Em trânsito
Estou viajando de volta para minha casa. E quem, um dia, iria imaginar que ela seria em Berlim? Ninguém, ninguém mesmo! Aprender alemão é quase um feito homérico, assim como acredito ser qualquer língua estrangeira. Conhecer outra cultura exige uma sutileza até então para mim inimaginável. Assim como aprender uma língua, conhecer uma cultura é algo que nunca termina. Por isso me incomodo um pouco ao ler textos de pessoas que conhecem Berlim e escrevem como "se fosse na Alemanha".
Se tem uma coisa que Berlim não representa é a "Alemanha", assim como São Paulo ou Rio não representam o Brasil. A cidade grande é parte, mas a sua realidade é mais uma excessão do que uma regra. Basta o fato de muitos terem de sair de suas cidadezinhas e se refugiarem na capital, para poderem viver suas vidas com liberdade e em paz, e isso tanto aí como aqui. Ja falei sobre o mal da generalização por aqui. Pensava funcionar como um código, onde aquele que lê sabe e é consciente de que ela é mentirosa. Pois estes dias, lendo um artigo sobre Berlim (é Alemanha) fiquei em dúvida se as pessoas lembram mesmo disto, tanto as que lêem quanto as que escrevem.
Berlim, a pobreza com cidadania e com distribuição de renda. |
Junto destas descrições culturais, feitas a base de generalizações, acontecem automaticamente em nossas cabeças, ou no próprio texto, as comparações. Outro terreno acidentado, já que só podemos comparar o que é, de alguma forma, parecido. Se não é tudo apenas um exercício de "apontamento de diferenças", frutos de diferentes estruturas. Brasil e Alemanha não se compara, se aponta diferenças.
Viver em Berlim, me deu a oportunidade de conhecer algo que não existe no Brasil. E aqui radicalizo com gosto: "não existe". Porque a ideia de "cidadania" e de "cidadão" passam longe de fazer parte da cultura brasileira. O Brasil não é e nunca foi um "projeto para o povo" e é exatamente esta a diferença (infra)estrutural que aponto entre estas duas realidades Alemanha/Brasil.
Florianópolis, a pobreza sem cidadania e com concentração de renda. |
Leio daqui os acontecidos no Brasil, como as vergonhas da bandidagem política, das tristezas de catástrofes anunciadas como a seca de São Paulo e o desastre em Mariana e região, governadores destruindo ainda mais o ensino público, propostas de leis que tiram direitos sociais... A lista não tem fim.
Como disse: "Estou a caminho de casa." Apesar de morar em Berlim há quase duas décadas, esta frase soa para mim falsa. O Brasil ainda é a minha casa, eu aqui sou uma estrangeira aprendendo que a vida pode e deve ser diferente também aí. Mas de longe, vejo a radicalização de parte da sociedade e isso dá medo. Parece que as mudanças sociais são o horror na fantasia do brasileiro mediano, assim como o possível desvio e desmantelo da uma moral conservadora e atrofiada. Dá medo o absurdo de certas certezas e valores gritados a altos brados nos últimos tempos.
Brasil, to te vendo de fora e o quadro está assustador!
Fotos:
Ana Valéria é historiadora. Estudou em São Paulo e em Berlim, onde mora há quase duas décadas.
2 comentários:
Querida, belíssimo texto e gostei da problemática da perspectiva, desses olhos de fora para dentro e do lar que permanece dentro de você como um refúgio. Bjs c saudades
12 de novembro de 2015 às 23:34Obrigada, Ana! tentei responder antes, mas sem sucesso. beijos
25 de novembro de 2015 às 05:20Postar um comentário
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