segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Eu sei e você sabe o que é frustração?


Rotina é treta, ultimamente me sinto bastante preso a ela, talvez seja o tal peso do amadurecimento, dores da emancipação, como diz Gilberto Gil na canção Jeca Total, que parece apresentar fragmentos de um pensamento, assim como tenta esse texto, que viaja pelos trilhos da CPTM, as cinco e pouca da manhã, como já dizia Zé Geraldo, eu vou para o trabalho e a lotação sacode.  


Como o role é grande, sobra tempo para pensar, as vezes até sonhar, desses sonhos de gente “madura”, “responsa”. Construir um puxadinho no quintal da família, uma relação saudável e de parceria com a pessoa amada, se pá um carro, até uma viagem apampa para o Litoral. Na estação Tamanduateí o trem esvazia e rola ir sentado até o Brás, aproveito para tirar um cochilo, com poucas exceções em que leio o Jornal ou acompanho algumas notícias pela linha do tempo do Facebook. Entre gifs fofos, exposições do ego, manifestações de ódio e uns Fora Temer, leio:
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/11/1830037-corpos-encontrados-na-grande-sp-sao-de-jovens-desaparecidos-diz-ouvidor.shtml

Na subida das escadas da estação da Luz que amanhece de ressaca, penso que os sonhos são um privilégio. De que vale sonhar se o que te espera é uma cova rasa na mata fechada de Mogi das Cruzes? a cabeça no amanhã pode te deixar desprevenido no hoje, e viver, pode ser também um privilégio. Para algumas vidas a anulação social parece segurança, passar desapercebido aos olhos covardes de uma sociedade banhada de sangue que não se contenta até afogar. Faz uma cota conheci um cara que tinha vários nomes e vulgos, sempre se apresentava com um diferente, pensei ser personalidades que assimilava, pessoas de seu convívio que se perderam no tempo ou no espaço, mas hoje penso ser uma proteção, sendo todo mundo, pode ele também ser ninguém, e aí, o que fazer quando existir se torna um crime? Fundam-se casas, penitenciárias, Leis de todos calibres e Pecs, tentam acabar com toda nossa munição, o crime, ser confundido com ninguém, sem nome, sem rosto, identidade, ou história, apenas mais um, um a menos. Sobre eles, apenas os antecedentes criminais. 

Parece que por onde os sonhos se perdem, as balas se perdem também, assim como a que encontrou o jovem Lucas Luís dos Santos Silva, na noite do dia 31/10, na Rua Fernando de Noronha, na Vila Sacadura Cabral em Santo André. O garoto Eduardo de Jesus Ferreira, 10 anos, que no dia 02 de abril de 2015, foi atingindo por disparos de policiais militares em frente a sua casa, no Complexo do Alemão. No dia 29/11 a 2ª Câmara Criminal de Justiça do Rio de Janeiro arquivou o caso, inocentando os policiais envolvidos. Ou das mães de maio, de outros meses e anos, que se acumulam em prantos, pelos finados filhos, que na solidariedade encontram forças, para amenizar com luta, esse genocídio. Ou será coincidência do destino a semelhança social entre esses meninos? Lugar errado na hora errada, se tivesse dentro de casa, situação de conflito, área de risco, fatalidade.

Enquanto contabilizamos nossos mortos, nos questionam, quem você salvaria, o policial ou o bandido? E no ciberespaço vivemos a ilusão de poder decidir quem vive ou morre, sem critérios ou argumentos, apelamos para moral de nossos umbigos e esquecemos dos valores cívicos, republicanos e constitucionais, choramos a perda da Democracia, até que em um lapso de lucides, percebemos que também são, privilégios. E aí, eu sei e você sabe o que é frustração?





Links sobre os casos supracitados:
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/10/jovem-e-morto-por-bala-perdida-apos- votar-na-grande-sao-paulo.html <visitado em 05/12/2016>
https://anistia.org.br/entre-em-acao/email/acao-urgente-justica-para-eduardo/ <visitado em 05/12/2016>
https://www.facebook.com/maes.demaio <visitado em 05/12/2016>



Augusto Lopes Ferreira é historiador pelo Centro Universitário Fundação Santo André - CUFSA. Atuou como professor de História na rede estadual e privada.  posteriormente migrou para Saúde mental, tendo atuado em República Terapêutica Infanto Juvenil e atualmente no Programa De Braços Abertos. Amante das musicalidades, estuda e treina percussão, violão e os ouvidos.

1 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns Augusto!!!! estreou na revista em grande estilo. Boa, importante reflexão, apesar do tema hard, texto inteligente e fluido. Vida longa na ContemporArtes! abraço.
Bel

5 de dezembro de 2016 às 22:03

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