CRISÁLIDA
Era
com violência que eu negava qualquer manhã de encandecer. Se as janelas de
outra casa abriam-se para o campo e a mobília toda me chamava com ternura,
convidando o toque no tremor das mãos espantadas, eu cerrava os olhos dos olhos
com força, tentando afugentar a embriaguez da primeira vontade, quando a
meninice ainda se avizinha e somos qualquer coisa de interposto - as esquinas
insondáveis dos caminhos tortos, as trilhas paralelas dos arbustos e das
goiabeiras, a cozinha, o quarto, a rua. Quando uma semente inquieta quer
engendrar o próprio rebento, o vulto constrangido dos frutos conspira uma noite
escura. O templo do corpo consagra deuses incógnitos de épocas encovadas na
idade dos rios e os sermões todos repugnavam a reinação da minha pele cartográfica
sobre o imperativo do mundo. Eu descansava moça num sol frouxe e sem tédio.
Clara corria pela quadra. Na planta do pé, a terra amainava a brasa do meu
querer bravio – tinha ainda feição de cria nova, bicho solto em filhote,
saltava no correr das pernas, rolava pelo chão, fazia graça. Não havia a
obrigação dos laços e podíamos caminhar de mãos dadas enquanto dávamos as mãos
de palmas e linhas - os dedos se emaranhavam zonzos pela asfixia natural dos
abraços manufaturados. O sinal toca. A campainha dura. O seu gesto não
desconfia da cerração. A confusão mexida do meu desassossego de verdades
inconciliáveis. Os seus olhos, Clara, os seus olhos de folhagem inaugural. Era
com violência que eu negava qualquer manhã de encandecer.
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