sexta-feira, 30 de outubro de 2015

o filme "45 anos" de Andrew Haigh discute como o passado pode ser sempre presente



Andrew Haigh roteirizou e dirigiu "45 anos",  baseado no conto In Another Country, de David Constantine. Como grandeza maior o filme tem a atuação do
  casal de atores que enaltece a história, justifica os prêmios e a beleza do filme: Charlotte Rampling e Tom Courtenay. Em cartaz nos cinemas de São Paulo, "45 anos" conta a história dos cinco dias que antecedem a festa de comemoração dos 45 anos de casamento do casal. Tudo parece bem para Kate Mercer (Charlotte Rampling), ansiosa com os preparativos da festa em comemoração do aniversário de casamento,  porém seu marido recebe a noticia por meio de uma carta, que o corpo do seu primeiro amor foi encontrado congelado no meio dos Alpes Suíços. 
É surpreendente como o filme já inicia com um conflito de ponto de virada e sem muitas milongas se estabelece um dilema. O passado retorna a casa do casal pela presença de um defunto. A descoberta de antigas desavenças vem à tona e o corpo morto torna-se vivo.
A partir desse instante o filme resgata e ressignifica o passado. A ex amada jaz embaixo do gelo numa montanha suíça mas vive intacta na memória do marido.

Charlotte Rampling e Tom Courtenay, muito bons.  
O ciúmes é a sensação de ter vivido uma farsa que você não se deu conta.
 Vale muito a pena assistir, principalmente pela atuação da dupla de atores. Para mim ficou a sensação de que o passado mora ao lado e dentro das relações. Como aquele corpo congelado na neve, nossas lembranças também congelam num tempo e num espaço. Por cima do gelo outras situações e pessoas são colocadas, como camadas de outros gelos, mas a qualquer instante uma camada pode derreter e a de baixo ficar explicita, translúcida e aparentemente intacta. 
Nos objetos deixados do antigo amor estão as provas de que esse tempo existiu.  Como um gênio que sai da lâmpada, cheio de vontade de ser liberado e viver, o passado surge avassalador  porém estará sempre preso nos desejos de seu amo. O gênio mesmo libertado nada mais pode fazer pois ficou tanto tempo dentro da lâmpada que tudo a sua volta não tem mais sentido. A decisão do que morre e do que vive em nossa memória é o que define quanto estamos abertos a novos horizontes. Nada pode ser apagado, mesmo que finjamos esquecer a memória será sempre o gênio da lâmpada preso, que liberado não conseguirá o mesmo tempo e nem o mesmo espaço para viver o que perdeu. Fadado à memória, o passado congela-se e perde sua essência.  Lamentações, lembranças serão as únicas coisas dadas do passado ao presente. No entanto, nos escritos da história, reconfigurados a cada ação do presente, o passado nos serve para sabermos quem fomos. Arrependidos somos fadados a aceitar que nada, nada mesmo podemos fazer para mudar o que passou. 





Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.

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