terça-feira, 9 de agosto de 2016

Distopia


Nem os carros voadores, nem a Rosie (embora uma robô capaz de dobrar lençóis de elástico não fosse de se jogar fora). O que mais me encantava em Orbit City, a cidade onde viviam os Jetsons, era o fato de George trabalhar, graças aos avanços tecnológicos, apenas três horas por dia, três dias por semana; alguns sites registram um expediente ainda menor: uma hora por dia, dois dias por semana.

Utopia.

Com um exterminador do futuro prestes a tomar definitivamente a presidência da República, não dá mais para acreditar num destino como o do simpático personagem da Hanna-Barbera. Viajamos a 88 milhas por horas rumo ao amanhã de outro George, o Miller – criador daquele deserto pós-apocalíptico em que a única esperança era um sujeito tão louco, que só podia se chamar Mad Max.

Já vejo as ações da Umbrella disparando na bolsa depois de aprovada a jornada de trabalho de oitenta horas semanais e trinta minutos para o almoço. Vejo também os trabalhadores braçais pobres – cuja expectativa de vida é inferior à idade mínima a ser imposta para a aposentadoria – saindo das covas para reivindicar seus direitos. Vai ser tanto zumbi tocando o terror, que periga o Estado Islâmico explodir de inveja.

Sorte nossa que a Justiça e a Polícia Federal hão de tomar as providências necessárias para evitar esse Armagedom. Como guardiãs da galáxia, da moral e dos bons tucanos, vão pôr em prática a Operação Minority Report, em que mandados de prisão preventiva expedir-se-ão na calada da noite e os mortos-vivos conduzir-se-ão coercitivamente a presídios de segurança máxima, onde submeter-se-ão ao tratamento Ludovico.

A terapia inclui ouvir mil discursos de célebre orador especializado em mesóclises. Cheguei a escutar meio minuto de um deles e posso garantir: é cyberpunk.

Caso algum defunto escape dos robocops, a lei Bandido Bom é Bandido Morto – aprovada há meio século na Câmara dos Siths – autoriza os cidadãos de bem a usarem seus fuzis de blaster contra ele. Se o cadáver em questão der sinais de feminismo, gayzismo ou quaisquer outros comunismos, é ainda permitido ao atirador o emprego das minipistolas conhecidas como pastores.

Nenhum neuralizador executa uma lavagem cerebral melhor que elas.

Outra lei prestes a completar bodas de ouro neste nada admirável mundo novo é a Fahrenheit – apelidada de Escola sem Livro. É particularmente curioso o artigo 451, que obriga as instituições de ensino a eliminarem suas bibliotecas utilizando imensas fogueiras. Especialistas do Greenwar concluíram que a emissão de gás carbônico é cem vezes menos danosa ao meio ambiente que a de ácaros, fungos e ideias.

Engana-se, porém, quem pensa que o pior já passou. Não sabe o que é ter um vizinho que todo dia abre as janelas de sua caverna e uiva um animado iabadabadu.







Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório, tem perfil no Twitter e no Facebook.

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