O que a gente faz com isso agora, Adolfo?
Mas é claro, fica mais flagrante "respirar História" quando se anda por uma cidade como Berlim do que encontrando sem querer um monte de papel velho numa gaveta. Cidade que foi palco de muitos eventos excepcionais, já que - a grosso modo - a ideia do histórico ainda está muito vinculada aos eventos "importantes e únicos" realizados por pessoas "importantes e únicas".
Somando-se a isso o fato de que História é preservação, no sentido amplo da palavra, tanto para as notinhas quanto para os documentos oficiais, as memórias, as culturas, os monumentos etc... E me deixando empolgar por essa linha de pensamento, incluí na minha lista de coisas históricas pra caramba os Hochbunkers. Colossos, com os quais nos deparamos pelas ruas da cidade, abrigos anti-bombas construídos acima do nível da terra. Essas "lembranças indestrutíveis", além de não oferecerem qualquer dificuldade de preservação, foram também uma "especialidade arquitetônica" da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Solução mais rápida e barata do que os abrigos subterrâneos, apesar de não serem tão seguros quanto estes últimos. Em Berlim foram construídos ao todo 9 deles depois dos ataques aéreos de 1940, 3 deles também com torres de defesa antiaérea.
Aí a guerra acabou e percebeu-se que destruir tais construções sem o comprometimento de prédios vizinhos é impossível. Por isso apenas um único bunker desapareceu da paisagem da cidade e está hoje embaixo de uma montanha de 78 m de altura, feita de restos de entulhos, no Volkspark Friedrichshain.
Bunker implodido e início dos trabalhos de "soterramento", em 1949. |
Hoje no lugar do bunker há uma elevação arborizada e agradável, convidativa para um passeio de domingo. Mas e os outros construídos no coração da cidade? O que fazer com os outros 8 que sobraram? Construções colossais, caixotes de cimento armado com mais de 10m de altura, com paredes externas variando entre 3 e 4 metros de largura. Com quatro, cinco andares de salas e salões sem janelas, frios. Esse monumentos ficarão para a eternidade e, de longe, não inspiram qualquer boa lembrança ou são uma agradável visão.
Mas de uma década para cá os hochbunkers têm recebido uma atenção especial de muitos, resgatando o interesse pioneiro do arquiteto e filosofo francês Paul Virilio, que fotografou e escreveu um texto sobre eles: Bunker Archéologie. Entre esses colossos, o mais famoso e o mais acessível é o Reichsbahnbunker Friedichstraße, em Mitte. Ele fica próximo à região central e mais turística da cidade.
Reichsbahnbunker Friedrichstraße, Berlim Mitte. Hoje museu particular da coleção Boros. |
Construído em 1943 pelos prisioneiros de guerra (assim como os outros) foi concebido para oferecer abrigo aos viajantes - o Bunker é bem perto da estação de trem com o mesmo nome. Nas décadas de 50 e 60 foi depósito de material têxtil e mais tarde de frutas tropicais, vindas de Cuba. Ganhou dos berlinenses o apelido de Bananabunker.
Na década de 90 tornou-se um clube de Techno, local de grandes festas raves, até ser fechado por irregularidades. Em 2003 o colecionador Christian Boros comprou o prédio e construiu sua penthouse modesta, enquanto embaixo expõe suas peças de arte contemporânea. A galeria é aberta a visitação pública. Na página do museu, um pequeno histórico do bunker: http://www.sammlung-boros.de
A convivência diária com as "lembranças indestrutíveis" é mais impressionante no caso do Hochbunker Pallasstraße (este um pouco menor que os outros), no bairro de Schöneberg. Em 1977 foi construído um complexo de moradias sociais em cima do bunker e hoje os alunos de uma escola vizinha, a Sophie Scholl, recuperaram o espaço com um projeto cultural. Neste video podemos ver como ele é por dentro e parte de uma exposição realizada pelo projeto: https://www.youtube.com/watch?v=ZkEIIDB9wOQ.
„Pallasseum Berlim visto do Kleistpark“ foto de Manfred Brückels. |
Essas construções são eternas e parte integrante da cidade, por sorte o interesse por esses trambolhos cresceu bastante na última década e mais possibilidades de sua utilização estão sendo oferecidas a nós. No entanto eles podem até nos propiciar uma paisagem bonita como é o caso do bunker com torres de artilharia antiaérea do parque Humboldahin, em Wedding. A sua parte destruída também foi soterrada com entulhos e se transformou num elevado agradável que oferece uma vista esplêndida da cidade.
Volkspark Humboldhain, no bairro Wedding, Berlim |
Créditos: Foto do Reichsbunker peguei neste blog: http://www.architonic.com/de/ntsht/unverwuestliche-erinnerung/7000096
Foto Flacktürme Humboldhan: http://de.academic.ru/pictures
An Valéria Celestino é historiadora e mora em Berlim. Terminou dois “estudos de História” uma vez no Brasil outra na Alemanha. Hoje trabalha como tradutora.
.
0 comentários:
Postar um comentário
Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.