Quero ficar nas ruas paulistanas
Na última publicação da
coluna “A poesia está na rua” o texto foi finalizado com uma frase
interrogativa. Para respondê-la e, ao mesmo tempo, direcionar nossas reflexões
sobre o estudo do espaço na Literatura, vamos trazer a mesma voz que fazia
questionamentos acerca da existência da poesia na cidade: “Onde está?”.
No
poema “Ruas do Meu São Paulo”, de Mário de Andrade, por meio de um olhar
nostálgico o eu-lírico procurava, pelas ruas da cidade, o amor, o amigo, o cibo
e demais respostas possíveis capazes de esclarecer suas proposições.
Nessa
perspectiva, apresentaremos essa mesma voz, porém, agora, analisaremos no
eu-lírico marionadradiano aspectos que nos possibilitam reafirmar que a poesia
está na rua.
Primeiramente
é fundamental ressaltar o eu-lírico como um transeunte a caminhar pelas ruas
paulistanas, revelando um sentimento de nostalgia proporcionado pelo espaço
urbano. Indignado com a ausência do “amor vivo” e do “amigo”, este transeunte
anda pelas ruas de São Paulo, “caminhos da cidade”, a procura de respostas,
pois em algum lugar há de estar o amor e a amizade. Essa busca incessante é tão
intensa que se corporifica ao longo do poema em forma de refrão: “Onde está?”,
verso que se repete nas cinco estrofes do poema.
O
tema central do poema “Ruas do meu São Paulo” é a busca do eu-lírico pelo
relacionamento humano livre de interesses no espaço urbano das ruas
paulistanas. Em cada estrofe o sujeito-poético revela o que procura: “amor
vivo”, “amigo”, “amor maior que o cibo”, “resposta ao meu pedido” e a “culpa do
insofrido”. Intercalados pelo refrão “Onde está?” e pelas paralelísticas “Ruas
do meu São Paulo” e “Caminhos da cidade”, versos com o mesmo conteúdo semântico
que reforçam a sensação de um transeunte que caminha pelas ruas, o eu-lírico
encontra respostas para sua procura na última estrofe do poema: “Há‑de estar no passado,/ nos séculos
malditos,/ Aí está”.
Com
esta estrofe final, o eu-lírico, que transita pelas ruas paulistanas e não
encontra o que procurava, conclui que no espaço urbano moderno não existe
convivência afetuosa, relacionamento humano que ficou perdido no passado. Este
posicionamento nostálgico do eu-lírico nos remete, primeiramente, a pensarmos
na urbe paulistana em consonância com as considerações de Lewis Mumford (1998)
que entendia a cidade enquanto forma e símbolo das relações sociais, produto do
tempo e do espaço. Desse modo, as ruas das quais nos fala o sujeito-poético são
resultados de uma cidade industrial e urbanizada que sofreu transformações
intensas, modificando a vida em sociedade.
Consequentemente
se um espaço passa por mudanças físicas ocorrerá uma modificação em demais
esferas que afetarão, diretamente, o posicionamento da população que habita
esse espaço transformado. Logo, a substituição da calmaria pela vida agitada
não implica na possibilidade de ausência de poesia, mas, sim, em uma mudança na
sua representação. Essas palavras tornam-se mais verdadeiras quando esse mesmo
eu-lírico, que procura o amor nas cidades, afirma querer ser sepultado em São
Paulo:
Quando eu morrer quero ficar
Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.
Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.
No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.
Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.
O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...
Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...
As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.
(ANDRADE, 1993,)
Pensamos,
por intermédios de tais apontamentos, na existência inquestionável da poesia na
rua, independente de sua constituição física. Por esse motivo, sustentaremos
essa assertiva com os próximos textos que serão publicados.
Referências Bibliográficas:
ANDRADE, Mario de. Poesias completas. Edição crítica de Diléia Zanotto Manfio. Belo
Horizonte: Villa Rica, 1993.
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas.
Trad: Neil R. da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Bruna Araujo Cunha é doutoranda em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas, mestre em Letras/Estudos Literários pela Universidade Federal de Viçosa, graduada em Letras pela mesma instituição. Tem experiência na área de Letras, atuando principalmente nos seguintes temas: Literatura e Sociedade, Literatura e espaço urbano e poesia brasileira.
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