sexta-feira, 15 de maio de 2015

Eduardo Coutinho se foi e deixou seu derradeiro filme: “Últimas Conversas”



Depoimentos da vida privada de adolescentes do 3º ano do Ensino Médio público, encerra a carreira de Coutinho. Em "Últimas Conversas”, o cineasta entrevista jovens a respeito de suas memórias; confissões de bullying, cota racial e também sobre perspectivas futuras. O filme foi considerado por alguns a obra-testemunho de Coutinho. Ele participou de todas as filmagens porém não montou o filme, sendo concluído por João Salles e Jordana Berg. Salles, numa entrevista, disse que respeitou as rubricas deixadas por Coutinho e tentou se colocar na cabeça do documentarista, tarefa que lhe pareceu fácil pelo convívio íntimo que tiveram durante anos.


Apesar do filme ter uma conotação voltada para a vida dos adolescentes, como mais ou menos pretendia Coutinho, o que mais me tocou foi entender que o filme é sobre Coutinho. A montagem, realizada sem a presença do documentarista, deu um sentimento de revelação póstuma, expondo-o como se expõe a cozinha de um restaurante. Acredito que jamais Coutinho o montaria assim. Salles e Jordana são os diretores do filme sobre Coutinho, sem dúvida.


Dentro desse pensamento, não teria outro jeito, ou o filme seria como foi ou não existiria. Neste caso, foi melhor ter existido. Para quem acompanhou Coutinho em outros filmes, vale a pena assistir suas derradeiras interrogações. 
Os depoimentos dos jovens foram contraditórios, lúdicos e carregados de paixão, exatamente como são os pensamentos das pessoas no final da adolescência. Talvez, por esse motivo, várias vezes Coutinho diz para sua equipe que preferia fazer entrevistas com crianças, mas a dificuldade estava em conseguir autorização junto aos pais.  Mesmo sem sair do lugar comum, o interrogatório promovido por Coutinho sempre os  levava a pensar e falar mais do que queriam,  e isso foi bom.


Envelhecer e adoecer com problemas financeiros e familiares não são coisas boas, porém são situações reais e acontecem com muitas pessoas. Quando vemos um ídolo passar por isso, temos a dimensão da nossa humanidade. Ninguém pode se livrar do fim.
Parafraseando Dr. House em um de seus episódios: “Quase morrer não muda nada, morrer muda tudo”.


Ele se foi e deixou sua obra. E, “Últimas Conversas”, faz parte de sua obra.

Fique em paz,  grande mestre Coutinho.


Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.



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