O PRECONCEITO NO ARMÁRIO DE VIDRO



Quem nunca ouviu a expressão: “ah ele está no armário!” ou “ela saiu do armário!”. Ambas significam, respectivamente, esconder e assumir a orientação sexual. No entanto, enquanto esse armário esconde a sexualidade de uns, de outros ele esconde o preconceito.

Ser taxado de preconceituoso não é algo legal socialmente, ser identificado como racista, por exemplo, não é algo que um indivíduo deveria ter orgulho. Mas e quando independente disso você o tem? O que fazer com ele? Nesse instante vemos o preconceito se esconder no armário e se camuflar nas mais diferentes e inúmeras desculpas.

Há aqueles que abertamente dizem ser homofóbicos que não gostam e tem nojo, mas em maior proporção temos aqueles que apesar de não admitirem ser homofóbicos, podemos notar claramente em suas falas certa aversão, como no caso recente do Marcelo Dourado em suas declarações polêmicas sobre a AIDS. Boa parte dessa homofobia está camuflada nos argumentos religiosos de pecado, em outras estão escancarada em idéias machistas.

Quando não dá pra guardar o preconceito dentro da gente, nós o colocamos em uma versão mais socialmente aceita. Ou ninguém nunca ouviu uma pessoa chamar um homossexual de sapatão e / ou bichinha? Para a sociedade isso é normal e até corriqueiro chamar o outro na intenção de ofender e brincar. Mas e para quem é alvo dos termos pejorativos, isso soa como o que? Preconceito não é?

Entendo aqui homofobia como medo, aversão ao homossexual observamos como infelizmente ela é vista para muitos como uma opinião que deve ser respeitada e não como preconceito. Em sites religiosos observa-se isso escancarado quando entidades religiosas combatem a criação de uma legislação para criminalizar a homofobia.

A homofobia tem toda uma trajetória e raízes numa tradição cultural machista, patriarcal e acima de tudo hipócrita. Não adianta, se o armário que esconde a sexualidade é de aço, o que encobre a homofobia é de vidro, onde mesmo dentro do armário a gente vê o preconceito.





Daniele Leonor Moreira é coordenadora da equipe de avaliação/ revisão da Contemporâneos - revista de Artes e Humanidades e estudante de História da Universidade Federal de Viçosa. Uma das atuais coordenadoras do projeto Primavera nos Dentes




Vozes da Globalização - Módulo 1 - Identidades e Diversidade Sexual

Grátis, com direito a certificado. Todos os sábados às 10h30 na Casa da Palavra (Praça do Carmo, 171, Santo André).

HOJE - 17/4
Valéria Melki - 10h30
Homossexualidade feminina e religião. Uma construção histórica.



Valéria Melki Busin possui graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1989) e mestrado em Ciências da Religião na PUC/SP . Atua principalmente nos seguintes temas: homossexualidade, religião e gênero. Autora de Lua de Prata.




"LUA DE PRATA
QUANDO A PAIXÃO ACONTECE ENTRE MULHERES"
de VALERIA MELKI BUSIN
Resumo: Publicado em 2003, o livro trata da história entrelaçadas de mulheres. Ana Maria entra em choque ao descobrir a traição de sua mulher Rita. Ao mesmo tempo, sua colega Mirella está às voltas com uma difícil separação de seu violento marido. As duas ficam amigas e juntas abrem novos caminhos para o amor, o prazer e a felicidade.


Disponível para compra no site do Submarino.
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O CONTESTADO, UMA GUERRA INSEPULTA






Contribuição do cineasta e leitor da ContemporARTES Sylvio Back (*),
comentando sobre seu novo filme O Contestado, Uma Guerra Insepulta
Filme escolhido para participar do Festival "É Tudo Verdade"


 O CONTESTADO, UMA GUERRA INSEPULTA


                      Sylvio Back é cineasta, poeta, roteirista e escritor. Filho de imigrantes hún­garo e alemã, é natural de Blumenau (SC). Ex-jornalista e crí­tico de cinema, au­todidata, inicia-se na direção cinematográfica em 1962, tendo escrito, dirigido e produzido até hoje trinta e sete filmes – entre curtas, médias e onze longas-metragens, esses, a saber: Lance Maior” (1968), A Guerra dos Pe­lados” (1971), Ale­luia, Gretchen” (1976), Revo­lução de 30” (1980), Repú­blica Gua­rani” (1982), Guerra do Bra­sil” (1987), Rádio Auriverde” (1991), Yndio do Brasil” (1995), Cruz e Sousa O Poeta do Des­terro” (1999), “Lost Zweig” (2003), e “O Contestado – Restos Mortais” (2010).
Tem editados vinte livros entre poesia, ensaios e os argu­men­tos/roteiros dos filmes, Lance Maior”, Aleluia, Gret­chen”, Re­pública Guarani”, Sete Quedas”, Vida e Sangue de Po­laço”, O Auto-Retrato de Bakun”, Guerra do Brasil”, Rá­dio Auriverde”, Yndio do Brasil”, Zweig: A Morte em Cena”, Cruz e Sousa O Poeta do Desterro” (tetralíngüe), Lost Zweig” (bilíngüe) e A Guerra dos Pelados”.
Obra poética: O ca­derno eró­tico de Sylvio Back” (Tipografia do Fundo de Ouro Preto, Minas Gerais, 1986); Moedas de Luz” (Max Limo­nad, São Paulo, 1988); A Vinha do De­sejo” (Geração Editorial, SP, 1994); Yndio do Brasil” (Poemas de Filme) (No­nada, MG, 1995); bou­doir” (7Le­tras, Rio de Janeiro, 1999); Eurus” (7Letras, RJ, 2004); Traduzir é poetar às avessas” (Langston Hughes traduzido) (Memorial da América Latina, SP, 2005), Eurus” bilíngüe (português-inglês) (Ibis Libris, RJ, 2006); kinopoems” (@-book) (Cronópios Pocket Books, SP, 2006); e As mulheres gozam pelo ouvido” (Editora Demônio Negro, SP, 2007).
Com 72 láureas nacionais e internacionais, Back é um dos mais premiados cineastas do Brasil. 
– 



Por ser um cineasta cuja obra é seduzida pela ânsia de reverter as falácias e o esquecimento da história oficial, a obsessão reside em  responder qual a diferença entre realidade bruta, memória e encenação (territórios minados por onde trafego impunemente), quando convertidos em celulóide e/ou  digital?
Desmobilizando essa ilusória noção, resta a única certeza de que entre elas a ficção tem que fazer sentido! Depois, é sabido, o passado como o presente, não permanece estático, está em permanente movimento e mutação. É "outro" toda vez que retornamos a ele. Foi o que me aconteceu ao revisitar a Guerra do Contestado quarenta anos depois (o filme anterior ,“A Guerra dos Pelados”, uma ficção, foi escrito e rodado entre 1969/1970, estreando no ano seguinte): ambos mudamos a ponto de não nos reconhecermos mais! Isso é o mais fascinante na formatação de uma narrativa moral que mexe com a história sem procurar atropelá-la nem lhe impor viseiras. Nessa hora sempre me ocorre, como se um chamamento à lucidez fora,  frase de um dos personagens de “O mensageiro” (1970), brilhante filme de Joseph Losey: o passado é um país estrangeiro, lá tudo é diferente. Ou seja, é preciso estar sempre com o passaporte em dia!

Drama fundador


Se o Brasil é, muitas vezes, refém ora de explicações apocalípticas ora utópicas (o que nos remete aos fanáticos do Contestado), a começar por esse seu drama fundador, a questão da terra, o epílogo da trágica Guerra do Contestado supera a metáfora, desmonta o mero simbolismo. Tudo fica menor diante do genocídio que a repressão protagonizou nos últimos meses da refrega, e mesmo depois de assinada a paz e refeitas as fronteiras entre Paraná e Santa Catarina.
A história do Brasil, tão a gosto de quem se mira no obscurantismo, é um túmulo quanto a esses eventos únicos em território nacional. Justamente por abrir um libelo acusatório em que ninguém é inocente. Afinal, no Contestado vingaram as primeiras idéias de que o exército não poderia continuar “força tarefa” de “coronéis”. Dali saiu uma jovem oficialidade, alguns ferrenhos inimigos da liberdade e com um olhar preconceituoso em relação ao brasileiro inculto dos sertões e das cidades. Carregados desse ideário e de fuzis e baionetas, protagonizaram as subversões da década de ‘20 (Forte de Copacabana, tenentismo, Coluna Prestes e a dita “Revolução de 30”), estendendo-se à ditadura Vargas e, ao seu derradeiro vagido, o golpe de 64, tornando o século XX e a cúspide do atual numa permanente ameaça à nossa frágil democracia.

Por tudo isso, com uma iniludível modernidade, a Guerra do Contestado, que seria mero levante de fanáticos, mas que além da terra, almejavam o poder, confrontando o nascente capitalismo no interior do Brasil, desvela uma água forte de arrepiar, cujo desfile de algozes é magistral: crimes & impunidade, politicalha, corrupção, desmandos e o famoso “deixa estar pra ver como fica” – aliás,  a melhor definição que encontro para definir o Brasil de hoje.

 

Elenco plasmático



Monges, pitonisas, fanáticos, messias, curandeiros, farsantes, cristãos & mouros, desterrados, kardecistas, mártires, salvacionistas, beatos, joanas d'arc, místicos, santarões, prestidigitadores, assassinos, grileiros, mães-de-santo & babalorixás, mitômanos, videntes, mandões, sebastianistas, conselheiros, virgens-santas – um elenco plasmático que ronda e enreda a nação há quinhentos e dez anos, desde quando Cabral deixou aqui os primeiros "neobrasileiros". Dois grumetes desertores e dois degredados: como o país tem sobrevivido a um carma maldito desses, a impressão digital da bandidagem na sua origem telúrica, é algo que até hoje me comove e fascina. Motor, aliás, anedótico, poético e estético de toda a minha filmografia,  francamente, na contramão da história oficial, seja para que lado e viés ela se manifeste.

Foi quando, confrontado com esse panteão místico que contamina do início ao fim, ambos trágicos, a submersa, mal conhecida, quando não, ignorada pelos historiadores, Guerra do Contestado (1912-1916), violento conflito armado sobre posse & usurpação da terra que ensangüentou o centro-oeste de Santa Catarina, que o ex-agrimensor (testemunha de relatos dos sobreviventes que transformou em livro), Euclides Fhilippi, ele próprio cultor das ciências ocultas, perguntou, olhinhos azuis de 90 anos:
– O senhor é espírita?
Surpreso, mas deu tempo de responder sem titubear:
– Sou cineasta!
Ele sorriu, mas logo fechando a cara, confidenciou.
– Pois é, senhor Back, há mais de quarenta anos, no nosso centro espírita, aqui em Curitibanos (SC), uma mulher foi "tomada" pelo espírito do Adeodato, o líder dos caboclos revoltosos do Contestado. Foram precisos quatro homens para dominá-la, pois ela, com uma espada imaginária à mão, pôs-se a agredir as pessoas, soltando frases desconexas, mas que nos remetiam ao evento. Impossível remontar e freqüentar personagens e acontecimentos do Contestado sem recorrer às forças do invisível – sentenciou.


Primeiros influxos


Imediatamente, lembrei do poeta Friedrich Novalis (1772-1801), cuja sentença, "Todo visível adere ao invisível" já havia me inspirado há quarenta anos na escritura do roteiro e nas filmagens de "A Guerra dos Pelados" em 1970. Numa cena de incorporação fake do espírito do monge José Maria, "santo guerreiro" inspirador do Contestado, a atriz do filme, Dorothée-Marie Bouvier, no papel de uma das "virgens-santas" e "comandante de fé" dos fanáticos, não conseguia passar a "verdade" da encenação. Então, recorri a um ator que, descobri médium, pois a cada manhã me dizia: "Você tá carregado hoje" e projetava  passes exorcizantes sobre o meu corpo! Não deu outra: segurando a mão da atriz fora da cena enquanto filmávamos, ele provocou, eu diria, uma espécie de para-transe nela. A cena ficou soberba. Depois, Dorothée ainda permaneceu minutos intermináveis mediunizada, e eu tendo que ouvir a mãe, francesa, em pânico, me xingando e ameaçando de morte, a propósito, na língua de Allan Kardec (1804-1869), o que não deixou de ser um luxo! Felizmente, o cinema nos salvou: impresso tudo em celulóide, ela está lá, até hoje, em cores, maravilhosa!

Portanto, quando retornei ao tema, há quatro/cinco anos, assoberbado por uma centena de livros, tudo voltou à tona como um cadáver perdido no mar. Algo estranho e horrível que já vem me perturbando nas últimas décadas. Apesar de inúmeros estudos recentes, profundos, consistentes e originais, no meio acadêmico, inclusive, nos Estados Unidos, a Guerra do Contestado vem sumindo, o Contestado está se tornando invisível, seus personagens mortos e o imaginário esmaecendo, ainda que um manto de silêncio, compromisso e medo, insista em corroer o que sobra incólume e acusador. Como se uma sensação de lesa-pátria catarinense (se isso existir!, originário que sou do Estado) me empurrasse para não deixar, sim, insepulto os milhares de corpos mortos de fome, massacrados e torturados clamando por alguns átimos de resgate de uma história madrasta como a do Brasil.


Docudrama


Talvez eu seja, com este docudrama (mix de doc & fic), "O Contestado – Restos Mortais", o primeiro cineasta brasileiro a fazer um novo filme sobre o mesmo tema (com pegada para-documental, digamos assim, e não ficção pura como em "A Guerra dos Pelados") desfazendo equívocos pessoais e alumiando novos meandros históricos sobre e em torno da Guerra do Contestado. E isso só foi possível sobrevoando e dando vôos rasantes não apenas literalmente de helicóptero aos principais redutos da resistência cabocla (Taquaruçu, Caraguatá, Calmon, Mattos Costa (ex-São João dos Pobres), Perdizinhas, Santa Maria, etc.), arriscando entendê-lo naquilo que hoje são apenas sombras, esquivas lembranças e um imemorial mítico.

Uma memória mítica absolutamente viva no éter, mas inapreensível a olho e ouvidos nus. Claro, nessa hora remontaram indeléveis à minha mente aquelas inusitadas filmagens de Dorothée-Marie Bouvier "falsamente" em transe, pois repetia os diálogos que eu havia escrito: agora, o Contestado vem à luz dos refletores e das câmaras através de uma autêntica, ainda que soe polêmica, instância do inconsciente coletivo da história do homem, da própria história: o transe mediúnico. No caso, o chamado "homem do Contestado", civis e militares, pelados & peludos (os caboclos raspavam a cabeça a zero para se diferenciar dos peludos, militares e mercenários que portavam longas melenas), adolescentes e mulheres guerreiras, crianças, todos estropiados em quatro anos de guerra civil num território do tamanho do Estado de Alagoas.

Uma revolta só debelada com a entrada de quase a metade do efetivo do exército brasileiro, equipado com moderno armamento depois usado na I Guerra Mundial. Inclusive, o uso de aviões para observação e que, por conta de acidente com um deles, a missão de jogar bombas sobre os sertanejos foi abortada. Mas era, sim, o objetivo almejado pelo general Setembrino de Carvalho, comandante das tropas no Contestado, que vinha do Ceará onde, como interventor nomeado pelo presidente Hermes da Fonseca, havia esmagado sedição armada pelo padre Cícero.


Capitalismo nascente


Abertamente contrastando com Canudos (1896-1897), mesmo que em comum surjam aqui e acolá pontos de similitude, como o messianismo, a luta pela terra, um sonho de socialismo rupestre virando pesadelo, e o enfrentamento desigual e a repressão assustadora do exército da recém-criada República, os quatro anos do Contestado foram tudo isso, abrigando uma complexidade político-ideológica nunca antes vista no campo brasileiro (até a sua destruição foi mais traumática, quando não, de uma expertise cirúrgica inédita).

Complexidade essa, aliás, que permite se afirme que o capitalismo tal qual o conhecemos hoje no Brasil nasceu no Contestado. Mesmo quanto ao ideário utópico que sedimentou a revolta dos jagunços catarinenses, ali vicejou um "romântico" igualitarismo semelhante ao dos catecúmenos da nascente Cristandade, sem direito à propriedade privada, como em Canudos. A par de um conflito histórico de fronteiras entre Paraná e Santa Catarina, a modernidade da chegada ao hinterland catarinense de capitais forâneos construindo a estrada de ferro São Paulo-Rio Grande, a Brazil Railway Company (que levou à região milhares de trabalhadores de outros estados) e instalando a maior serraria da América Latina, a Lumber Colonization, todas empresas do magnata norte-americano, Percival Farqhuar, foi um dos pivôs que detonaram e alimentaram o conflito.

De papel passado, fajuto ou não, das terras recebidas do Governo próximas ao trajeto da ferrovia, e em conluio com os "coronéis" e grandes fazendeiros do Paraná e de Santa Catarina, uma milícia particular provocou a maior matança e êxodo de caboclos, posseiros, pequenos proprietários de que se tem notícia na história recente do Brasil. Nem por isso a reação dos jagunços, adverte o brazilianista, Todd Diacon, da Universidade do Tennessee, doutorado no tema, configura uma luta antiimperialista no Contestado. Simplesmente, ele reitera, porque para os rebeldes, que nem conheciam o pavilhão nacional, o “império” era o Brasil, os coronéis mancomunados com o capital estrangeiro, os militares que foram reprimi-los para proteger suas propriedades e investimentos.


Estopim da guerra


Por um instinto de sobrevivência, ao primeiro chamamento para se reunirem em torno de mitos, não demorou a surgirem na região magotes ensandecidos, desafiando a "desordem" institucional existente! Esse choque de "desordem" contra "desordem" frutificou numa inédita sangria de homens e mulheres (em torno de quinze mil civis e militares), cujas "almas sofridas e perdidas" vieram pedir socorro ao nosso filme!

Com tudo isso em ebulição, dá para fabular que, para que houvesse um estopim, bastava que a fronteira contestada entre Santa Catarina e Paraná, úbere em erva mate e madeira, fosse rompida por alguém. E em 1912, um monge de nome José Maria, vendendo terras devolutas do Paraná (Irani) para duas dezenas de caboclos catarinenses, instalou-se em cima do fio da navalha. Nem será preciso contabilizar quantos soldados e fanáticos ficaram sem sepultura após uma horrenda refrega que conflagrou não só Curitiba (PR) e Florianópolis (SC), mas o próprio presidente, marechal Hermes da Fonseca e, logicamente, o exército, que logo enxergou ali um novo Canudos. Tanto é que a repressão militar não tardou a se mobilizar e se fazer sentir com metralhadoras e canhões.

Na mesma intensidade que dentro das dezenas de cidadelas, os caboclos, antes simples crentes e pacíficos, para sobreviver, passaram a praticar apropriações de alimentos e animália, que diziam "débitas", de comerciantes e fazendeiros da região. Ao mesmo tempo, constrangidos por chefetes fanatizados, como o já citado, "comandante" Adeodato (que, entre o exército teve o seu equivalente no capitão Potiguar, uma versão sulina do famoso coronel Moreira César, de Canudos), instalou-se um regime de terror nunca antes visto no Brasil. Um terrorismo, por sua vez, igualmente agenciado pelos chamados "vaqueanos", asseclas do coronelato e tropa  assalariada pelo exército, que não só ameaçava os seguidores que fraquejassem, como espalhou um imaginário fantasmagórico sobre seu poder de persuasão e violência que sobrevive até hoje, com os contornos tão assustadores e impensados que tivessem ocorrido entre nós.

 

Transe é poesia



Por aí, sem muita nitidez e tateando pelas veredas que a história oficial do Contestado escamoteia, desvirtua e se cala, arregimentei trinta médiuns ao longo de meses de contatos presenciais em sessões espíritas no teatro de operações do conflito e em Florianópolis (SC), e os transformei em "influxos condutores da linguagem" (se a expressão couber, e cabe!) do filme.

Dessa forma, "O Contestado – Restos Mortais" é agora a formalização concreta em fotogramas do que apenas ensaiei em "A Guerra dos Pelados": o contundente poder narrativo da mediunidade, um discurso sempre cifrado, poético e atemporal, quando menos, profético e dispersivo, a assumir a condição de ogro cinematográfico introduzindo o espectador à invisibilidade da Guerra do Contestado. Para atingir essa, digamos, intimidade com os médiuns, fizemos questão (o cineasta Zeca Pires, meu diretor assistente, e eu) de jamais industriá-los sobre o que queríamos saber ou ouvir na hora da filmagem e da gravação.

Foi o suficiente para, mais uma vez, tomarmos consciência o quanto o Contestado vem sumindo na memória das pessoas, reforçado pelo fato de que nos livros didáticos, essa verdadeira guerra civil nos sertões do sul brasileiro é citada com meia dúzia de palavras, quando não inteiramente omitida sobre os grandes perrengues sociais e políticos que tumultuaram a chamada Primeira República (1889-1930). Temíamos, inclusive, que na efetivação das filmagens nossos "desejos" fossem telepaticamente "lidos" pelos médiuns, por isso nada foi pedido ou insinuado previamente. Ficamos todos, equipe e médiuns submetidos ao território do desconhecido, do mistério. E isso transparece nas quase dezessete horas de captação de imagens & sons de médiuns em transe: o inesperado, o susto, a coincidência, a descontinuidade do espaço e do tempo, a pertinência de vozes, testemunhos, grunhidos, dores, berros, risos e gargalhadas, a mais intrigante e desconcertante poesia. Cada transe, uma estrofe, um poema épico, estranha ária de uma ópera mental. Bela e, também, assustadora catarse exalando amperagem dramática e "verdade" míticas que foram conflagrando a todos, crentes e descrentes.


Segunda pele


Nessa ânsia de chegar ao âmago da invisibilidade do Contestado, foi surpreendente sentir como ela vem atracada ao real como uma segunda pele, a que está fora dos livros, dos relatos oficiais, da memória viciada tanto pelo que disseminou o vencedor quanto ao que escapou da crônica do vencido. Aliás, trata-se de um incontornável truísmo, mais uma vez comprovado: ambos mentem, vencedor e vencido, como descobri estudando o arcabouço castrense da Guerra do Paraguai (1864-1870) para o doc, "Guerra do Brasil" nos anos setenta: onde refulgia que os aliados (Brasil, Uruguai e Argentina) inflavam suas vitórias, os paraguaios descontavam, contando o mesmo enredo, jamais reconhecendo a debâcle. Como se a guerra, o "nosso" Vietnã avant la lettre do século XIX, tivesse terminado empatada! Diriam os chineses: a verdade está mesmo no fundo do poço.

Assim, para o bem e para o mal, "A Guerra dos Pelados", de há quatro décadas, e o inédito "O Contestado – Restos Mortais", recém-concluído, com a inusitada duração de 155 minutos e lançamento nacional no segundo semestre de 2010 – ambos os filmes parece que foram feitos por dois cineastas diametralmente opostos. Não apenas quanto à narrativa e realização cinemáticas, mas em todos os sentidos: da apreensão crítica da linguagem, digamos, "imaterial" da mediunidade, que ensejou uma estética supra-real, ao sentido político-ideológico do tema; do questionamento existencial às mais pertinentes incursões filosóficas e morais. Com “O Contestado – Restos Mortais” acabo de concluir o meu melhor filme: não existe maior alegria do que esta! ---







(* ) Sylvio Back, cineasta, poeta, roteirista e escritor,
autor de 37 filmes (11 longas-metragens) e de
21 livros (entre roteiros, poesia e ensaios);
em preparo: o doc de longa, “O Universo
 Graciliano”, e a ficção, “A Angústia”, baseado no 
romance de Graciliano Ramos.










O CONTESTADO – RESTOS MORTAIS (2010)

Filme de Sylvio Back


(Digital, Cor/PB, 155 min.)

Sinopse

Com o testemunho de trinta médiuns em transe, articulado ao memorial sobrevivente e à polêmica com especialistas, "O Contestado – Restos Mortais" é o resgate mítico da chamada Guerra do Contestado (1912-1916). Envolvendo milhares de civis e militares, o sangrento episódio conflagrou Paraná e Santa Catarina por questões de fronteira e disputa de terras, mesclado à eclosão de um surto mes­siânico de grandes proporções.

 

Ficha técnica

 

Produção Usina de Kyno/Anjo Azul Filmes 

Fotografia e câmara Antonio Luiz Mendes 
Diretor assistente Zeca Pires 
Som-direto Juarez Dagoberto 
Montagem/edição  Sylvio Back/PH Souza 
Abertura/efeitos visuais Fernando Pimenta 
Produção PH Souza 
Produção executiva  Margit Richter 
Pesquisas, roteiro e direção Sylvio Back 














































































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Contribuição do leitor - O belo artístico na obra de Andy Warhol


Posto hoje uma contribuição de Douglas Negrisolli, mestrando em Educação, Artes e Culturas pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie que tem como tema a discussão da estética da obra de Andy Warhol e o que o artista reflete na sociedade e os produtos de consumo. Warhol, um dos mais significativos artistas pós-anos 60, tem algumas de suas obras em exposição na Pinacoteca de São Paulo (Andy Warhol, Mr. America, 20 de março a 23 de maio de 2010). Não deixem de checar in loco a parte da produção desse que é um dos grandes artistas do século XX.
Recomendo também a leitura de um artigo meu que dialoga com o de Douglas:
Um reencontro com Warhol em Buenos Aires

Deixo agora a palavra com Douglas.

Fernanda Lopes Torres é pesquisadora e historiadora da arte e escreve às quintas-feiras, semanalmente, na Contemporartes - Revista de Difusão Cultural.



                                             Turquoise Marilyn

O belo artístico na obra de Andy Warhol (Parte 1)
 Douglas Negrisolli
Universidade Mackenzie
                               
O conceito de beleza e cultura


           O belo nas artes plásticas determina a razão e a emoção dessa arte existir, sobretudo o sentimento de uma expressão diversa dentro de um grupo de pessoas, grupo este, que varia incessantemente o conceito de beleza através do tempo em que vivem.
    "A beleza não é universal" (CHOCHOFEL, p. 93) nas artes plásticas, elas representam um grupo dentro de um período histórico, e variam de acordo com diferenças regionais, por exemplo, o belo para um contemporâneo a Ticiano, pode não se qualificar tão belo para Mondrian, ou ao contrário. Visto que a arte tem sua capacidade de transformação e de transformar, a mais significativa é a comunicabilidade entre a obra, o artista e o público; para eles, a necessidade de uma ‘sensibilidade cultivada’ é importante para suprir as expectativas de uma pintura que agrade a todos.
    A beleza de uma pintura abstracionista, está no fato de não representar o objeto explícito, a forma secular de algo que se quer representar, a arte escultórica, dependendo do estilo e vanguarda, está muito ligada na forma e no volume. Todos estes tipos de expressão estão presentes em épocas diversas e ideologias que ora atraem as direções de uma classe dominante, ora fazem ruptura a elas, como o caso da Pop Arte estadunidense.
    O simbolismo nas artes visuais produz uma ligação com o presente em que o artista está produzindo; geralmente os símbolos são representações visuais simplificadas com o intuito de "não apenas ser visto e reconhecido, mas lembrado, e mesmo reproduzido" (DONDIS, 1997, p. 91). Os símbolos formam idéias ou fáceis motivações artísticas, sobretudo os artistas da Pop Arte utilizaram muito desse recurso estilístico para promover uma ruptura com o Expressionismo Abstrato. As representações simbólicas podem sair da natureza e serem reduzidos e simplificados ao máximo, também podem ser motivados de outros elementos como os media da Pop. Um ícone desse simbolismo da arte Pop foi Robert Indiana, de origem popular, ele intencionalmente produziu sequências de números como insígnias em todos os seus quadros e esculturas.
    A motivação artística e as representações na perspectiva do pensador Roger Chartier, "são formas simbólicas diferenciadas de interpretação que os diversos grupos sociais elaboram de si mesmos" (CHARTIER, 1990). As diferentes leituras são provenientes de uma construção histórico-social com práticas concretas da sociedade em que se observa, ainda mais no contexto do artista que está inserido nessa sociedade ou a margem dela.
    “O objeto artístico possui o conteúdo indissociável da forma” (CHOCHOFEL, p. 94), ou seja, o objeto é intrínseco a materialidade ou falta dela, relacionada com o sujeito que a produz, observado pela critica da comunidade que observa esta arte. Certas formas de arte, apesar de não serem universais, tornam-se objetos de conceitos únicos, principalmente motivados pelas mudanças tecnológicas, a Pop Arte criou uma intensa identidade visual com o mundo capitalista no momento em que torna exatamente esses produtos de consumo e do cinema como objetos de arte.

O impulso Pop


    A Pop Arte foi um movimento não organizado, que teve seu impulso no início com artistas ingleses que, como Richard Hamilton, na sua colagem Just what is it that makes today's homes so different, so appealing? exposta na Inglaterra, na exposição This is Tomorrow(1956), na famosa WhiteChapel Art Gallery, que foi uma exposição única, uniu arquitetos e artistas plásticos a fim de criarem espaços que refletissem o futuro do urbanismo e arte. Foi uma exposição bastante criticada pelo público que não estava preparada pra idéias tão ousadas e novas, como a colagem de Hamilton contrapondo-se a velha arte.
    Um importante artista para o Pop britânico foi Jasper Johns, que desde 1954, preocupava-se em demonstrar o vazio da arte e remontar a idéia de que o novo seria na arte. Ele propõe novas nuances nos objetos, muitas vezes trabalhados com detalhes; a interpretação de suas obras reflete a multiplicidade de coisas simples tornando-as únicas. Porém Johns não se considerava um artista Pop, mas teve um importante papel por abrir caminho à ela.
    Alguns elementos importantes da arte como os happenings se tornam vitais nas "tentativas estéticas de fugir do isolamento auto-escolhido pelas avant-guard” (DEMPSEY, 2003, p. 118), ou seja, de contrapor-se aos dogmas artísticos burgueses, que até o momento predominavam o bom gosto de acordo com as pinceladas do Expressionismo Abstrato, que encontrava muita força nos EUA, sobretudo, na personificação de Jackson Pollock (1912-56). Os happenings são expressões artísticas que se utilizam de construções frequentemente em conjunto com o público, para criar estímulos visuais, muito influenciados pela fotografia e música.
    Os readymades também foram utilizados pelos artistas da Pop Arte, originário do Dadaísmo, é um método criado por Marcel Duchamp, onde os objetos “não eram selecionados pelo gosto, mas baseada numa reação de indiferença visual"6. Na Pop, serviram mais para desvencilhar a arte burguesa e se referir aos produtos de massa como sinteticamente visuais e criar neles um interesse artístico de certa forma, banalizados.
    A Pop Arte chegou aos EUA, quando alguns artistas ingleses foram estabilizar moradia em Nova Iorque, mais especificamente na ilha de Manhattam. Na gíria das ruas, o pop, deu início para o nome característico dessa arte que é sobretudo uma arte dos Estados Unidos por excelência, "sua obra remetia um imaginário urbano que se espalhava por todos os lugares, tais como grafitte e publicidade" (DEMPSEY, 2003, p. 118). O termo "Pop Art" foi caracterizado por Lawrence Alloway, crítico de arte inglês que usou este termo pela primeira vez para designar os produtos de mass media, mais tarde ele se muda para Nova Iorque.
    A iconografia proposta pelos artistas contemporâneos, surgidos de uma relação pragmática com a classe média, que sem dúvida, necessitavam desta venda de arte para sobreviver. Os motivos usados foram elementos cotidianos de consumo, os enlatados de Warhol, os quadrinhos de banda desenhada de Roy Lichtenstein, o sensualismo das pinp ups, mulheres que representavam o esteriótipo desejado, de Wesselmann.

                                 Electric Chair

CONTINUARÁ EM 29.4
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Debate sobre a vitória do Dourado


Dando continuidade à discussão levantada na minha coluna na última semana, Diversidade sexual e o pandemônio do Grande Irmão Global, sobre a vitória do lutador Marcelo Dourado no BBB 10, hoje publicamos a opinião do estudante Filipe Batalha. Viso, assim, polarizar o debate dando espaço a expressão de uma opinião contrária a minha. Filipe torcia pela vitória do lutador, embora soubesse que ele tinha muitos defeitos. Veja texto a seguir:

SOBRE A VITÓRIA DE MARCELO DOURADO
 Filipe Batalha de Oliveira
Estudante de História da
Universidade Severino Sombra (Vassouras - RJ)

Marcelo Dourado venceu o Big Brother Brasil 10, por três grandes motivos.

Em primeiro lugar, porque vivemos em uma sociedade altamente preconceituosa, em segundo lugar, porque como já tinha sido um bbb, logicamente ele já entrou na casa com o intuito de não cometer os mesmos erros novamente, e em terceiro lugar, porque os novos brothers se mostraram muito “sem sal”.

O lutador disse por várias vezes durante o programa, que o seu principal objetivo era “limpar sua barra com o público”, já que na sua primeira chance, foi eliminado e julgado como uma pessoa ruim. Porém Marcelo Dourado não conseguiu se manter calmo por muito tempo na casa, e o fato de ter que dividir seu espaço com três homossexuais, o irritou claramente.

Desde a primeira semana do programa, as enquetes deixaram bem claro que os participantes com as maiores chances de vencer eram Dourado e os três homossexuais (Angélica, Dicésar e Serginho). Marcelo foi adversário direto de Angélica e Dicésar durante o programa, tiveram várias discussões e trocaram agressões verbais.

Muitas das vezes Dourado se destacou quando ficou frente a frente da Jornalista e do Maquiador no paredão, ambos os paredões quebraram o Recorde de votação, a meu ver,  por representar um “modelo de masculinidade” contra um homossexual.

Nos dois confrontos, o lutador levou a melhor e colocou ambos os gays para fora do jogo, isso graças a nossa sociedade homofóbica e machista.

Dourado deixou bastante claro de que se incomodava com as brincadeiras e as conversas ligadas ao homossexualismo e sexo em alguns momentos, principalmente durante as refeições. Marcelo também foi ignorante e preconceituoso em algumas conversas, como por exemplo, quando disse que o vírus HIV era transmitido somente pelos gays. Isso tudo eu posso dizer que concordo com o texto de Ana Dietrich.

Porém, não posso deixar de explicar meu ponto de vista em relação à vitória de Marcelo Dourado no Big Brother Brasil 10, sem descrever sua trajetória no programa. Dourado foi um dos brothers que tiveram a chance de retornar a “casa mais famosa do Brasil”. Juntamente com Joseane do BBB-3, ele voltou ao jogo, e o casal fechou o grupo dos dezessete participantes dessa décima edição.

Joseane e Dourado foram os alvos na votação da primeira semana, porque no julgamento dos novos brothers, ambos já teriam tido suas chances anteriormente. Porém, para sorte de Marcelo, Jose foi o primeiro anjo dessa edição, e acabou por imunizá-lo, ficando sozinha na mira de fogo. A ex-miss foi indicada ao primeiro paredão e com 61% dos votos, foi a primeira a deixar a casa.

A partir desse momento, o lutador se viu “sozinho” no jogo, já que estava sendo de certa forma, “discriminado e julgado” pela maioria dos colegas de confinamento. Com isso, Marcelo acabou recebendo o apoio do maior aliado que um BBB pode ter (o público). E mais uma vez para sorte de Dourado, ele acabou recebendo também, o apoio de Eliane (Lia) e Carlos Eduardo (Cadu), formando assim, um trio quase perfeito, já que os três conseguiram permanecer juntos até a etapa final do programa, dividindo a casa somente com a dentista Fernanda, (vice-campeã) da edição.

O lutador não foi líder nenhuma vez, mais seus escudeiros (Lia e Cadu), ganharam a liderança por mais de uma vez cada, principalmente Cadu, que foi líder por cinco vezes, o que ajudou na permanência de Marcelo na casa. Dourado teve foi muita sorte, e deve sua vitória, não apenas as pessoas que votaram a seu favor, mais deve também a esses três companheiros que o ajudaram e muito, para que ele levasse essa bolada de 1,5 milhão de reais.

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