Inverno sem Fim
Aí então, num momento de fraqueza ou de lucidez, me pego na pergunta: “Mas que cazzo faço
eu aqui em Berlim?!” Uma pergunta feita por muitos. Claro, não todos a formulam
desta maneira, uns são mais educados, outros não usam a marca paulistana. Mas
enfim, a pergunta é a mesma.
Morar em Berlim soa fantástico e o é, não nego. Mas com o tempo e o descuidado a cidade passa a ser "uma cidade como outra qualquer". Tem
gente que gosta de se autoproclamar “berlinense”. Como aquele da frase famosa
“I’m a berliner”. Mas eu digo. Mentira! O cara era só populista mesmo. Só é berlinense quem
acha o inverno “normal” nem pensa sobre isso, ou pensa: “É, é difícil, mas é assim” e leva de boa.
Esta é a medida.
Quando vim pra cá era verão. O meu erro. Você pode estar pensado: “Erro?! Berlim no verão?! Que viagem!” Sim erro, se o cidadão vier para Berlim no
verão ele se apaixona. Aí... tarde demais, tarde demais mesmo. Porque, depois de ser
seduzido e encantado pela cidade, ou seja, quando você já está ali bem entregue, vem o inverno.
E se ainda não bastasse a armadilha do verão, ainda há o antes do inverno.
Antes do inverno você vive a exuberância, a
explosão de cores, o delírio da morte cíclica da natureza, a luz suave e
intensa da porra do outono. Ah!
Vaffanculo! (pra continuar na vibe
italiana) o que é isso, o outono!? O outono em Berlim é pra te amarrar,
amordaçar, e tudo isso sem você perceber. Você está ali todo feliz em poder
participar desta orgia de sensações. E isso é tudo de bom. Passear pelos
parques e brincar como uma criança, chutando os montes do folhas no chão. Fechar os olhos e lembrar do barulho das folhas no momento do chute...
Se,
ao lembrar, você ainda sente um fiozinho de felicidade, eu digo: Tá ferrado. E cabe aqui os dois sentidos da palavra – todos servem. Você já tem um
dono, já está domesticado que nem uma mula e está numa situação (emocional)
difícil. Ferrado, no inverno de Berlim.
Porque
meu caro, o inverno... O inverno em Berlim não tem cores, não tem luz, não tem
fonte de energia e felicidade. O inverno consome. E ainda tem pouca neve e se
neva logo tudo vira uma lama cinza e fria, nada bonita, como a gente de lá,
imagina a neve...
E você
se pega dentro de um carro aquecido, ou de uma casa, se deixando esquentar por
um raro fiozinho de sol que, por acaso, toca seu rosto. Pensando: “Putz, agora lá é
carnaval...” E olha, eu nem gosto do Carnaval! Nunca fui tão gato na minha
vida, como em Berlim no inverno, observando o lá fora através das janelas.
Ana Valéria mora a quase duas décadas em Berlim, onde estudou História Medieval e Estudos Latino Americanos. Hoje trabalha como tradutora.
1 comentários:
Texto interessante. Já convivi com essas alternâncias.
1 de junho de 2016 às 11:09Postar um comentário
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