraram, de maneira geral, a vantagem que os homens têm para ascender às posições de comando na gestão escolar.
A vantagem não é numérica, pois há muito mais mulheres diretoras do que homens diretores. É uma vantagem implícita, quase escondida, proporcional. Essa vantagem masculina, que se traduz em desvantagem para as mulheres,
essa quase invisibilidade do fator vantajoso é característica do fenômeno
do teto de vidro, que, de tão sutil, é quase “transparente”, daí o nome tão sugestivo. A superioridade masculina acontece de maneira muito natural, quase sem ser questionada, quase imperceptível. Na esteira de Bourdieu (2007), a dominação masculina é exercida naturalmente, sem necessidade de justificação. Ou seja, os homens, cujo conceito no imaginário coletivo é sempre associado ao melhor, ao mais competente, ao mais correto, chegam muito mais facilmente do que as mulheres aos cargos. E o grupo de homens e mulheres atua nesse sentido, fortalecendo essa crença, de maneira quase automática.




O estudo concluiu que o fenômeno do glass ceiling está presente em Curitiba e se manifesta de maneira inquestionável. Quando há um homem concorrendo contra uma mulher, o coletivo acredita que ela fica, automaticamente, em desvantagem. 




A recíproca também é verdadeira: quando concorre em parceria com os homens, acredita-se que a mulher leva mais vantagem nas eleições.

A discussão passou pelo gênero e, nessa perspectiva, acredita-se que as mulheres têm uma história e que ajudam a escrevê-la (Perrot, 2008), em meio a embates e relações de poder. Na gestão escolar municipal de Curitiba, as mulheres e homens que lá se relacionam exercem o poder, uns sobre 

os outros, em um movimento contínuo (Foucault, 2004). 




O poder se movimenta continuamente, de um polo a outro, podendo estar
em vários polos ao mesmo tempo.




Em termos numéricos, as mulheres são superiores aos homens. A mulher profissional da educação não é uma vítima oprimida dos homens, ela é ativa neste processo histórico e atua politicamente. Se há a manutenção da imagem da superioridade masculina e essa se reflete nas eleições, é porque as próprias mulheres ajudam a perenizar esses conceitos, auxiliando a criar e a manter para si mesmas, as barreiras quase invisíveis que as prejudicam na disputa de poder com os homens. A divisão sexual, fundamentada em uma visão androcêntrica de mundo (Bourdieu, 2007) leva à perpetuação da dominação masculina.


O glass ceiling, presente em praticamente todas as áreas profissionais, na educação revela seu lado mais cruel: persiste, apesar do número absolutamente superior das mulheres.

O fato de a Educação ser uma profissão “feminizada” não impede os homens de assumirem os cargos de mando, como se fosse o seu lugar natural. Para além de uma discussão teórica, quer-se, com a pesquisa realizada, promover uma reflexão sobre o tema e, a partir disso, possibilitar mudanças que concorram na busca de uma sociedade mais justa e igualitária entre homens e mulheres em todos os campos, inclusive no profissional.

É preciso avançar para derrubar conceitos e estereótipos que impedem a mulher de alcançar os cargos de mando.




*Texto adaptado/retirado da dissertação da autora, defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná em 2010 e orientada pelo Prof. Dr. Ângelo Ricardo de Souza. O texto completo pode ser acessado em http://www.ppge.ufpr.br/teses/M10_correa.pdf

Referências: 
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• WEBER, M. Conceitos Básicos de Sociologia. São Paulo: Centauro, 2002.

• Imagens retiradas da Internet, para fins puramente didáticos.





Vanisse Simone Alves Corrêa é doutoranda em Educação pela UFPR e co-editora da Revista Contemporartes. Ela acredita que mulheres e homens podem e devem trabalhar juntos para conquistar um mundo mais justo e livre de desigualdades.

1 comentários:

izabel liviski disse...

Querida Vanisse, agora sim, oficialmente empossada!
Sua coluna está fantástica, parabéns!
abraço.

13 de março de 2015 às 19:32

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