sexta-feira, 3 de julho de 2015

AS MULHERES DO HOSPITAL






Estou no hospital com minha mãe. Um lugar onde as horas não passam e a percepção do espaço e tempo são diferentes. Ao entrar no hospital, há a sensação  de que somos transportados para outra dimensão, para uma realidade alternativa e nublada, fora de foco. Há um sentimento absoluto de quietude. Olho a paisagem lá fora, início de junho em Curitiba, dia escuro, frio e cinza.




Estou, eu e minha mãe, numa cápsula, fora das nossas vidas cotidianas. Nossas vidas não existem mais... Só existe esse quarto, os remédios, os horários a que nos adequamos. Só existe a doença, a dor e a esperança de sair um dia daqui. Que dia? Ninguém sabe, essa é sempre a incógnita maior. Esperamos sempre pela alta, nossa carta de alforria,  nosso passaporte para voltar ao mundo.

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Fora do hospital ficou toda a minha vida, minha história, sonhos, vitórias e derrotas. Ao entrar no hospital,  abdiquei de mim. Aqui sou só uma acompanhante. Não tenho identidade palpável. Sou uma mulher que acompanha outra mulher. Uma filha que está junto da mãe. Nunca nos sentimos tão próximos das pessoas como quando estamos no hospital. E só percebemos o quanto a vida humana é frágil e delicada quando a pessoa mais forte que você conhece está deitada na cama, indefesa, inofensiva. Apenas esperando. Você também espera, pois não há mais nada a fazer. Espera e se tiver fé, reza, reza muito e com tanto empenho que às vezes consegue receber um milagre. Eu rezo. Eu espero.


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O hospital é um lugar dominado por mulheres. São muitas. Logo na entrada, as recepcionistas nos atendem e orientam, indicam caminhos, resolvem a papelada, são rainhas da burocracia e também especialistas em resolver problemas. Mulheres educadas, gentis, atenciosas, eficientes e rápidas.




Já as mulheres de branco, as médicas, reconhecem-se de longe, pelo seu porte altivo. Suas visitas em geral são rápidas, impessoais e profissionalmente adequadas. Algumas, mais humanizadas, sorriem e falam palavras de incentivo, além das palavras que são obrigadas a dizer, tecnicamente necessárias. Possuem conhecimento, essas mulheres. Sabem diagnosticar doenças, prescrever remédios e indicar o melhor tratamento para o paciente, entre outras coisas. Sua função é curar e distribuir as cartas de alforria. São as mulheres especialistas.      





Já as auxiliares e técnicas de Enfermagem são as mulheres que estão disponíveis o tempo todo. Basta chamá-las, o que se faz geralmente apertando uma campainha. Durante o dia elas trazem medicamentos, medem os sinais vitais do doente, aplicam injeções, controlam o soro e fazem tudo o que é necessário para  proporcionar o bem-estar do paciente. Nas madrugadas, entram com remédios, deslizando como fantasmas noturnos, com sorrisos doces e murmúrios. Essas são mulheres dedicadas, prestativas, solícitas e que estão sempre cansadas pois muitas trabalham em mais de um hospital.





As mulheres de roupa branca e casaco azul são as enfermeiras. Sempre prontas a resolver os problemas e solucionar as tensões. Sobre elas repousa toda a responsabilidade de um andar ou de um setor inteiro. As enfermeiras são líderes carismáticas e resolutivas. Não perdem tempo. São as mulheres inteligentes, capacitadas, organizadas e decididas. 




Há ainda muitas outras mulheres no hospital. As que trabalham na cozinha são as que chegam com as comidas, sempre deliciosas para os acompanhantes e horríveis para os pacientes (cuja tendência é achar que nada está bom). São alegres, afáveis, polidas; e comemos a comida feita por essas mulheres, comemos com avidez e estranhamento: Como comida de hospital pode ser tão gostosa? Na realidade nebulosa do hospital o momento mais interessante do dia é sempre a hora em que chega a comida. É uma comida dieteticamente balanceada, harmoniosa e agradável ao paladar. Comida de hospital é uma delícia, quando não é você o doente.




Outras mulheres entram para limpar. Trazem sabão, baldes, vassouras e calçam luvas compridas. Quase sempre sorridentes, logo entabulam uma conversa. Converso com uma dessas mulheres, ela pergunta quantos filhos minha mãe tem.  Pergunta também o que é “aquilo” (apontando para o frasco com alimento líquido). Então, de maneira improvisada e meio sem jeito, explico como funciona a sonda enteral. Esclareço que aquele “caninho” leva a comida diretamente do frasco para o estômago. A mulher da limpeza arregala os olhos: - Como assim? Eu nunca vi isso. 
Ela fica comovida com a situação da minha mãe, mas logo se anima e como se fosse a própria médica, dá logo a alta para a paciente, uma alta vinda diretamente do coração. “A senhora vai sair logo, se Deus quiser”. São essas mulheres que mantêm o ambiente do hospital limpo e higienizado. São compromissadas,  batalhadoras, corajosas e amigáveis.


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Há muitas mulheres trabalhando no hospital. O que há de comum entre essas mulheres? O que as une de maneira tão íntima e peculiar? Todas são muito diferentes, mas algo que não se pode explicar acontece: uma sinergia. Todas trabalham de maneira integrada e harmônica com um único objetivo: promover a cura. São curadoras, todas elas. Cada uma, na sua especialidade, trabalha para promover a cura. Cada mulher é importante para que o hospital funcione.



O trabalho dentro de um hospital é muito estressante. Para estar lá, é preciso competência, vocação e acima de tudo amor pelo outro. Amor e generosidade para cuidar de outro ser humano, fragilizado pela doença e pela dor. As mulheres do hospital são muito especiais. Quando estão no hospital, esquecem de tudo, de suas famílias, de si mesmas e dedicam-se de corpo e alma pelo bem-estar dos pacientes.



Depois de algum tempo, minha mãe finalmente recebe alta. Saímos daquela realidade nublada e surreal e voltamos à nossa vida. E o hospital? E as mulheres do hospital? Elas continuam lá, fazendo o seu melhor, com amor,  generosidade e competência.
Imagens extraídas da Internet, sem fins comerciais.


Vanisse Simone Alves Corrêa é doutoranda em Educação pela UFPR e co-editora da Revista Contemporartes. Ela acredita que o trabalho das mulheres dentro dos hospitais é fundamental para humanizar a Medicina e a Enfermagem.


1 comentários:

Mônica Bento disse...

Passei por uma experiência parecida de "acompanhante" recentemente e achei muito bonito e verdadeiro o seu texto. Infelizmente, alguns profissionais da saúde se esquecem que são pessoas fragilizadas naquelas camas de hospital, mas outros compensam com bastante humanidade.

4 de agosto de 2015 às 21:29

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