terça-feira, 10 de novembro de 2015

Zapear é preciso



Entreouvido no elevador: nunca troco de canal. Trocar pra quê, se só vejo o jornal e a novela? Eu também não. A tevê está sempre no quatro.

Direito de cada um poupar o próprio controle-remoto. Mas não consigo entender quem tem mais de cem canais à disposição e se contenta com um só. Não sabe o que está perdendo: aquela receita de bolo caseiro com calda de frutas vermelhas; aquela viagem de trem pelo interior da Europa; aquele documentário sobre John Lennon; aquela entrevista com a Martha Medeiros; aquela série dos zumbis; aquele filmaço com a Julie Delpy; aquele show com Gil e Caetano.

Só para ficar no pacote básico da minha tevê a cabo.

Agora um off no lado de lá da telinha e um power no lado de cá – que conta com uma grade mil vezes mais variada do que qualquer emissora. Já notaram que é cada vez maior o número de criaturas como aquelas duas no elevador, impermeáveis a qualquer programinha que escape às mesmices de todos os dias?

Não é à toa que esses tipos, ao toparem com uma Simone de Beauvoir nos vestibulares da vida, esbugalhem os olhos como se encarassem um alien fazendo topless.

Surreal a gente habitar um mundo onde a cada segundo novas estações são sintonizadas, onde informação e opinião jorram das mais diversas mídias, onde a alta definição populariza cores que nem imaginávamos existir – e ainda assim aqueles marmanjos arregalem as vísceras por causa de um simples outubro rosa; ou porque um ator negro empunha um sabre de luz no trailer do mais recente Guerra nas estrelas.

Jedi bom é jedi branco, sentenciam os discípulos do Império – e que sith a pluralidade.

Quem sabe a oferta de tantos canais específicos (como o que só fala de ursos-polares veganos no Alasca ou o que só exibe casos de noivas suicidas em Acapulco) esteja guetizando as mentes e tornando-as menos afeitas à diversidade. Penso naquele indivíduo que passa madrugadas diante do Bloomberg e, de repente, é sequestrado pelos amigos para uma tarde no Maraca: em vez de gritar o nome do craque do time, o elemento faz versinho para o CEO do clube.

Sintoma típico de quem está precisando botar os neurônios para zapear com urgência – porque enfiou o mundo inteiro numa (minúscula) bolsa de valores.







Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório, tem perfil no Twitter e no Facebook.

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