DIÁLOGO E JUSTIÇA
A coluna Radar Lepcon recebe nesta semana a contribuição da professora Wanda Camargo, com uma análise muito atual dos conflitos interpessoais e da relação entre duas instituições sociais basilares.
Escolas,
professores e alunos envolvem-se cada vez mais em atritos, e muitos
deles terminam sobrecarregando nosso já superlotado sistema
judiciário, e não por desavenças envolvendo desacordos
trabalhistas, ofensas raciais e outras questões de fundo, mas por
desentendimentos sobre diferenças partidárias, de opiniões
políticas, de avaliações educacionais, em suma pequenas querelas
domésticas que poderiam perfeitamente ser resolvidas com um pouco
mais de paciência e bom senso de parte a parte.
Aparentemente,
esquecemos que a primeira regra de convivência é baseada na
gentileza, no ouvir os demais com empatia e falar com amabilidade, no
expor pontos de vista que, embora divergentes, não firam
susceptibilidades, firmeza não é sinônimo de deselegância ou
grosseria.
Quando
estas regras simples não prevalecem, é ainda possível apelar para
a moralidade, já que esta representa o conjunto
de valores, individuais ou coletivos, universalmente reconhecidos
como norteadores das relações sociais e da conduta dos homens, ou
seja, os princípios éticos que organizam a vida das comunidades,
definindo comportamentos desaconselhados ou permitidos.
Não
é o percebido atualmente: o apelo aos profissionais do Direito, em
lugar de último recurso, termina sendo o primeiro em qualquer
desavença. Segundo Luís Roberto Barroso, em texto escrito
ainda antes de ser Ministro do Supremo, onde abordava a crescente
judicialização da área da saúde, a Constituição brasileira tem
conquistado força normativa e efetividade, dado que a norma
constitucional não está mais sendo considerada apenas parte de um
documento meramente político, e sim como código normativo para
aplicação direta e imediata por juízes e tribunais.
Portanto, os direitos sociais transformaram-se em plenos direitos subjetivos, que comportam tutela judicial específica. No entanto, este mesmo jurista observa que “o sistema, no entanto, começa a apresentar sintomas graves de que pode morrer da cura, vítima do excesso de ambição, da falta de critérios e de voluntarismos diversos”.
Evidentemente,
multiplicam-se os gastos, distorcem-se as capacidades educativas para
defesas e acusações com auxílio de advogados ou defensores
públicos, reduz-se o tempo dispendido na área educacional; o
excesso de ações motivadas por incompreensões de parte a parte,
pela dificuldade de encarar o dissenso e muitas vezes pela perda
total da hierarquia ou senso de valor, pela dificuldade de aceitar
(ou exercer) a autoridade sem que esta se confunda com autoritarismo,
desorganiza a gestão escolar, e impede muitas vezes que recursos
públicos, como, por exemplo, os tribunais de pequenas causas, sejam
corretamente utilizados pela comunidade.
Sem,
portanto, desmerecer eventual necessidade de contenda fora do âmbito
escolar, tem sido cada vez mais urgente exercitar a prática da
conciliação, cada vez menos valorizada quando recorrermos à
justiça por todo pequeno problema.
A
instituição de ensino sempre esteve imersa num caldo cultural
típico de sua atuação, e nela a conversação ocupa lugar de
destaque no convívio, é falando que professores, alunos e
dirigentes transmitem seus conhecimentos, discutem os possíveis
avanços tecnológicos e científicos, debatem temas e apresentam
versões contraditórias das mesmas verdades, muitas das quais
prevaleceram em determinadas épocas, porém hoje não valem mais, ou
vice versa. Assim, renunciar à mediação, ao colóquio, representa
a destruição dos preceitos em que, teoricamente ao menos, baseamos
nossas vidas e todo o arcabouço do sistema educacional.
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