terça-feira, 12 de julho de 2016

Ilhados


Não satisfeita com a aliança de brilhantes, o bolo confeitado a ouro e o salão cujos lustres devem ser mais caros que o meu apê, a noiva queria porque queria pinguins na sua festa de casamento. Você não leu errado: pinguins. E lá foi a lindona a um desses aquários gigantes (tipo Sea World) alugar o que, nas suas palavras, eram os bichinhos mais fofos do universo. Só que, ao entrar na gaiola, ela se deu conta de que os tais bichinhos não eram tão fofos assim. Faziam barulho, fediam a peixe e – muito malcriadamente – bicavam quem se aproximasse deles para uma selfie involuntária. Preocupada com o conforto e a integridade física de seus convidados, a moçoila resolveu então substituir os animais por réplicas de pelúcia.

Pode parecer um episódio perdido de Twilight Zone, mas é apenas mais um casório registrado pelas câmeras do Vestido ideal: o grande dia, do Discovery Home & Health.

Só esse pedacinho de programa já merecia uma ação do Greenpeace em parceria com a Sociedade Protetora das Aves Que Vivem em Iglus. Valia até um #ocupaigreja ou o confisco dos bem-casados. Qualquer coisa que chamasse a atenção da dondoquilda e de qualquer outro desavisado capaz de achar o máximo, por exemplo, incluir uma onça pintada no roteiro da tocha olímpica.

Surpresa nenhuma essa incompetência do ser humano em se pôr no lugar de outras espécies. Não consegue se pôr no lugar nem da própria.

Continuo esperando ansiosamente o dia em que vamos entender, de uma vez por todas, que o outro não é obrigado a ser como a gente espera que ele seja. Que nem toda mulher sonha com a maternidade. Que nem todo rapaz sonha com a habilitação. Que nem todo menino gosta de futebol. Que nem toda menina prefere rosa. Que nem todo gay conhece a obra completa da Lady Gaga. Que nem todo jovem vira o finde na balada. Que nem toda vovó se vira no tricô. Que nem todo tímido quer vencer a timidez. Que nem toda gordinha quer vencer a balança. Que nem todo deputado exige propina. Que nem toda madrasta é vilã. Que nem todo brasileiro seca os argentinos. Que nem todo carioca frequenta a praia. Que nem toda princesa mora num castelo cheio de muros.

Tem a mulher que concebe romances policiais, o rapaz que faz da bike o seu conversível, o menino que quer ser o próximo masterchef, a menina que (tal qual a Cinderella) adora azul, o gay que coleciona as rosas atiradas pelo Rei em seus shows, o jovem que passa a madruga lendo Pessoa, a vovó que não perde um rapel com os amigos, o tímido que acha ótimo ir ao cinema sozinho, a gordinha que seduz a si mesma com suas curvas, o deputado que – pasmem – respeita seus eleitores, a madrasta que é mãe, o brasileiro que reverencia o Messi, o carioca que gosta de dias nublados.

A princesa que vive na aldeia.

Certamente esse não era o caso daquela noiva e o de muitas pessoas por aí – que têm passado cada vez mais tempo em seus castelos de pelúcia e, por isso, se assustam sempre que topam com pinguins de carne, osso e penas. Daí a necessidade de sair da caixinha com mais frequência e conhecer outras realidades. Deixar a ilha onde residimos e dar umas voltas no continente ajuda a exercitar a empatia. Principalmente: diminui o risco de fazermos da nossa vida um eterno brexit.

Um plebiscito diário em que, inadvertidamente, escolhemos nos isolar do resto do mundo.








Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório, tem perfil no Twitter e no Facebook.

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