RUA: espaço da sociabilidade humana
Ao receber o convite para ser colunista da ContemporARTES - Revista de Difusão Cultural - fiquei imensamente feliz. Já me sinto privilegiada por fazer parte da Contemporâneos – revista de artes e humanidades - como editora assistente. Agora, espero trazer contribuições significativas para a revista e, principalmente, para os leitores, pois substituir meu prezado amigo Rodrigo Machado não é tarefa fácil.
A partir de agora assumo as publicações da coluna “A poesia está na rua”. Esse título não poderia ser mais adequado para uma pesquisadora de Literatura e Sociedade! Iniciei uma pesquisa com literatura e espaço urbano na graduação, no mestrado o estudo foi ampliado e atualmente, no doutorado, a pesquisa continua com muito fôlego. Afinal de contas, A POESIA ESTÁ NA RUA!
Percebemos, constantemente, que a cidade tem sido um tema estudado não apenas na política, economia e nos projetos de arquitetura e urbanismo, mas também nos estudos literários. No ensaio A cidade, a literatura e os estudos culturais: do tema ao problema, Renato Cordeiro Gomes (1999) ressaltou que a relação entre Literatura e experiência urbana intensificou-se na modernidade, pois a cidade tornou-se uma paisagem inevitável, e mesmo quando não incorporada nos textos, faz-se presente pela sua ausência que deixa marcas como a violência, a solidão, entre outros.
O cenário da cidade é um “espaço privilegiado para as identificações culturais emergentes, para a articulação das diversas representações sociais, ou para usar um termo em alta, para a ‘etnificação da cultura’” (GOMES, p.23). Capaz de ser observada pelo viés do imaginário, ou seja, pela literatura, “que pode desempenhar um papel significativo nos estudos culturais”, a cidade, espaço que tem a rua como traço forte de sua cultura, “passa a ser não só cenário, mas grande personagem de muitas narrativas, ou a presença incorporada em muitos poemas”.
Elemento da paisagem urbana, espaço físico dinâmico destinado ao fluxo de pessoas e meios de transporte, a rua não é apenas mero cenário da urbe. Neste espaço público onde as transformações urbanas da cidade são concretizadas, acontece também o encontro entre as pessoas, as manifestações sociais e muitas realizações pessoais do sujeito. Desse modo, esse elemento que dá forma à cidade é passível de revelar, como afirmou Fraya Freshe (2011, p.22), o tipo de realidade produzida em uma sociedade.
Inicialmente, as vias públicas das cidades coloniais eram apenas pequenos becos que davam acesso às casas vizinhas e às igrejas. Sem qualquer tipo de nivelamento do solo, as ruas eram, somente, destinadas à circulação de pedestres. Todavia, em virtude das transformações urbanas ao longo do tempo, as ruas começaram a ser nomeadas, iluminadas, asfaltadas, ampliadas e embelezadas.
Avenida Paulista (1891)
As ruas paulistanas passaram por este processo. A cidade que cresceu sem uma organização cuidadosa do espaço, possuía ruas estreitas, desprovidas de calçamento e iluminação, que sofreram transformações significativas a partir do século XIX, como a iluminação à gás, a circulação de meios de transportes de grande porte, como os bondes, e a ampliação das ruas inspirada na urbanização da capital europeia que era símbolo da modernidade no século XIX: Paris.
Avenida Paulista (1940)
Avenida Paulista (2000)
Essas ruas que vinham sofrendo transformações físicas modificavam também a postura dos pedestres que por elas circulavam. Resgatando a experiência da diversidade, como pontuou José Guilherme Cantor Magnani, a rua é, por excelência, o palco da desigualdade social e cultural, além de ser o local onde acontece o encontro entre desconhecidos. Esse espaço público – a rua,
rígida na função tradicional e dominante – espaço destinado ao fluxo – às vezes se transforma e vira outras coisas: vira casa, vira trajeto devoto em dia de procissão, local de protesto em dia de passeata, de fruição em dia de festa, etc. Às vezes é vitrine, outras é palco, outras ainda lugar de trabalho ou ponto de encontro. (MAGNANI, 1993, p. 46).
Por meio dessas palavras podemos dizer que a rua representa, portanto, muito mais que um espaço público, pois ela é também o local de sociabilidade do homem. Esse espaço é, frequentemente, objeto artístico do poeta – ser humano sensível o suficiente ao ponto de sentir inúmeras percepções que a rua é capaz de transmitir.
Mário de Andrade, João do Rio, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Cesário Verde, Charles Baudelaire, Honoré de Balzac, Machado de Assis, entre tantos outros grandes nomes da literatura, levam o leitor, por intermédio da rua, a instigantes histórias.
Diante desses pequenos apontamentos, você, estimado leitor, provavelmente encontra-se a questionar: a poesia existe mesmo na rua.
Quer uma resposta?
Ruas do meu São Paulo,
Onde está o amor vivo,
Onde está?
Caminhos da cidade,
Corro em busca do amigo,
Onde está?
Ruas do meu São Paulo,
Amor maior que o cibo,
Onde está?
Caminhos da cidade,
Resposta ao meu pedido,
Onde está?
Ruas do meu São Paulo,
A culpa do insofrido,
Onde está?
Há‑de estar no passado,
nos séculos malditos,
Aí está
(ANDRADE, 1993, p.355)
Referências Bibliográficas:
ANDRADE, Mario de. Poesias completas. Edição crítica de Diléia Zanotto Manfio. Belo Horizonte: Villa Rica, 1993.
FREHSE, Fraya. Ô da rua!: o transeunte e o advento da modernidade em São Paulo. São Paulo: Edusp, 2011.
GOMES, Renato Cordeiro. A cidade, a literatura e os estudos culturais: do tema ao problema. Ipotesi - Revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v.3 - n.2, p.17-30, jul./dez. 1999.
MAGNANI, José Guilherme Cantor. “A rua e a evolução da sociedade”. In: Cadernos de História de São Paulo 2: A cidade e a rua. São Paulo: Museu Paulista/ USP, 1993, p.45-55.
Bruna Araujo Cunha é doutoranda em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas, mestre em Letras/Estudos Literários pela Universidade Federal de Viçosa, graduada em Letras pela mesma instituição. Tem experiência na área de Letras, atuando principalmente nos seguintes temas: Literatura e Sociedade, Literatura e espaço urbano e poesia brasileira.
1 comentários:
Parabéns Bruna, muito bom seu artigo de estréia!
3 de novembro de 2015 às 10:39Abraço.
Bel
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