quinta-feira, 23 de junho de 2016

Abraços




Como dois infinitos voltados para dentro, nos abraçamos. O peito se enche. Do lado direito, um outro coração se aloja. Nos abraçamos e agora - depois da euforia - estamos cobertos por uma armadura impenetrável. Somos inabaláveis. Estamos amados até os dentes. Sorrisos de bocas flanqueadas. O seu ombro suporta todo o meu raciocínio e a sua cabeça pousa no meu osso vago e tocamos os abismos umbilicais da primeira separação e as nossas faltas se encontram.
Não temos rosto.
Nos abraçamos.
Uma távola, quatro pernas, quatro pés. Não temos sexo. Na potência sincera do desarme, Eros se perdeu. Psique descansa. A Morte se aproxima, respira – profunda – e se apega. Dois infinitos se confundem. Dois corpos se estreitam. Duas verdades, duas medidas. O ar contido - querendo rasgar o aço da temeridade - é silêncio.
E o corpo se abre
esquecido da sua função de resguardar. Os braços travam contra a impossibilidade da união material a mais sublime de todas as batalhas. As mãos enganchadas querem fundar raízes no terreno bruto das costas. O contorno de um passa em torno do outro e nada mais é coragem ou covardia. Estamos na beira do abismo. Eu cismo de querer acordar os pássaros impossíveis daquele bosque obscuro. Estamos na beira do abismo. A vertigem compartilhada é um arranha-céu incognoscível de alamedas transcendentes e becos inomináveis. Uma pequena porta.
Nos abraçamos.
A nossa cara de ponto escorre e somos agora um travessão anunciando qualquer coisa que não é fim - um nascimento sem maiúsculas. Fomos mar em pleno mar. No plantio novo dessa alegoria, simulamos um poema antigo onde duas eternidades se estreitam num aperto insano, azuis, dourados, plácidos...          
Mas,
aos poucos,
abandonando o estado sublime das coisas impraticáveis,
cava-se outra vez um fosso desabitado - o lado esquerdo se esvazia. O Tempo alcança o Céu. Despencamos. A queda é insondável e as flores todas desse começo tornam-se frases perdidas na balada triste dos que se foram antes do amanhecer. É a vida que retorna aos poucos. Estávamos mortos. Obliterados.
Abraçados.
Somos dois.
E assim, por medo da morte, damo-nos as mãos - e no esmagar sutil das palmas, experimentamos o sabor velho da evasão, a nostalgia angustiada de um enlace passado, o desejo de ser novamente infinito, a vontade indômita de ser
outra vez
            Deus

1 comentários:

Ana Dietrich disse...

lindissimo...

24 de junho de 2016 às 17:55

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