quinta-feira, 12 de novembro de 2015




Quero ficar nas ruas paulistanas

Na última publicação da coluna “A poesia está na rua” o texto foi finalizado com uma frase interrogativa. Para respondê-la e, ao mesmo tempo, direcionar nossas reflexões sobre o estudo do espaço na Literatura, vamos trazer a mesma voz que fazia questionamentos acerca da existência da poesia na cidade: “Onde está?”.
            No poema “Ruas do Meu São Paulo”, de Mário de Andrade, por meio de um olhar nostálgico o eu-lírico procurava, pelas ruas da cidade, o amor, o amigo, o cibo e demais respostas possíveis capazes de esclarecer suas proposições.
            Nessa perspectiva, apresentaremos essa mesma voz, porém, agora, analisaremos no eu-lírico marionadradiano aspectos que nos possibilitam reafirmar que a poesia está na rua.
            Primeiramente é fundamental ressaltar o eu-lírico como um transeunte a caminhar pelas ruas paulistanas, revelando um sentimento de nostalgia proporcionado pelo espaço urbano. Indignado com a ausência do “amor vivo” e do “amigo”, este transeunte anda pelas ruas de São Paulo, “caminhos da cidade”, a procura de respostas, pois em algum lugar há de estar o amor e a amizade. Essa busca incessante é tão intensa que se corporifica ao longo do poema em forma de refrão: “Onde está?”, verso que se repete nas cinco estrofes do poema.
            O tema central do poema “Ruas do meu São Paulo” é a busca do eu-lírico pelo relacionamento humano livre de interesses no espaço urbano das ruas paulistanas. Em cada estrofe o sujeito-poético revela o que procura: “amor vivo”, “amigo”, “amor maior que o cibo”, “resposta ao meu pedido” e a “culpa do insofrido”. Intercalados pelo refrão “Onde está?” e pelas paralelísticas “Ruas do meu São Paulo” e “Caminhos da cidade”, versos com o mesmo conteúdo semântico que reforçam a sensação de um transeunte que caminha pelas ruas, o eu-lírico encontra respostas para sua procura na última estrofe do poema: “Háde estar no passado,/ nos séculos malditos,/ Aí está”.
            Com esta estrofe final, o eu-lírico, que transita pelas ruas paulistanas e não encontra o que procurava, conclui que no espaço urbano moderno não existe convivência afetuosa, relacionamento humano que ficou perdido no passado. Este posicionamento nostálgico do eu-lírico nos remete, primeiramente, a pensarmos na urbe paulistana em consonância com as considerações de Lewis Mumford (1998) que entendia a cidade enquanto forma e símbolo das relações sociais, produto do tempo e do espaço. Desse modo, as ruas das quais nos fala o sujeito-poético são resultados de uma cidade industrial e urbanizada que sofreu transformações intensas, modificando a vida em sociedade.
            Consequentemente se um espaço passa por mudanças físicas ocorrerá uma modificação em demais esferas que afetarão, diretamente, o posicionamento da população que habita esse espaço transformado. Logo, a substituição da calmaria pela vida agitada não implica na possibilidade de ausência de poesia, mas, sim, em uma mudança na sua representação. Essas palavras tornam-se mais verdadeiras quando esse mesmo eu-lírico, que procura o amor nas cidades, afirma querer ser sepultado em São Paulo:

Quando eu morrer quero ficar
Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.

Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.

No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.

Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.

O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...

Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...

As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.
(ANDRADE, 1993,)

            Pensamos, por intermédios de tais apontamentos, na existência inquestionável da poesia na rua, independente de sua constituição física. Por esse motivo, sustentaremos essa assertiva com os próximos textos que serão publicados.

Referências Bibliográficas:

ANDRADE, Mario de. Poesias completas. Edição crítica de Diléia Zanotto Manfio. Belo Horizonte: Villa Rica, 1993.

MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. Trad: Neil R. da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 1998.


















Bruna Araujo Cunha é doutoranda em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas, mestre em Letras/Estudos Literários pela Universidade Federal de Viçosa, graduada em Letras pela mesma instituição. Tem experiência na área de Letras, atuando principalmente nos seguintes temas: Literatura e Sociedade, Literatura e espaço urbano e poesia brasileira.

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