PARALELOS: A ARTE CONTRA A INVISIBILIDADE SOCIAL
“O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem” (Vista Cansada,
Otto Lara Resende)
“O morador de rua é invisível,
presença não-presente. Seu discurso não é digno de consideração, seu sofrimento
é ignorado e, muitas vezes, ele próprio não se vê como pessoa; está tão
acostumado a não-ser, que se apropria dessa quase-existência como modo de se
relacionar com o mundo. A invisibilidade social é um fenômeno contemporâneo,
muito próprio do século XXI, e está relacionado à lógica da sociedade de consumo.
As relações de trabalho e a ideia de que para ser é preciso possuir bens de
consumo, marginalizam todos os indivíduos que não se enquadram no padrão de
consumidor, como é o caso das pessoas em situação de rua. Somado a isso, tem-se
o preconceito para com essas pessoas, baseado nas representações sociais que
criamos acerca delas.”
Assim, nos habituamos a não ver essas
pessoas, a ignorar sua presença, a não ser quando “nos incomodam”. Pensando nisso é que dois artistas plásticos curitibanos fizeram
suas pesquisas e desenvolveram trabalhos artísticos sobre os moradores de rua, com
os títulos Manchas e Dingos de Juliana Kudlinski e Diego
Bachmann, respectivamente.
No trabalho Manchas de Juliana, o
foco são as conotações ambíguas dos testes projetivos de Rorschach. A técnica, desenvolvida por ele, se propunha
a realizar avaliação psicológica através de imagens de manchas. Hoje, conhecido
como um método de autoexpressão, o teste procura demonstrar um quadro
abrangente da dinâmica psicológica do indivíduo. É baseado no conceito
freudiano de projeção como mecanismo de defesa que atribui, de maneira
inconsciente, características negativas da própria personalidade a outras
projeções. A leitura da imagem “engana” o consciente que nega o espelho ou a
transferência. Ao “ler” a obra o observador conta sua própria história.
Sobre o seu trabalho, Diego diz, “venho desenvolvendo este trabalho sobre moradores de rua a quase um
ano e meio, sempre buscando uma expressão tridimensional para a arte de rua ou
arte urbana, em um meio onde o grafite, lamb, stencil dentre outras linguagens
são amplamente conhecidos, o tridimensional passa quase despercebido ou
inutilizado como meio de promover a street art. Em minhas pesquisas seja elas
bidimensionais ou tridimensionais, busco sempre um meio de inserir a cidade
como tema principal.
O projeto “DINGO” (dingo
é um nome ou uma gíria adotado para a palavra mendigo) surge da frase muito
conhecida “as pessoas olham mas não enxergam”. O morador de rua existe, mas
nunca percebido, por vezes é confundido com o cenário da cidade, quase que um
mobiliário urbano. As pessoas enxergam aquela pessoa, mas a tratam como um
objeto inserido por alguém ou que simplesmente aparece e desaparece. Sua
identidade não existe, assim como sua história e suas causas para chegar em
determinada situação.
Quando comecei a me
perguntar sobre este tema e qual material utilizar logo uma questão ficou resolvida,
o material seria o mais barato e comum possível, desta maneira a utilização do
cobertor corta febre foi logo a primeira e única opção, assim como o interior
da escultura, vazio sem nenhuma história, alma ou expressão, ficando a mostra
apenas o modelado do cobertor com seu volume e suas sombras. O mais incrível
que acontece é nos momentos onde o trabalho e colocado em algum local público,
algumas pessoas realmente tratam a escultura como um morador de rua, ignorando
e menosprezando, no entanto outras pessoas percebem a diferença e o vazio
presente, ficando nítido o ponto de interrogação em seus rostos.
A escolha para expor
este trabalho sempre foi complicada, em um primeiro momento a inserção em uma
sala fechada não faria nenhum sentido para a obra, afinal o morador de rua
raramente tem acesso a cultura, no entanto inserir o mesmo em
um ambiente um pouco mais livre aonde o espectador não necessita entrar, me
parece mais promissor pois o próprio morador de rua poderá observar as obras.”
JULIANA LEONOR KUDLINSKI é formada em
Letras – Português/Inglês (1983), bacharelado em Pintura (1990), com
especialização em Arteterapia (2010). Participou de cursos e workshops de
pintura e história da arte com Geraldo Leão, Nuno Ramos, Marco Gianotti, Iole
de Freitas, cartazes com Lech Jerzy Majewski, arte americana com Judith Ott
Allen e Karen McVay, psicoterapia “mandalas e sonhos” com Leo Matos e Sven
Doehner.
Participou de salões, exposições
coletivas e individuais no Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Savannah (EUA) e
Varsóvia (Polônia). Trabalhou como orientadora de Litografia e Xilogravura no
Centro de Criatividade de Curitiba de 1994 a 2007. Atualmente dá continuidade à
orientação de Litografia no Museu da Gravura Cidade de Curitiba.
DIEGO LUIZ BACHMANN é formado em
bacharelado em escultura, pós-graduação em história da arte moderna e contemporânea
pela EMBAP. Pós-graduação em restauração e conservação de monumentos históricos
e arquitetônicos, pela PUCPR, assim como diversos cursos de aperfeiçoamento em
gravura em metal, xilo gravura e litogravura.
Atuando nas artes plásticas e sempre
promovendo uma interação obra e espectador, busca levar e promover a arte
onde está o público e não apenas nos espaços oficiais, e sim nas ruas das
cidades. "Em minhas obras a cidade é amplamente pesquisada e servindo horas como
suporte, horas como meio de produzir arte, seja no trabalho de uma xilogravura,
escultura ou um site specific. O modo como é realizado o trabalho está diretamente
ligado com o meio em que será exposto assim como a forma a ser visto", conclui Diego.
Serviço: A Exposição Paralelos pode ser vista até o dia 23 de
maio de 2015, no Salão de Exposições Teatro Guaira, na Praça Santos Andrade,
s/nº. Curitiba- PR. Curadoria: Fabricio Vaz Nunes.
Fotos: Karin van der Broocke.
Fotos: Karin van der Broocke.
Referências:
Izabel Liviski é fotógrafa e professora. Doutoranda em Sociologia pela
UFPR, edita a coluna INCONTROS desde
2010, e é também co-editora da revista.
1 comentários:
Uma ideia excelente dos artistas, pois a arte tem, também (nem sempre), que re-tratar o social. Sem esse espelho, como nos veríamos?
20 de maio de 2015 às 12:13Postar um comentário
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