quarta-feira, 2 de março de 2016

Inverno sem Fim





Aí então, num momento de fraqueza ou de lucidez, me pego na pergunta: “Mas que cazzo faço eu aqui em Berlim?!” Uma pergunta feita por muitos. Claro, não todos a formulam desta maneira, uns são mais educados, outros não usam a marca paulistana. Mas enfim, a pergunta é a mesma.

Morar em Berlim soa fantástico e o é, não nego. Mas com o tempo e o descuidado a cidade passa a ser "uma cidade como outra qualquer". Tem gente que gosta de se autoproclamar “berlinense”. Como aquele da frase famosa “I’m a berliner”. Mas eu digo. Mentira! O cara era só populista mesmo. Só é berlinense quem acha o inverno “normal” nem pensa sobre isso, ou pensa: “É, é difícil, mas é assim” e leva de boa. Esta é a medida.

Quando vim pra cá era verão. O meu erro. Você pode estar pensado: “Erro?! Berlim no verão?! Que viagem!”  Sim erro, se o cidadão vier para Berlim no verão ele se apaixona. Aí... tarde demais, tarde demais mesmo. Porque, depois de ser seduzido e encantado pela cidade, ou seja, quando você já está ali bem entregue, vem o inverno.

E se ainda não bastasse a armadilha do verão, ainda há o antes do inverno. 
Antes do inverno você vive a exuberância, a explosão de cores, o delírio da morte cíclica da natureza, a luz suave e intensa da porra do outono. Ah! Vaffanculo! (pra continuar na vibe italiana) o que é isso, o outono!? O outono em Berlim é pra te amarrar, amordaçar, e tudo isso sem você perceber. Você está ali todo feliz em poder participar desta orgia de sensações. E isso é tudo de bom. Passear pelos parques e brincar como uma criança, chutando os montes do folhas no chão. Fechar os olhos e lembrar do barulho das folhas no momento do chute...

Se, ao lembrar, você ainda sente um fiozinho de felicidade, eu digo: Tá ferrado. E cabe aqui  os dois sentidos da palavra – todos servem. Você já tem um dono, já está domesticado que nem uma mula e está numa situação (emocional) difícil. Ferrado, no inverno de Berlim.
Porque meu caro, o inverno... O inverno em Berlim não tem cores, não tem luz, não tem fonte de energia e felicidade. O inverno consome. E ainda tem pouca neve e se neva logo tudo vira uma lama cinza e fria, nada bonita, como a gente de lá, imagina a neve...


E você se pega dentro de um  carro aquecido, ou de uma casa, se deixando esquentar por um raro fiozinho de sol que, por acaso, toca seu rosto. Pensando: “Putz, agora lá é carnaval...” E olha, eu nem gosto do Carnaval! Nunca fui tão gato na minha vida, como em Berlim no inverno, observando o lá fora através das janelas.



Ana Valéria mora a quase duas décadas em Berlim, onde estudou História Medieval e Estudos Latino Americanos. Hoje trabalha como tradutora.

1 comentários:

Antonio Vendramini Neto disse...

Texto interessante. Já convivi com essas alternâncias.

1 de junho de 2016 às 11:09

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