quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Em trânsito




      Estou viajando de volta para minha casa. E quem, um dia,  iria imaginar que ela seria em Berlim? Ninguém, ninguém mesmo! Aprender alemão é quase um feito homérico, assim como acredito ser qualquer língua estrangeira. Conhecer outra cultura exige uma sutileza até então para mim inimaginável. Assim como aprender uma língua, conhecer uma cultura é algo que nunca termina. Por isso me incomodo um pouco ao ler textos de pessoas que conhecem Berlim e escrevem  como "se fosse na Alemanha".

     Se tem uma coisa que Berlim não representa é a "Alemanha", assim como São Paulo ou Rio não representam o Brasil. A cidade grande é parte, mas a sua realidade é mais uma excessão do que uma regra. Basta o fato de muitos terem de sair de suas cidadezinhas e se refugiarem na capital, para poderem viver suas vidas com liberdade e em paz, e isso tanto aí como aqui. Ja falei sobre o mal da generalização por aqui. Pensava funcionar como um código, onde aquele que lê sabe e é consciente de que ela é mentirosa. Pois estes dias, lendo um artigo sobre Berlim (é Alemanha) fiquei em dúvida se as pessoas lembram mesmo disto, tanto as que lêem quanto as que escrevem.

Berlim, a pobreza com cidadania e com distribuição de renda. 
     
 Junto destas descrições culturais, feitas a base de generalizações, acontecem automaticamente em nossas cabeças, ou no próprio texto, as comparações.  Outro terreno acidentado, já que só podemos comparar o que é, de alguma forma, parecido. Se não é tudo apenas um exercício de "apontamento de diferenças", frutos de diferentes estruturas. Brasil e Alemanha não se compara, se aponta diferenças.

     Viver em Berlim, me deu a oportunidade de conhecer algo que não existe no Brasil. E aqui radicalizo com gosto: "não existe". Porque a ideia de "cidadania" e de "cidadão" passam longe de fazer parte da cultura brasileira. O Brasil não é e nunca foi um "projeto para o povo" e é exatamente esta a diferença (infra)estrutural que aponto entre estas duas realidades Alemanha/Brasil.  


Florianópolis, a pobreza sem cidadania e com concentração de renda.

 Leio daqui os acontecidos no Brasil, como as vergonhas da bandidagem política, das tristezas de catástrofes anunciadas como a seca de São Paulo e o desastre em Mariana e região, governadores destruindo ainda mais o ensino público, propostas de leis que tiram direitos sociais... A lista não tem fim.
    Como disse: "Estou a caminho de casa." Apesar de morar em Berlim há quase duas décadas, esta frase soa para mim falsa. O Brasil ainda é a minha casa, eu aqui sou uma estrangeira aprendendo que a vida pode e deve ser diferente também aí. Mas de longe, vejo a radicalização de parte da sociedade e isso dá medo. Parece que as mudanças sociais são o horror na fantasia do brasileiro mediano, assim como o possível desvio e desmantelo da uma moral conservadora e atrofiada. Dá medo o absurdo de certas certezas e valores gritados a altos brados nos últimos tempos. 
Brasil, to te vendo de fora e o quadro está assustador!


Fotos:
   
Ana Valéria é historiadora. Estudou em São Paulo e em Berlim, onde mora há quase duas décadas.

2 comentários:

Ana Dietrich disse...

Querida, belíssimo texto e gostei da problemática da perspectiva, desses olhos de fora para dentro e do lar que permanece dentro de você como um refúgio. Bjs c saudades

12 de novembro de 2015 às 23:34
Ana Valéria disse...

Obrigada, Ana! tentei responder antes, mas sem sucesso. beijos

25 de novembro de 2015 às 05:20

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