terça-feira, 18 de agosto de 2015

Desapega


Era a mesma praça, era o mesmo banco, eram as mesmas crianças, era até o mesmo jardim. Mas naquele dia nem tudo foi igual. Um gole do papo entre dois amigos grisalhos respingou nos meus ouvidos: espera mais não, arruma suas coisas e toma seu rumo, não vale a pena investir na infelicidade.

Não vale mesmo. Os juros são altíssimos, o risco para o capital humano supera a mais sombria previsão orçamentária, e o retorno é tão líquido quanto o lucro de itaús e bradescos.

Por que seguir com o marido que ainda não troca as próprias fraldas, se você não tem vocação para mãe nem babá? Por que continuar com a namorada que prefere sapatos a livros, se você não resiste a ficar descalço em bibliotecas? Por que insistir naquela amizade colorida, se você está certo de que ela jamais vestirá branco (pelo menos para deixar a igreja ao seu lado)? Por que pagar anos no escritório de advocacia do pápi, se você não sabe, não quer saber e condena – à cadeira elétrica – quem sabe dar nó de gravata enquanto assobia a Constituição?

Por que se irritar todo santo capítulo com aquela novela ruim, se você já percebeu que o autor escreve sempre a mesma bagaça, a ponto de não mudar nem o nome da protagonista? Por que teimar em ler os textos daquele colunista reaça, se você tem certeza de que o camarada (epa) vai achar comunistas malvados até em comercial de Coca-Cola (aquele logo vermelho...)? Por que xingar diariamente o mesmíssimo congestionamento, se você pode voltar para casa naquela bike estacionada há séculos na sua garagem?

Às vezes vale tomar um porre de OLX e desapegar: do marido com síndrome de menor abandonado; da namorada que não te enxerga porque não desce do salto; da amiga que só quer se aproveitar da sua nobreza, do seu amor e de certos itens originais de fábrica; do sonho do pápi – que é só dele – de ver você dando uma gravata nos foras da lei; da novela que faz qualquer Malhação parecer Roque Santeiro; do colunista que não sai do seu abrigo nuclear com medo de ser descoberto pela KGB; do carro cujo velocímetro não atinge os trinta por hora há uns vinte mil quilômetros.

Não esbarrei novamente com os amigos grisalhos. Então não sei se aquela conversa rendeu algum dividendo. Mas espero muitíssimo que o que escutava tenha arrumado suas coisas, tomado seu rumo, algum rumo, e desistido de aplicar as economias no baú da infelicidade. Que esse é um investimento que só dá prejuízo – e cedo ou tarde acaba levando o correntista à falência.








Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório, tem perfil no Twitter e no Facebook.

0 comentários:

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.