AS MULHERES DO HOSPITAL
Estou
no hospital com minha mãe. Um lugar onde as horas não passam e a percepção do
espaço e tempo são diferentes. Ao entrar no hospital, há a sensação de que somos transportados para outra
dimensão, para uma realidade alternativa e nublada, fora de foco. Há um sentimento
absoluto de quietude. Olho a paisagem lá fora, início de junho em Curitiba, dia
escuro, frio e cinza.
Estou,
eu e minha mãe, numa cápsula, fora das nossas vidas cotidianas. Nossas vidas
não existem mais... Só existe esse quarto, os remédios, os horários a que nos
adequamos. Só existe a doença, a dor e a esperança de sair um dia daqui. Que
dia? Ninguém sabe, essa é sempre a incógnita maior. Esperamos sempre pela alta,
nossa carta de alforria, nosso passaporte
para voltar ao mundo.
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Fora
do hospital ficou toda a minha vida, minha história, sonhos, vitórias e derrotas.
Ao entrar no hospital, abdiquei de mim.
Aqui sou só uma acompanhante. Não tenho identidade palpável. Sou uma mulher que acompanha outra mulher. Uma filha que está junto da mãe. Nunca nos sentimos tão
próximos das pessoas como quando estamos no hospital. E só percebemos o quanto
a vida humana é frágil e delicada quando a pessoa mais forte que você conhece
está deitada na cama, indefesa, inofensiva. Apenas esperando. Você também
espera, pois não há mais nada a fazer. Espera
e se tiver fé, reza, reza muito e com tanto empenho que às vezes consegue
receber um milagre. Eu rezo. Eu espero.
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O
hospital é um lugar dominado por mulheres. São muitas. Logo na entrada, as
recepcionistas nos atendem e orientam, indicam caminhos, resolvem a papelada,
são rainhas da burocracia e também especialistas em resolver problemas. Mulheres
educadas, gentis, atenciosas, eficientes e rápidas.
Já
as mulheres de branco, as médicas, reconhecem-se de longe, pelo seu porte
altivo. Suas visitas em geral são rápidas, impessoais e profissionalmente
adequadas. Algumas, mais humanizadas, sorriem e falam palavras de incentivo,
além das palavras que são obrigadas a dizer, tecnicamente necessárias. Possuem conhecimento,
essas mulheres. Sabem diagnosticar doenças, prescrever remédios e indicar o
melhor tratamento para o paciente, entre outras coisas. Sua função é curar e
distribuir as cartas de alforria. São as mulheres especialistas.
Já
as auxiliares e técnicas de Enfermagem são as mulheres que estão disponíveis o
tempo todo. Basta chamá-las, o que se faz geralmente apertando uma campainha. Durante
o dia elas trazem medicamentos, medem os sinais vitais do doente, aplicam
injeções, controlam o soro e fazem tudo o que é necessário para proporcionar o bem-estar do paciente. Nas
madrugadas, entram com remédios, deslizando como fantasmas noturnos, com
sorrisos doces e murmúrios. Essas são mulheres dedicadas, prestativas,
solícitas e que estão sempre cansadas pois muitas trabalham em mais de um
hospital.
As mulheres de roupa branca e casaco azul são as enfermeiras. Sempre prontas a resolver os problemas e solucionar as tensões.
Sobre elas repousa toda a responsabilidade de um andar ou de um setor inteiro.
As enfermeiras são líderes carismáticas e resolutivas. Não perdem tempo. São as
mulheres inteligentes, capacitadas, organizadas e decididas.
Há
ainda muitas outras mulheres no hospital. As que trabalham na cozinha são as
que chegam com as comidas, sempre deliciosas para os acompanhantes e horríveis
para os pacientes (cuja tendência é achar que nada está bom). São alegres, afáveis,
polidas; e comemos a comida feita por essas mulheres, comemos com avidez e estranhamento:
Como comida de hospital pode ser tão gostosa? Na realidade nebulosa do hospital
o momento mais interessante do dia é sempre a hora em que chega a comida. É uma
comida dieteticamente balanceada, harmoniosa e agradável ao paladar. Comida de
hospital é uma delícia, quando não é você o doente.
Outras
mulheres entram para limpar. Trazem sabão, baldes, vassouras e calçam luvas
compridas. Quase sempre sorridentes, logo entabulam uma conversa. Converso com
uma dessas mulheres, ela pergunta quantos filhos minha mãe tem. Pergunta também o que é “aquilo” (apontando
para o frasco com alimento líquido). Então, de maneira improvisada e meio sem
jeito, explico como funciona a sonda enteral. Esclareço que aquele “caninho”
leva a comida diretamente do frasco para o estômago. A mulher da limpeza arregala
os olhos: - Como assim? Eu nunca vi isso.
Ela fica comovida com a situação da
minha mãe, mas logo se anima e como se fosse a própria médica, dá logo a alta
para a paciente, uma alta vinda diretamente do coração. “A senhora vai sair
logo, se Deus quiser”. São essas mulheres que mantêm o ambiente do hospital limpo
e higienizado. São compromissadas,
batalhadoras, corajosas e amigáveis.
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Há
muitas mulheres trabalhando no hospital. O que há de comum entre essas
mulheres? O que as une de maneira tão íntima e peculiar? Todas são muito
diferentes, mas algo que não se pode explicar acontece: uma sinergia. Todas
trabalham de maneira integrada e harmônica com um único objetivo: promover a
cura. São curadoras, todas elas. Cada uma, na sua especialidade, trabalha para
promover a cura. Cada mulher é importante para que o hospital funcione.
O
trabalho dentro de um hospital é muito estressante. Para estar lá, é preciso
competência, vocação e acima de tudo amor pelo outro. Amor e generosidade para
cuidar de outro ser humano, fragilizado pela doença e pela dor. As mulheres do
hospital são muito especiais. Quando estão no hospital, esquecem de tudo, de
suas famílias, de si mesmas e dedicam-se de corpo e alma pelo bem-estar dos
pacientes.
Depois de algum tempo, minha mãe finalmente recebe alta. Saímos
daquela realidade nublada e surreal e voltamos à nossa vida. E o hospital? E as
mulheres do hospital? Elas continuam lá, fazendo o seu melhor, com amor, generosidade e competência.
Imagens
extraídas da Internet, sem fins comerciais.
Vanisse
Simone Alves Corrêa é doutoranda em Educação pela UFPR e co-editora da Revista
Contemporartes. Ela acredita que o trabalho das mulheres dentro dos hospitais é
fundamental para humanizar a Medicina e a Enfermagem.
1 comentários:
Passei por uma experiência parecida de "acompanhante" recentemente e achei muito bonito e verdadeiro o seu texto. Infelizmente, alguns profissionais da saúde se esquecem que são pessoas fragilizadas naquelas camas de hospital, mas outros compensam com bastante humanidade.
4 de agosto de 2015 às 21:29Postar um comentário
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