Mulher-coelho
Eu
viajo e entre as cidades, nas rodoviárias, aeroportos ou estações de trem espero
o meio de transporte que me levará de uma cidade a outra. Muitos
esperam olhando para seus pequenos aparelhos, janelas
para a realidade. Quase todos
hipnotizados, não levantam sequer a cabeça. O mundo deixou de existir para
eles, o mundo é o a tela dos celulares.
Quanto a mim, não gosto de olhar no
celular enquanto aguardo, eu não faço isso, eu sou uma observadora. Pois a mim interessa ainda a vida e os pequenos
acontecimentos, mas somente os momentos absolutamente comuns, aqueles que
constituem o cotidiano morno e rotineiro. Esses instantes são o meu tesouro, a pedra
bruta da minha escrita trôpega.
Então
eu me sento ereta e me sinto antiga como o mundo, eu, a mulher que observa. Imóvel, o rosto inexpressivo, faço
a cara de coelho, expressão que levei
anos para desenvolver. A técnica da cara de coelho começou a surgir quando eu
vi um coelho pela primeira vez em criança. Fiquei fascinada com aquela criatura
peluda. Então olhei para o coelho, diretamente em seus olhos e procurei
entender o que ele era, o que queria, busquei isso em seus olhos, mas, por mais
que eu olhasse e tentasse entender o coelho, ele não se revelava.
Lembro
do encantamento que senti pela criatura que se tornou um enigma para mim. Eu tentava
ver o coelho, mas era ele quem me via. Impassível, impassível. Ao longo dos anos, fui gostando cada vez mais
daquele bicho intrigante. Mais tarde descobri que os coelhos enxergam muito
bem, inclusive podem enxergar atrás de si. Seus olhos inabaláveis são também
instrumentos poderosos, com quase 360º de alcance.
Um
dia conversando com alguém, sem querer disse: Ah, não faça essa cara de coelho.
A pessoa me olhou, curiosa, sem entender o conceito, que expliquei, meio a
contragosto, o
que para mim era tão óbvio. Pois bem, quando viajo e observo o mundo e as pessoas é exatamente
essa expressão que uso: a cara de coelho. Afinal, não quero demonstrar o que
estou fazendo ali; eu, que tento captar de cada momento comum o que de
minimamente extraordinário ele possa
ter. Então fico imóvel, olhando para a frente, ereta e enquanto eles estão
distraídos, observo.
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Transformo-me
subitamente na mulher-coelho, a antiga, imperturbável, a mulher ancestral,
aquela que muito vê. E eu vejo. Com olhos de coelho. Mais tarde, o que vejo se
transmuta em palavra e a palavra em emoção. E quando o lapso de tempo mágico em
que eu posso ser a mulher-coelho acaba eu volto a ser apenas mais uma
passageira. E aí, aí sim, distraidamente pego meu celular, apenas para checar o
horário. E sigo meu destino, para quem sabe, na próxima parada, observar um
pouco mais.
Vanisse
Simone é Doutora em Educação pela UFPR, professora adjunta da UNESPAR,
co-editora da Contemporartes e de vez em quando se transforma na mulher-coelho.
*Imagens
retiradas da Internet sem fins comerciais.
1 comentários:
Lindo miga!!!! sejamos mulheres coelhos mais do que nunca, vamos ter um tempinho agora para treinar!!!!!!
22 de janeiro de 2017 às 17:59Abraço, Bel.
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