quarta-feira, 20 de maio de 2015

PARALELOS: A ARTE CONTRA A INVISIBILIDADE SOCIAL


“O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem” (Vista Cansada, Otto Lara Resende)

          “O morador de rua é invisível, presença não-presente. Seu discurso não é digno de consideração, seu sofrimento é ignorado e, muitas vezes, ele próprio não se vê como pessoa; está tão acostumado a não-ser, que se apropria dessa quase-existência como modo de se relacionar com o mundo. A invisibilidade social é um fenômeno contemporâneo, muito próprio do século XXI, e está relacionado à lógica da sociedade de consumo. As relações de trabalho e a ideia de que para ser é preciso possuir bens de consumo, marginalizam todos os indivíduos que não se enquadram no padrão de consumidor, como é o caso das pessoas em situação de rua. Somado a isso, tem-se o preconceito para com essas pessoas, baseado nas representações sociais que criamos acerca delas.”

          Assim, nos habituamos a não ver essas pessoas, a ignorar sua presença, a não ser quando “nos incomodam”.  Pensando nisso é que  dois artistas plásticos curitibanos fizeram suas pesquisas e desenvolveram trabalhos artísticos sobre os moradores de rua, com os títulos Manchas e Dingos de Juliana Kudlinski e Diego Bachmann, respectivamente.

          No trabalho Manchas de Juliana, o foco são as conotações ambíguas dos testes projetivos de Rorschach.  A técnica, desenvolvida por ele, se propunha a realizar avaliação psicológica através de imagens de manchas. Hoje, conhecido como um método de autoexpressão, o teste procura demonstrar um quadro abrangente da dinâmica psicológica do indivíduo. É baseado no conceito freudiano de projeção como mecanismo de defesa que atribui, de maneira inconsciente, características negativas da própria personalidade a outras projeções. A leitura da imagem “engana” o consciente que nega o espelho ou a transferência. Ao “ler” a obra o observador conta sua própria história.




          Sobre o seu trabalho, Diego diz, “venho desenvolvendo este trabalho sobre moradores de rua a quase um ano e meio, sempre buscando uma expressão tridimensional para a arte de rua ou arte urbana, em um meio onde o grafite, lamb, stencil dentre outras linguagens são amplamente conhecidos, o tridimensional passa quase despercebido ou inutilizado como meio de promover a street art. Em minhas pesquisas seja elas bidimensionais ou tridimensionais, busco sempre um meio de inserir a cidade como tema principal.

          O projeto “DINGO” (dingo é um nome ou uma gíria adotado para a palavra mendigo) surge da frase muito conhecida “as pessoas olham mas não enxergam”. O morador de rua existe, mas nunca percebido, por vezes é confundido com o cenário da cidade, quase que um mobiliário urbano. As pessoas enxergam aquela pessoa, mas a tratam como um objeto inserido por alguém ou que simplesmente aparece e desaparece. Sua identidade não existe, assim como sua história e suas causas para chegar em determinada situação.





          Quando comecei a me perguntar sobre este tema e qual material utilizar logo uma questão ficou resolvida, o material seria o mais barato e comum possível, desta maneira a utilização do cobertor corta febre foi logo a primeira e única opção, assim como o interior da escultura, vazio sem nenhuma história, alma ou expressão, ficando a mostra apenas o modelado do cobertor com seu volume e suas sombras. O mais incrível que acontece é nos momentos onde o trabalho e colocado em algum local público, algumas pessoas realmente tratam a escultura como um morador de rua, ignorando e menosprezando, no entanto outras pessoas percebem a diferença e o vazio presente, ficando nítido o ponto de interrogação em seus rostos.

          A escolha para expor este trabalho sempre foi complicada, em um primeiro momento a inserção em uma sala fechada não faria nenhum sentido para a obra, afinal o morador de rua raramente tem acesso a cultura, no entanto inserir o mesmo em um ambiente um pouco mais livre aonde o espectador não necessita entrar, me parece mais promissor pois o próprio morador de rua poderá observar as obras.”




          JULIANA LEONOR KUDLINSKI é formada em Letras – Português/Inglês (1983), bacharelado em Pintura (1990), com especialização em Arteterapia (2010). Participou de cursos e workshops de pintura e história da arte com Geraldo Leão, Nuno Ramos, Marco Gianotti, Iole de Freitas, cartazes com Lech Jerzy Majewski, arte americana com Judith Ott Allen e Karen McVay, psicoterapia “mandalas e sonhos” com Leo Matos e Sven Doehner.

          Participou de salões, exposições coletivas e individuais no Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Savannah (EUA) e Varsóvia (Polônia). Trabalhou como orientadora de Litografia e Xilogravura no Centro de Criatividade de Curitiba de 1994 a 2007. Atualmente dá continuidade à orientação de Litografia no Museu da Gravura Cidade de Curitiba.

          DIEGO LUIZ BACHMANN é formado em bacharelado em escultura, pós-graduação em história da arte moderna e contemporânea pela EMBAP. Pós-graduação em restauração e conservação de monumentos históricos e arquitetônicos, pela PUCPR, assim como diversos cursos de aperfeiçoamento em gravura em metal, xilo gravura e litogravura.

          Atuando nas artes plásticas e sempre promovendo uma interação obra e espectador, busca levar e promover a arte onde está o público e não apenas nos espaços oficiais, e sim nas ruas das cidades. "Em minhas obras a cidade é amplamente pesquisada e servindo horas como suporte, horas como meio de produzir arte, seja no trabalho de uma xilogravura, escultura ou um site specific. O modo como é realizado o trabalho está diretamente ligado com o meio em que será exposto assim como a forma a ser visto", conclui Diego.





Serviço: A Exposição Paralelos pode ser vista até o dia 23 de maio de 2015, no Salão de Exposições Teatro Guaira, na Praça Santos Andrade, s/nº. Curitiba- PR. Curadoria: Fabricio Vaz Nunes.

Fotos: Karin van der Broocke.

Referências:



Izabel Liviski é fotógrafa e professora. Doutoranda em Sociologia pela UFPR, edita a coluna INCONTROS desde 2010, e é também co-editora da revista.












1 comentários:

Francisco Cezar de Luca Pucci disse...

Uma ideia excelente dos artistas, pois a arte tem, também (nem sempre), que re-tratar o social. Sem esse espelho, como nos veríamos?

20 de maio de 2015 às 12:13

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