quarta-feira, 17 de junho de 2015

POBRES DE PARIS: UMA PEQUENA REFLEXÃO SOCIOLÓGICA



"Sous le ciel de Paris coule un fleuve joyeux, Il endort dans la nuit les clochards et les gueux"... dizia Édith Piaf naquela famosa canção, onde entre outros personagens haviam os mendigos. 

Sim, porque falar de Paris é falar de luxo, arte, moda, design, cultura e amor, mas é falar também da presença paradoxal e cada vez maior de pobres nas ruas... mendigos, imigrantes e demais excluídos.

Passeando na Champs Elysées, é impossível não ficar tocado com tamanho contraste, enquanto se olha para as luxuosas e exclusivas vitrines de griffes famosas. Miseráveis em meio a festivais de cinema, e de teatros lotados de gente elegante e bem pensante.

Farrapos do terceiro mundo entre desfile de roupas de seda finíssima, sacolas de compras, restaurantes perfumados de pratos exóticos, atores e jogadores de beisebol posando para fotos, gente despreocupada e alegre desfrutando seus cafés.


Fazendo um estranhamento em relação à postura que homens e mulheres assumem em seu ‘ofício’ de sobrevivência nas ruas, me pergunto sobre os dramas sociais subjacentes a essa situação.

Mulheres com trajes orientais em poses que demonstram uma absoluta submissão à generosidade dos passantes, ou seria uma profunda resignação perante seu destino? Ou ainda uma prostração religiosa diante dos templos de consumo?

O que pensar sobre a atuação desses homens de olhar humilde e postura cheia de dignidade que pedem ajuda para alimentar seus cães nos cartazes escritos em um francês impecável? Dispersos e em performances individuais esses atores se proliferam no ‘contrateatro’ urbano da cidade das luzes.


Sim...a Champs Elysées é paradoxal mas perfeitamente coerente com a lógica perversa do neoliberalismo, e da assim chamada globalização, que produz os excluidos dos beneficios da civilização contemporânea, e premia o individualismo e o consumismo.

Na Paris do século XXI é preciso sonhar um mundo mais humano. Não, talvez seja preciso sonhar um mundo mais animal, com a beleza e o brilho de ternura que vi nos olhos do cão sentado no colo do mendigo, e dizer com Walter Benjamin que:

“Cada época não apenas sonha a seguinte, mas, sonhando, se encaminha para o seu despertar. Carrega em si o seu próprio fim e - como Hegel já o reconheceu - desenvolve-o com astúcia. Nas comoções da economia de mercado, começamos a reconhecer como ruínas os monumentos da burguesia antes mesmo que desmoronem.”


Texto e Fotos: Izabel Liviski


Referências:
BENJAMIN, Walter. Paris capital do século XIX. In: KOTHE, Flávio (Org.)- Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1985.


                                                                            ***




Izabel Liviski é professora e fotógrafa. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), escreve a coluna INcontros desde 2009 e é também Co-editora da Revista.



12 comentários:

Rogerio disse...

Bravo!!! Bel, faz dois meses que estive em Paris e realmente (e infelizmente...)tive essa impressao triste ao constatar moradores de rua e mendigos com os seus cachorrinhos, muitos jovens...Triste e nada poetico...Eh a "pasteurizacao da pobreza", se isso existe...Espero que o pesadelo de hoje, se torne o sonho de amanha (i.e. fim da desigualdade) Beijo!

17 de junho de 2015 às 06:39
Anônimo disse...

BRAVISSIMA BEL. NOSSA MUSA EM PARIS. BELO E TOCANTE TEXTO. BJSSS

17 de junho de 2015 às 08:07
Francisco Cezar de Luca Pucci disse...

Postei um grande comentário (grande no tamanho) e ele não publicou.
Pela impossibilidade de repetí-lo, apenas reitero o final: PARABÉNS PELO BELO TEXTO.
(rsss)

17 de junho de 2015 às 09:12
Anônimo disse...

Parabéns Izabel!

Muito bom o seu texto e a percepção,
de que nem tudo é glamour na Cidade Luz.
Beijo!
Jane ​Sprenger Bodnar​

17 de junho de 2015 às 11:41
Anônimo disse...

Francisco Cezar de Luca Pucci, enviou por email:

Izabel, um cenário muito bem desenhado da triste situação da Europa. Hoje o mundo todo vive esse drama, mas a Europa, que é um ícone da civilização, fica mais marcada por essas contingências. Infelizmente fruto de um mundo globalizado que se apóia exclusivamente nos valores (e objetivos) econômicos.
Você, como socióloga e artista, captou bem as imagens e a estrutura que as produz. Gostei muito de seu texto.

17 de junho de 2015 às 18:15
Anônimo disse...

Izabel, seu olhar fotografou a concretude da materialidade d'alma em frangalhos de Paris. Penso que por mais que se busquem razões é difícil fazer uma análise crítica que dê conta de revelar o contexto da realidade atual, mergulhada em conflitos de toda ordem e sem pontos de referência que a orientem no caminho de uma melhor condição de existência para os seres humanos.
Segundo Mosquera (2009) "a humanidade navega à deriva de um mundo marcado por profundos paradoxos: de um lado se apresentam aspectos que apontam para um desenvolvimento exuberante e de outro se convive com uma barbárie primitiva e desesperadora. Jamais houve tantas possibilidades de se construir um verdadeiro céu neste planeta; contudo, jamais houve tantas diferenças que reduzem as condições de uma imensa maioria de seus habitantes em um verdadeiro inferno".
Como educadora e com base nos ensinamentos de Paulo Freire, me vejo frente ao desafio de fazer educação como espaço político para a partilha da esperança e da liberdade. Nos educadores devemos compreender que assumir as necessidades dos outros seres humanos será condição de vida e de sobrevivência de toda a humanidade.
Você caracterizou muito bem o tecido da indústria cultural, que levaram a assimilação de que determinados espaços geográficos, como Paris, são sinônimo de riqueza, de inteligência, de charme e de modernidade do mundo globalizado, onde o lucro, o luxo, o individualismo e o bem-estar devem ser conquistados a qualquer preço. Para tanto, como educadores temos que ter clareza e nos basear na Educação como prática de Liberdade, tendo compromisso com a mobilização social, a solidariedade, a cooperação e a partilha.
Parabéns pelo texto revelador e instigador de reflexões.

18 de junho de 2015 às 01:35
izabel liviski disse...

O comentário anterior é da profa. Sonia Haracemiv, do setor de Educação da UFPR e minha querida co-orientadora.
Izabel Liviski.

18 de junho de 2015 às 09:47
Anônimo disse...

Enviado por email:

Obrigada, Izabel. Gostei muito, olhar de fotógrafa, sensível e atenta. Ninguém nascido no Primeiro Mundo teria o mesmo olhar.
bjs
Marilia Kubota

19 de junho de 2015 às 06:54
Anônimo disse...

Recebido de Mauro Koury por email:

Bel,
belo e sensível texto, quase uma etnografia (...)
Parabéns pelo belo texto, menina bonita!
Seu,
MK

21 de junho de 2015 às 09:48
Anônimo disse...

Recebido de Mauricio Waldman, através do FB:

Izabel Liviski (...) Vc escreve muito bem! Consegue narrar questões espinhosas com muita classe e leveza. Seus textos são uma delícia!
Abs, MW

21 de junho de 2015 às 10:56
Selma Baptista disse...

Muito bom, Izabel... tanto as fotos como seus comentários. Parabéns!

6 de julho de 2015 às 15:47
Ana Dietrich disse...

" Champs Elysées é paradoxal mas perfeitamente coerente com a lógica perversa do neoliberalismo" ...falou tudo... e quanto as imagens, "falaram" mais ainda. Parabéns, Bel! :)

18 de julho de 2015 às 20:48

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