sexta-feira, 24 de abril de 2015

NOTA DE ESTUDO | O que é religião, Rubem Alves?




“A limitação da razão e do espírito científico reside no fato 
de que eles não têm nada sobre o que calar.”

“O religioso e o místico sempre terminam no nobre silêncio, 

pois não existe em nenhum dicionário a palavra que o possa definir.”


Leonardo Boff


I

            Comecemos pelo animal, passemos ao racional e vejamos o que acontece. Há 125 milhões de anos atrás – aproximadamente, surgiram os primeiros mamíferos e com eles o sistema límbico, a unidade reguladora responsável pelas emoções, cuidados e comportamentos sociais. Comparado a isso, a razão abstrata é recentíssima, aconteceu há mais ou menos 4 milhões de anos com o aparecimento do Neo-córtex, uma fina capa cobrindo os lóbulos pré-frontais e os lobos frontais com cerca de 30 bilhões de neurônios – destaque para o desenvolvimento apresentado pelo Homo Sapiens Sapiens (Nós – no caso). 





           Com a habilidade de conceituar (o que Rubem Alves, em Os Símbolos da Ausência, chamará de “dar nome às coisas”), os homens “tornaram-se inventores de mundos, plantaram jardins, fizeram choupanas, casas e palácios, construíram tambores, flautas e harpas, fizeram poemas, transformaram os seus corpos, cobrindo-os de tintas, metais, marcas e tecidos, inventaram bandeiras, construíram altares, enterraram os seus mortos e os prepararam para viajar e, na ausência, entoaram lamentos pelos dias e pelas noites...” (ALVES, 1984) e, acima de tudo, descobriram a verdade irrevogável da mortalidade.
            O hibridismo inerente à nossa natureza (Animais/Mamíferos-Racionais), unido ao receio e desejo de conhecer o desconhecido, levou-nos a buscar explicações. Assim atingirmos outro ponto, a Cultura. Por que razão os homens fazem a cultura? – pergunta Rubem Alves. Para buscar a vitória final sobre a natureza, para entender e, talvez, driblar o fim da carne e o pavor da inexistência? Talvez possamos reduzir essa pergunta à outra um tanto mais “simples”. Por que motivo os homens buscam por comida? A resposta seria igualmente “simples”. Porque sentem fome, necessidade de comer. Arriscando uma generalização simplista, assim também nos parece que o homem “faz a cultura” por desejo, por vontade de transcender à sua condição, como resultado natural do caos gerado pela Razão e a Emoção frente ao mundo e suas condições impostas.    Antes de prosseguirmos, acredito que seria bom nos atermos um pouco mais ao conceito de Cultura (seguimos, Rubem, “dando nomes às coisas”).
            Segundo Terry Eagleton, “embora esteja atualmente em moda considerar a natureza como um derivado da cultura, o conceito de cultura, etimologicamente falando, é um conceito derivado do de natureza” (EAGLETON, 2003, p.09). Um de seus significados originais trabalha com a ideia de laborar sobre o que é natural, volta-se para a "lavoura" e para o "cultivo agrícola", transformação do que é natural em cultivado, cultivável. Metaforizando essa perspectiva, poderíamos dizer que a cultura transforma o solo desconhecido da natureza em terra fértil, permitindo, como diria Francis Bacon, “o cultivo e adubação de mentes”. Em seu princípio, cultura designava uma atividade e não uma instituição, “em si mesma uma abstração” (EAGLETON, 2003, p.09). Ainda sobre as origens etimológicas de cultura, postula Eagleton:

“A raiz latina da palavra ‘cultura’ é colere, o que pode significar qualquer coisa, desde cultivar e habitar a adorar e proteger. Seu significado de ‘habitar’ evoluiu do latim colonus para o contemporâneo "colonialismo", de modo que títulos como Cultura e colonialismo são, de novo, um tanto tautológicos. Mas colere também desemboca, via o latim cultus, no termo religioso ‘culto’ [...]”. (EAGLETON, 2003,  p. 10)

            Em What is nature, Kate Soper aponta para uma contradição básica no pensamento culturalista extremo.  Ao tentar defender sua tese de que a natureza, o sexo, o corpo são inteiramente produtos de convenção, os antinaturalistas acabam por afirmar a própria realidade negada, absolutizando por um lado e relativizando por outro. A culturalização do que nos cerca, dar nomes ao desconhecido, nos permite um maior domínio do natural (ou uma sensação de domínio aparente), mas, de uma forma ou de outra, “a natureza acaba por sair vitoriosa da última batalha contra a cultura, vulgarmente conhecida por morte” (EAGLETON, 2003, p.113). Deparamo-nos então com uma realidade fulminante: somos enquanto estamos e depois... nada?

 

[CONTINUA]


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