Espaço de amor ou perdição? Uma leitura do romance Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco
Amor de Perdição, de
Camilo Castelo Branco, é uma obra portuguesa que foi publicada em 1862.
Considerada como a obra-prima do autor, a história de amor impossível é
vivenciada pelos protagonistas Simão e Teresa, que são impedidos de ficarem
juntos devido a uma rixa familiar. Porém, ambos não desistem de lutar pelo
amor, gerando, assim, uma série de complicações em suas vidas, que vão se agravado
até o desfecho trágico do romance.
Entre os elementos da
narrativa que contribuem para os obstáculos enfrentados pelos amantes,
destacamos o espaço presente nas situações de impedimento da união entre o
casal.
Na análise da obra,
identificamos três espaços que influenciam o desfecho trágico do romance: o
convento, a prisão, e o degredo de Simão para as Índias, gerando o desfecho do
romance.
Simão Botelho e Teresa
de Albuquerque são dois jovens que se amam e, na tentativa de vivenciarem esse
amor, submetem-se a inúmeras situações complicadas que ocorrem em um espaço
físico onde a ambientalização precipita algumas ações dos personagens.
O primeiro espaço
físico que surge na obra, no sentido de que pode ser considerado como um
influente é o convento. Esse aparece como um meio encontrado pelo pai de Teresa
para impedir que a filha continue a encontrar-se com o amado. Depois da
conversa com o pai, Teresa escreve uma carta para Simão dizendo-lhe sobre as
decisões de Tadeu de Albuquerque:
Meu pai diz que me vai encerrar num convento por tua causa. Sofrerei tudo
por amor de ti. Não me esqueças tu, e achar-me-ás no convento, ou no céu,
sempre tua do coração, e sempre leal. Parte para Coimbra. Lá irão dar
as minhas cartas; e na primeira te direi em que nome hás de responder à tua
pobre Teresa (BRANCO,1984, p.29).
Depois do envio da
carta de Teresa, os jovens resolvem marcar alguns encontros. No entanto, esses
nunca aconteceram, pois sempre ocorria um fato inesperado que modificava o
plano dos amantes.
Com o intuito de evitar
que Teresa fosse transferida para o Convento de Monchique, Simão vai ao
encontro da amada juntamente com João da Cruz para tentar evitar a mudança de
Teresa. Os dois chegam no momento da partida e encontram Tadeu de Albuquerque e
Baltasar Coutinho. Simão estava descontrolado, discute com Baltasar e acaba
matando-o. João da Cruz pede a Simão que fuja, mas Simão não o obedece.
Essa imagem representa
uma das tragédias produzidas pelo espaço e ambientação do romance. A morte
acontece na porta do convento, espaço que provocou o desespero de Simão.
Dessa forma, Na obra Amor de Perdição o espaço como
ambientação alcança estatuto tão importante quanto outros componentes da
narrativa, pois ele é prioritário e fundamental no desenvolvimento da ação,
quando não determinante (DIMAS, 1987, p.6). O espaço simples (o convento, a
prisão, e o degredo para as Índias) está atrelado a um quadro mais complexo, ou
seja, a ambientação que influencia, totalmente, a atitude dos personagens Simão
e Teresa. Essa ambientação se enquadra em uma das subdivisões que Antonio
Dimas, citando Osman Lins, estabelece para o conceito de ambientação em sua
obra, denominada “ambientação dissimulada”, isto é, aquela em que os atos dos
personagens, vão fazendo surgir o que a cerca, como se o espaço nascesse dos
seus próprios gestos (DIMAS, 1987, p.26).
É isso que observamos
nesse romance romântico, pois os atos dos personagens Simão e Teresa, que lutam
pelo amor, geram primeiramente o espaço ficcional do convento que, por sua vez,
gera o espaço da prisão, que novamente gera mais um espaço, o degredo para as
Índias, ou seja, como disse Antonio Dimas, o espaço nasce dos atos dos
personagens.
O primeiro espaço
influente na tragédia amorosa encontrada no romance é o convento, que é o
precursor dos conflitos da obra. O espaço do convento precipita algumas ações
dos personagens, principalmente a de Simão; influencia a tragédia amorosa e
evidencia o papel que o convento possuía no século XVIII. Já quanto à
ambientação, como foi mencionado anteriormente, apresenta um caráter maléfico e
desagradável para Teresa e Simão, por que gera em ambos desespero e melancolia, afetando também a saúde de Teresa
de Albuquerque.
O segundo influente na
tragédia amorosa do romance é a prisão, um
espaço que evidencia o poder coercitivo da sociedade. Com ele surge a privação
da liberdade, a “vergonha” por parte dos pais de terem um filho na cadeia,
levando-os a mudarem de cidade e a ignorar o filho. O ambiente, por sua vez, é
o da solidão, da tristeza, da angústia e da sensibilidade. Quando Simão vai
para a cadeia, as esperanças de Teresa começam a desaparecer, e ela escreve ao
seu amado revelando a angústia que sentia:
Simão, meu
esposo. Sei tudo... Está conosco a morte. Olha que te escrevo sem lágrimas. A
minha agonia começou há sete meses. Deus é bom que me pouparia o crime. Ouvi a
notícia da tua próxima morte, e então compreendi porque estou morrendo hora a
hora. Aqui está o nosso fim Simão!... Olha as nossas esperanças! Quando tu me
dizias os teus sonhos de felicidade, e eu te dizia os meus!... Que mal fariam a
Deus os nossos inocentes desejos?!... Por que não merecemos nós o que tanta
gente tem?... Assim acabaria tudo, Simão? Não posso crê-lo! [...] (BRANCO,
1984, p.122).
O terceiro e último influente da trajetória trágica dos personagens é o
degredo de Simão Botelho para as Índias. Com o surgimento desse espaço físico
temos o desfecho da tragédia, com a morte de Teresa e de Simão. A
ambientalização desse espaço era totalmente maléfica para ambas as personagens,
uma vez que, levando em consideração a precariedade do local para o qual iria
Simão Botelho, os poucos que sobreviviam, e os muitos anos que iriam ficar
distantes, a única saída que os amantes encontravam era a morte. Logo, esse
espaço/ambiente foi o agravante do desespero dos protagonistas:
... Esperança para Simão Botelho, qual? A Índia, a humilhação, a miséria,
a indigência ...Se vais ao degredo, para sempre te perdi, Simão, porque
morrerás, ou não acharás memória de mim, quando voltares (BRANCO, 1984, p.158).
Por meio dessas
considerações, acrescidas às observações de Carlos Vechi, o espaço, em Amor de Perdição, é múltiplo, mas só
ganha relevo quando surge para acentuar os momentos característicos das
personagens, ou para reforçar suas ações. É isso que acontece com os três
espaços analisados acima, que precipitam as ações das personagens e que,
também, como disse Antonio Dimas, se não são fundamentais no desenvolvimento da
ação, são por sua vez determinantes.
Referências Bibliográficas
BRANCO, Camilo
Castelo. Amor de Perdição. Edição Ilustrada. São Paulo. Editora: Porto
Editora, 1984.
DIMAS, Antonio. Espaço
e Romance. 2 ed. Editora Ática. São Paulo, 1998.
VECHI, Carlos
Alberto. Roteiro de Leitura: Amor de perdição de Camilo Castelo Branco.
São Paulo. Editora Ática. 1998.
Bruna Araujo Cunha é doutoranda em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas, mestre em Letras/Estudos Literários pela Universidade Federal de Viçosa, graduada em Letras pela mesma instituição. Tem experiência na área de Letras, atuando principalmente nos seguintes temas: Literatura e Sociedade, Literatura e espaço urbano e poesia brasileira.
1 comentários:
Parabéns, Bruna!
27 de novembro de 2015 às 13:09Vc foi uma ótima 'aquisição' para nossa revista....rs
Abraço.
Bel
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