terça-feira, 15 de setembro de 2015

Extraviado


Não sei se vocês se lembram de Viktor Narvoski, personagem de Tom Hanks que ficava preso num aeroporto em Nova York, simultaneamente impedido de voltar ao seu país (que teve as fronteiras fechadas após um golpe de Estado) e de entrar nos Estados Unidos (já que seu passaporte, em razão do incidente, perdera a validade). O filme era O terminal, de Steven Spielberg.

Estou com um problema parecido. Voltei de Paris, aterrissei no Galeão, mas ainda não cruzei a alfândega que separa as nuvens do asfalto. Cabeça e coração continuam perdidos na esteira do desembarque, feito bagagem sem dono. Talvez estejam à espera de que algum desavisado os despache novamente para o Charles de Gaulle.

Cá entre nós, eles não se incomodariam nem um pouco com mais dez horas de voo – desde que o próximo petit déjeuner tivesse aqueles croissants capazes de amanteigar o humor do mais parisiense dos garçons. Aqui uma ressalva no lugar-comum: não cruzei com nenhum monsieur que não fosse ao menos cordial. Valeu a tática de abordá-los sempre com um bonjour antes do parlez-vous anglais.

Paris não é mesmo endereço de lugares comuns. Lá, um emaranhado de ferro fascina tanto quanto os jardins de Monet; as escadarias infinitas de uma Sacré Coeur tiram o fôlego tanto quanto o sorriso de uma pintura; um muro no Montmartre conquista tanto quanto um je t’aime na voz da Piaf; o palco que deusas e ninfas de mármore pisam seduz tanto quanto o do Moulin Rouge.

Ah! cidade luz mesmo quando entre nuvens – onde um rio não é um rio, mas um oceano de cartões-postais; onde uma praça não é uma praça, mas uma página da História; onde um palácio não é um palácio, mas apenas a ala em que os Luíses guardavam suas amantes; onde um café não é um café, mas uma Notre Dame para os devotos de Amélie Poulain; onde uma rua não é uma rua, mas um Louvre a céu aberto.

Ulalá.

Aberto parece estar meu carrefour de metáforas e hipérboles. Eu sei. Mas o leitor há de perdoar os excessos deste flâneur de classe econômica. A verdade é que ninguém atravessa uma Champs-Élysées de sensações impunemente. Alguma coisa os franceses botam naquelas madeleines para a gente voltar assim, meio Maria Antonieta depois da Revolução: com a cabeça fora do lugar.

E o coração guilhotinado pela saudade.








Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório, tem perfil no Twitter e no Facebook.

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