O “cômico” no filme “Que se mueran los feos” (2010)
Uma reflexão sobre como nos vemos em contrapartida com o feio. É, de forma artística, em que o tema é desenvolvido no texto a seguir, com figuras de Narciso, debates de Nietzsche e por fim o longa metragem " Que se mueran los feos" que retrata o sentido do cômico nas percepções autocríticas.
Considerar o feio em
nossa cultura é bastante instigante, uma vez que estamos lidando com o elemento
humano e, por conseguinte, com o Outro. Este Outro, que não reflete a nossa
imagem no espelho, foi pensado por Sueli Meira Liebig em artigo que se intitula
“Narciso acha feio o que não é espelho”. Nele, a estudiosa cita Kristeva (1994,
p. 9), que nos diz que “estranhamente, o estrangeiro habita em nós: ele é a
face oculta da nossa identidade...” e, assim, ajuda-nos, de alguma forma, a nos
conhecermos melhor.
Segundo o mito de
Narciso, o jovem apaixonou-se pela sua imagem, ao observar o reflexo de seu
rosto nas águas de uma fonte, e ficou a contemplá-la até consumir-se. Na obra Humano, demasiado humano (2008),
Friedrich Nietzsche aponta que quem se habitua a olhar o espelho esquece a
própria feiura. Mais do que questionar se Narciso teria esquecido ou se
habituado à sua imagem, penso se ele não teria finalmente tomado consciência da
sua beleza: o reflexo do seu rosto o desmascarou. Ao contemplar e ser contemplado,
na mesma medida, pelo seu duplo, Narciso deparou-se com outro ser, que lhe era semelhante.
O olhar de Narciso cruzou-se consigo próprio, voltando-se sobre si. Neste
sentido, pode-se mesmo falar em autoconhecimento.
Se por um lado,
Narciso remete ao belo; por outro, eu me arrisco a dizer que ele desconhecia o
seu lado feio e, quando se contemplou, de fato, não pôde suportar o que nele
era, até então, desconhecido. Como já dito, pensar o feio é intrigante, muito
embora ele possa ser encarado de forma engraçada. O filme espanhol “Que se
mueran los feos” (2010) é uma evidência disso. No entanto, como assinalou Neusa
Anklan Sthiel, em artigo que se intitula “O riso como denúncia social”, nem
tudo é objeto de riso. Segundo Sthiel, “o homem ri do que não é comum e
habitual, de situações constrangedoras com as quais não se envolve
afetivamente, do que foge dos padrões e das falhas humanas”. Neste sentido,
anula-se o sentimento e enfatiza-se a criticidade; afinal de contas, o riso,
mais do que provocar a diversão, é, segundo Sthiel, uma “forma de manifestar
repúdio contra as opressões, normas, situações, instituições, poder”.
O
“cômico” é um tema estético que nos faz pensar o que é feio em nossa cultura ou
sociedade. Nas palavras de Neusa Anklan Sthiel “para que o riso ocorra é
preciso um contexto cômico” e “a anulação do sentimento, da compaixão”, já que
“o cômico é insensível e requer unicamente o uso da razão. É preciso isolar a
sensibilidade e enfatizar a criticidade”. O filme “Que se mueran los feos” (2010)
dirigido por Nacho G. Velilla está inserido em um contexto cômico e o
espectador acaba encontrando graça na desgraça do personagem Eliseo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIEBIG, Sueli Meira. Narciso Acha Feio o que não é espelho. Portal Literafro, Belo
Horizonte – MG.
NIETZSCHE, Friedrich
Wilhelm. HumanoDemasiadoHumano. São Paulo: Companhia das Letras,
2008.
STHIEL, Neusa Anklam. O riso como denúncia social. Disponível em: http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/producoes_pde/artigo_neusa_anklam_stiehl.pdf. Acesso em: 05/05/2014.
Maikely Teixeira
Colombini é Mestra em Letras – Estudos Literários pela Universidade Federal de
Viçosa (UFV) e graduada em Letras com Licenciatura em Português e Literaturas
de Língua Portuguesa por esta mesma instituição. Seus interesses perpassam a
Literatura em geral, com ênfase especial no espaço ficcional e no cronista
Rubem Braga (1913-1990).
1 comentários:
texto gigante pra falar 3 linhas sobre o filme, obrigado aê...
19 de agosto de 2019 às 22:19Postar um comentário
Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.