As maçãs entre as Brumas



Já faz um bom tempo que eu li As Brumas de Avalon. Creio que já é hora de pegar novamente os livros da estante e tirar cuidadosamente a poeira acumulada. Ler sem pressa, saboreando cada virada de página. Mas de modo intenso, como um bom sexo antes de dormir e sonhar.

Recordo que para mim, esta história tem gosto de maçã. Obra agridoce, polifônica, que traz a ótica feminina da lendas do Rei Arthur e dos Cavaleiros da Távola Redonda. Guinevere, Morgana e outras personagens, que em romances anteriores sobre essas mesmas lendas eram apenas coadjuvantes, passam a ser as principais nessa narrativa envolvente. A obra causou muita polêmica ao ser lançada, na década de 80, por tratar de ocultismo e abordar a bruxaria. Além de falar abertamente a respeito liberdade sexual da mulher, que infelizmente ainda é considerada um tabu, mesmo entre os mais esclarecidos.

Marion Zimmer Bradley
O romance explora fatos históricos preenchendo as lacunas ignoradas sobre a influência do paganismo e das mulheres na formação da Bretanha (atual Inglaterra). Mas a autora norte-americana, Marion Zimmer Bradley, não se detém meramente em narrar os fatos políticos e religiosos que se confrontam neste lugar. Mais do que isso, a autora mostra como as mulheres (ignoradas na História das Civilizações) foram tão importantes quanto, se não mais importantes que os homens.

Poster do Filme
A adaptação para o cinema, dirigido por Uli Edel e filmada em Praga em 2001, foi muito bem recebida pela crítica, principalmente em relação a trilha sonora. Mas para os amantes da obra literária, este filme deixou muito a desejar. Afinal, além mostrar quase que outra versão da história, seria impossível abarcar toda a sua profundidade e  detalhes em apenas 183 minutos.

Por fim, pode-se dizer que esta obra é uma torta de maçã muito bem preparada em quatro volumes apimentados. Quem concorda ou discorda, por favor manifeste-se através dos comentários. Suas opiniões são importantes!


Até a próxima refeição, digo, leitura. ^^



Vinícius "Elfo" Rennó é graduando em Letras pela UFV. Gosta de cozer bem o que escreve. Basicamente, trata-se de um leitor glutão, amante de cinema e viciado em música. Atualmente é membro do corpo editorial da Contemporâneos – Revista de Artes e Humanidades e, juntamente com a Prof. Dr. Ana Maria Dietrich, coordena a ContemporARTES – Revista de difusão cultural.
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Sinédoque Nova Iorque, a vida recriada num exercício metalinguístico





 



Caden Cotard limpando a casa, tarefa importante para se sentir necessário.  

Nesses dias frios ficar em casa é um programa bem atraente. Que tal, debaixo dos cobertores e edredons aquecer também a mente? É só assistir um filme surpreendente, longo e um tanto complexo: Sinédoque, Nova Iorque, 2008 (Synecdoche, New York). Mais uma inesquecível história envolvente e criativa de Charlie Kaufman, roteirista de Quero Ser John Malkovich 1999, Adaptação (2002) e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004). 
Charlie Kaufman
Philip Seymour Hoffman
Aqui, em Sinédoque, Kaufman além de exercer a função de roteirista, se aventura na de diretor, algo peculiar e até mesmo intrigante pois consegue arrancar dos atores um jeito profundo de atuar, semelhante as encenações teatrais, densas e viscerais. Sem o diretor Spike Jonze para controlá-lo, Kaufman vai em busca do drama psicológico sem piedade do espectador num movimento autista que se volta completamente para os demônios internos das personagens e talvez, dele próprio, indo fundo até onde deseja e acredita que deva ir.  Algumas vezes, a esticada história com definições sobre a vida e a morte pode se tornar um tanto exaustiva. Mas, o lado positivo é que esse exercício de interiorização, realizada pelo diretor via suas personagens, pode ser acompanhado pelo espectador, se assim desejar, e com isso poderá viver momentos intrigantes de questionamento sobre o tempo, o espaço, às realizações da vida e a preparação para a morte. É por esse viés e também pela atuação de Philip Seymour Hoffman, que nesse filme não decepciona, e continua sendo, ao meu ver, um dos grandes atores da atualidade, que vale muito a pena ver Sinédoque.
As personagens do filme e as personagens do teatro (dupla encenação) 
Em algumas cenas, como na que observamos acima, as personagens do filme encontram-se com as personagens do teatro e em roteiros intermináveis tentam encenar uns aos outros sem, com o tempo, ficar bem claro quem imita quem. Grande sacada de Kaufman demostrada na desenvoltura com que lida com essa maravilhosa dualidade e contra-senso do mundo dos espetáculos: A vida imita a arte ou a arte imita a vida?
Então, se pensarmos no roteiro, na direção e na atuação do protagonista, vocês  já teriam motivos suficientes para  assistirem o filme. A história, bem contada, gira em torno da  personagem Caden Cotard ( Hoffman ), diretor de teatro que após receber um grande prêmio em dinheiro de uma fundação, resolve montar uma peça que seria como um testemunho de sua própria vida. Ele tem a idéia de criar uma Nova Iorque, simulando o tamanho natural, dentro de um imenso galpão. Nesse galpão, ele reproduz o espaço físico de sua vida e, nesse espaço,  a mania de perfeição de Caden se torna muito evidente. É alucinante ver como a personagem cria e recria situações corriqueiras incessantemente dentro de sua sinédoque ( figura de linguagem que representa a parte pelo todo ).  Mas, ao assistir o filme, que em alguns momentos parece se arrastar ( por favor, não desista nesses momentos ), percebemos como ele vai, pacientemente, tecendo uma rede de significados metalingüísticos da própria vida, se desdobrando num movimento que migra em direção ao centro de questões complexas, encenadas ou vivenciadas na realidade fílmica. Um paralelo interessante entre a vida que acontece no cotidiano e a representação dela na ficção.
A família de Caden ( um mundo à beira do Caos )


A neurose de Caden também é de sua esposa, que com suas minúsculas esculturas, minimamente se adapta ao mundo. Como numa seqüência, influenciada por fatores genéticos e ambientais, a filha deles carrega e repete a dor que vivenciou com seus pais, só que de forma mais  contundente. Sua dor é a flor da pele...

Caden e o ator que interpreta ele (quem é o real?)

É possível também se surpreender com a capacidade da personagem Caden Cotard  em representar com autenticidade suas neuroses, TOCs, medos inconscientes, mesclado-os a uma hipocondria latente que insiste em acompanhá-lo. É como se ele representasse a dor que a humanidade sente ao tentar conciliar seus desejos e vontades às suas frustrações e decepções.
Como uma voz do inconsciente, que orienta a personagem por uma narração off, suas ações podem ser  antecipadas,  como acontece com os apresentadores de tv que ficam com o famoso "ponto" no ouvido. Essa voz dita o que ele deve fazer, atormentado sua mente, uma atitude esquizofrênica que nos faz  lembrar os múltiplos seres que habitam nossa mente,  essa mistura de nós mesmos ( ou pelo menos aquilo que achamos que somos nós), com outros impulsos e pensamentos que  surgem de lugares que não conhecemos.
Viajem ao fundo das dúvidas e certezas, assistam Sinédoque Nova Iorque..... enquanto o tempo passa, a vida acontece....

Bom filme!




Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.


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Goeldi – o encantador das sombras

 


sem título, circa 1925, sem assinatura
xilogravura
12,5 x 12,5 cm
Coleção Hermann Kümmerly

Osvaldo Goeldi retrata a desintegração social provocada pela urbanização desordenada do Rio de
Janeiro dos anos 1930/40. “Cena urbana” exibe a agitação da cidade com seus grandes edifícios.
Fundamentalmente, suas gravuras nos falam dos desencontros e da solidão no moderno Rio de Janeiro dos
anos 1930/40. Seus homens são sempre solitários.
Muitas vezes encontram-se sozinhos na cena, por vezes abandonados à própria miséria, como o mendigo de coração vermelho, deitado diante de um enorme casario, impotente em sua condição de total abandono (sem título, circa 1937, assinada, xilogravura a cores, sem numeração, 17,3 x 21,8 cm, Coleção Ary Ferreira de Macedo). Mesmo os retratados com outros homens são sujeitos solitários que vivem na multidão - solitários noturnos a vivenciar o drama do homem moderno, que, apesar, ou justamente por causa dos avanços da tecnologia e da civilização, está fragmentado. Exemplar desse desencontro entre homem e mundo é a gravura que mostra em “primeiro plano” um guarda-chuva abandonado, a partir do qual dois sujeitos se afastam.


sem título, circa 1937
xilogravura, 25 x 24,5cm
impressão póstuma por Reis Júnior, 1976
Coleção Banco do Estado do Rio de Janeiro

Como artista de tendência expressionista, Goeldi tem como um de seus temas a pobreza e a miséria
da gente humilde que vive sob as condições precárias dos bairros pobres com suas paisagens devastadas.

sem título, circa 1950, assinada
xilogravura, sem numeração; 20,8 x 26,9cm
gravura premiada na I Bienal de São Paulo
 
 
 
 
 
 
 
 
Cenas noturnas e silenciosas sugerem a personalidade introspectiva do artista, que não deixa de experimentar sentimentos opostos e contraditórios, como o de liberdade e paz em oposição ao medo e terror. Daí a opção, em várias ocasiões, pelos urubus, e o sentimento de repulsa por eles provocado, capaz de produzir imagens instigantes e de grande tensão psicológica.
 
 
sem título, circa 1925, assinada
xilogravura
14,8 x 14,8cm
Coleção Hermann Kümmerly


 
 
 
 
"Abandono e esquecimento formam o eixo do trabalho de Goeldi; latas derrubadas, cães vadios, móveis ao relento. No entanto, pelo fato mesmo de não serem lembradas, as coisas parecem aqui ainda preservadas da mesquinhez, cheias de mistério e de potência. Aquilo que foi deixado de lado está inteiro, pronto para ser acionado, e o vento que bafeja essas gravuras quer acordar os homens, bichos, lugares, chamando-os à vida. Sua afeição, no entanto, não pode ter a solidez e clareza objetiva de quem os esqueceu. Daí o crepúsculo contínuo e sempre renovado desses trabalhos.


(...) No entanto, encantamento e suspensão caracterizam também essas gravuras e desenhos. Isso vem, creio, da intensa analogia formal entre seus elementos. Cheios são vazios, casas são ruas, urubus são guarda-chuvas, as janelas nos olham. Tudo é meio assemelhado a tudo, bafejado pelo mesmo sopro de vida, as formas ecoando discretamente umas nas outras, como se ainda não tivesse se formado de todo. Essa individuação incompleta faz grande parte da originalidade de Goeldi, e permite que as distorções expressionistas que o influenciaram abdiquem de seu desespero. O mundo de Goeldi é um mundo em suspensão, seus habitantes ainda despertam e se procuram, e se caminham para a morte o fazem solidariamente. Daí a calma de sua tristeza, onde abandono e comunhão convivem". (RAMOS, Nuno. Para Goeldi. São Paulo: AS Studio,1996. p. 17-18).


CHUVA
circa 1957, assinada
xilogravura a cores, 2/12
22 x 29,5 cm
Dia 21 de julho, o Centro Cultural Correios inaugurou a exposição , que dá partida as homenagens pelo cinquentenário da morte do artista carioca, Oswaldo Goeldi (1895-1961). A mostra, sob a curadoria de Lani Goeldi, sobrinha neta do artista, oferece ao público um amplo panorama de sua trajetória artística e pessoal. Curadora e responsável pela difusão e preservação da obra e da memória de Oswaldo Goeldi, Lani Goeldi  reforça que a exposição é uma das maiores já realizadas sobre o artista:

“O cunho desta mostra é apresentar, principalmente para as novas gerações, o trabalho e a poética de um
dos artistas mais importantes da história da arte brasileira. Nosso objetivo é expor o máximo de obras e
informações, traremos muito material inédito iconográfico e documental que está sendo catalogado e
restaurado pelo Projeto Goeldi em parceria com a Associação Oswaldo Goeldi”
Além de grande xilogravurista, desenhista e ilustrador, Goeldi era admirado por sua personalidade
marcante e sua atividade de professor. Entre seus discípulos estão Lívio Abramo, Samico, Newton
Cavalcanti, Darel Valença Lins e Anna Letycia. Foi o responsável por todo um trabalho de formação de
gravuristas em madeira no Brasil no século 20. Uma de suas discípulas, Anna Letycia, exaltava suas
qualidades em aula:

“Goeldi era um professor completo. O professor que ensina só a técnica é apenas um bom artesão. O bom
artista, que é professor, dá um pouco mais do que técnica.”
Embora tivesse um temperamento reservado, procurava estar sempre ao lado de amigos do meio artístico e
intelectual, como Iberê Camargo, Carlos Scliar, Anibal Machado, Portinari, Bandeira de Mello, Carlos
Drummond de Andrade, Di Cavalcante, etc. Era avesso a modismos e económico nas palavras. Em 1957, em entrevista a Ferreira Gullar para o Jornal do Brasil, declarou:

“(...) Fala-se muito hoje em inovações, em abrir caminhos, etc...Mas não se deve confundir experimentos
técnicos com a verdadeira inovação. Todo artista realmente criador inova, e isso porque ele amplia seus
meios técnicos na proporção de suas necessidades de expressão. Só essa inovação é legítima – a inovação
que é ditada por uma necessidade interior. Inovar por inovar não tem sentido. Sei de artistas que
passaram a vida toda inovando e não puderam fazer mais que ‘inovações’ (...)”

"Goeldi - o encantador das sombras", segundo a curadora, é a maior mostra já realizada sobre o artista e
reúne cerca de 120 obras, além de livros, ilustrações, estudos, registros e dois vídeos, um realizado
pela artista Lygia Pape e outro produzido pelo cineasta Allan Ribeiro com depoimentos de Anna Letycia,
Darel Valença Lins, Noemi Ribeiro, Rubem Grillo e Adir Botelho, alem de uma cronologia ilustrada do artista. Também será remontado seu atelier com objetos pessoais e ferramentas usadas em seu dia-a-dia.


O Centro Cultural Correios fica à Rua Visconde de Itaboraí, 20, Centro, Rio de Janeiro - RJ Tel. 2253-1580

Fernanda Lopes Torres, historiadora da arte, graduada pela ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial)
da UERJ, mestre e doutora em História pela PUC-Rio, pesquisadora de arte da Multirio (Empresa Municipal de Multimeios) escreve às quintas-feiras quinzenalmente no ContemporARTES.
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Flash SOM - a nova coluna da revista Contemporartes

Pessoal,

diretamente de Salvador, hoje vos apresento o novo colunista da Contemporartes - Revista de Difusão Cultural, Duda Woyda:  ator paranaense radicado na Bahia que reestréia nessa sexta-feira (6) o espetáculo o Melhor do Homem na Sala do Coro - Teatro Castro Alves, em Salvador, sucesso de crítica e público.

Duda traz aos leitores uma proposta inovadora: unir duas linguagens artísticas para representar uma  mesma expressão - fotografias e canções. A cada nova coluna, os internautas poderão ver livres interpretações de canções por meio da linguagem imagética - pela qual Duda seleciona fotografias de sua autoria com tal objetivo. Ele inaugura como uma releitura de João e Maria de Chico Buarque, enfatizando o universo infantil onírico presente em sua letra e melodia com uma série sobre crianças fantasiadas para o carnaval nas ruas da cidade.


Canção João e Maria                  
Chico Buarque - 1977                 
Fotos Máscaras ingênuas de Salvador  
Duda Woyda - junho de 2010           


Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava o rock para as matinês


Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz
E você era a princesa que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país


Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido


Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim?














DUDA WOYDA é biólogo e ator profissional há dez anos. Em teatro, tem experiências nos  estados do Paraná e Rio de Janeiro, cidade com a qual mantem contatos profissionais.  Integra a CIA Ateliê Voador.  Pesquisa     questões relacionadas ao teatro físico e a sua relação entre dramaturgia corporal e   teatralidade. Priorizando a                multidisciplinaridade, transcende a        Biologia científica ao analisar a concepção de ser humano no mundo ocidental           contemporâneo, o que implica diferenças    genéticas, de personalidades, dos          comportamentos e dos sexos.                dudawoyda@yahoo.com.br                      
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Algumas tendências da Literatura Brasileira Contemporânea



Leitores, na última semana eu discuti com alguns amigos sobre a Literatura Brasileira Contemporânea e algo que me chama muita atenção, que é a tendência contemporânea de se falar em guerra, droga, doenças, tráfico, loucura, enfim, que se fale sempre na realidade como uma fatalidade. Essas idéias vieram à minha mente após a leitura, principalmente, da obra O Quarto Fechado, de Lya Luft, mas eu já havia observado em Nove Noites, de Bernardo Carvalho, Onde Andará Dulce Veiga?, de Caio Fernando Abreu, Resumo de Ana, de Modesto Carone, entre outros.


Coincidentemente, iniciei a leitura de uma obra chamada Altas Literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos, elaborada por uma estudiosa da literatura chamada Leyla Perrone-Moisés. Em um dos capítulos do livro desta estudiosa me deparei com o título “A literatura na era da globalização” que discute um pouco a literatura produzida na contemporaneidade e compara esta à produção elaborada no Modernismo. Esse capítulo me ajudou a entender a escrita de hoje e suas tendências. Por isso, eu gostaria de compartilhar e discutir com vocês alguns apontamentos importantes feitos por esta autora.

Leyla Perrone-Moisés aponta que o capitalismo, juntamente com a globalização, são delineadores da escrita contemporânea, de maneira que impera a produção que visa à cultura de massa, ou seja, uma produção industrial, que fornece produtos padronizados correspondentes a uma demanda de baixa qualidade estética. O mais interessante é que esta estudiosa não descarta a relação entre literatura e cultura de massa em outros tempos. Ela assinala que, por exemplo, a relação entre os escritores modernos e a cultura de massa era explorada qualitativamente, de modo que os escritores “exploravam, em equivalências de linguagem verbal, as possibilidades imaginárias e estéticas do cinema e da televisão nascente” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 203). Enquanto os escritores contemporâneos apenas reproduzem o baixo teor de informação vinculado por estes meios de comunicação ou se conformam com a lógica mercadológica de tais meios, escrevem tendo em vista a passagem da literatura para, por exemplo, filmes, novelas, minisséries.

Um dos problemas dos escritos elaborados na contemporaneidade, apontados por Leyla Perrone-Moisés, é o reforçar o realismo, de modo a aceitar e proclamar o fim das utopias. Sem a utopia, o que se vê é aceitar a história como uma fatalidade, reforçar esta realidade. Neste ponto muitos se perguntarão: a literatura do romance de 30 no Brasil também não reproduzia a realidade? A estudiosa nos esclarece esta dúvida de maneira categórica, ao dizer que a literatura moderna, em vez de indicar soluções, buscou dizer não à realidade inaceitável, sugerindo a possibilidade de outras histórias. Havia nas obras modernas o culto da tradição, de um projeto futuro, utópico, “indispensável para que a cultura – os homens – não avance às cegas. Eles acreditavam em coisas que a grande literatura nos pode dar: ampliação do imaginário, encontro com o outro e autoconhecimento, capacidade de impressão e de expressão, visão crítica do real (...)” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 214).

Discutir uma literatura que está por se fazer é difícil, negar que os textos se modificaram e a grande maioria vai de encontro com a ótica capitalista de produção para a cultura de massa, é impossível. Um grande exemplo de escritor que escreve para a “massa” é, a meu ver, Paulo Coelho. A literatura deste autor se encaixa em muitos pontos apontados acima como produção para o mercado editorial com vistas à venda, por isso, ele é tido como um dos autores que tem mais livros vendidos no mundo (segundo o site www.Paulocoelho.com.br ele vendeu mais de 135 milhões de cópias, com obras traduzidas para 67 idiomas em mais de 150 países), além disso, teve uma obra adaptada para o cinema, Veronika decide Morrer, em 2009.
Eu não estou julgando nenhum autor ou obra, apenas quero mostrar a vocês algumas tendências da literatura contemporânea produzida. Como leitor, a literatura moderna me chama muito mais atenção, acho realmente que esteticamente ela é muito mais rica e ideologicamente é mais engajada com o desejo de se mudar a realidade. No entanto, como essa coluna que escrevo é dedicada a uma discussão, lanço uma pergunta que espero que fique latente no interior de cada um de vocês: A literatura brasileira contemporânea está mais preocupada com vendas, adaptações do que realmente com o artefato literário, com a imaginação, com a estética e com a luta por um mundo melhor?

Cabe a cada um pensar, meditar e, principalmente, LER para responder a este questionamento. Muitos podem concordar com os apontamentos feitos por mim, outros podem discordar. Podemos fazer uma saudável discussão, que pode ou não chegar a um consenso, mas que com certeza enriquecerá nossa visão crítica em relação, inicialmente, à Literatura brasileira, mas que pode ser estendida a grande parte da literatura em geral.












Rodrigo C. M. Machado é Graduando em Letras pela Universidade Federal de Viçosa e, neste momento, pesquisa a representação dos corpos na poesia de António Botto.
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Novíssimo Gullar

O Novo Ferreira Gullar
por Altair de Oliveira

Mais de 10 após a publicação de seu último livro de poemas "Muitas Vozes" e às vésperas de completar 80 anos, o poeta Ferreira Gullar prepara a publicação de um novo livro "Em Alguma Parte Alguma" que deverá ser lançado pela editora José Olympio ainda em 2010. No início deste ano Gullar já foi também laureado com o "Prêmio Camões", de 100 mil euros, destinado à autores da literatura luso-brasileira. O poeta prepara também uma nova peça de teatro "O Homem como Invenção de si Mesmo", que deverá estrear em São Paulo ainda neste ano, e estará presente na FLIP (Festa Literária de Paraty) no dia 07/08/2010 às 15 hs, na mesa 13, fazendo leitura de poemas e dando depoimento sobre sua vida literária.

José Ribamar Ferreira (Ferreira Gullar) nasceu em São Luís MA em 10 de setembro de 1930 e é o quarto, dos 11 filhos de Alzira Ribeiro Goulart e do comerciante Newton Ferreira, iniciou a escrever, como colaborador, no diário de São Luís e publicou seu primeiro livro de poemas "Um Pouco Acima do Chão", ainda no Maranhão, aos 19 anos. Em 1951 o poeta transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde começou a trabalhar como revisor e redator de jornais e revistas e escreveu o livro de poemas "Luta Corporal" em 1954, livro que realmente considera como sua estréia literária e que o categorizou entre a poesia de vanguarda que estava sendo feita na época no país. Uniu-se ao grupo de poetas concretos de São Paulo, mas devido às divergências, o poeta afastou-se anos depois, vindo posteriomente a fundar o grupo de de arte neoconcreto, movimento de vanguarda do qual ele também afastou-se logo depois.

Na década de 60, a poesia de Gullar descompromissa-se dos padrões formais de vanguarda e adquire um engajamento social que, durante a ditadura, foi motivo pela qual o poeta foi preso e exilado em 1968, só podendo regressar ao Brasil em 1977.

Poeta, dramaturgo, ensaísta, cronista e crítico de arte, Gullar sempre teve uma postura crítica aguçada em relação à arte que produziu e que estava sempre produzida no país, e nunca fugiu às questões polêmicas à ela relacionada. Por isso, ele foi aos poucos tornando-se um dos poetas mais importantes da segunda metade do século XX, lotando salas e auditórios para ouvi-lo. Agora, após escrever mais de 40 livros, ser considerado pela maioria dos críticos como "o maior poeta braileiro vivo" e receber quase todos os prêmios literários importantes disponíveis a um autor nacional, o poeta alcança 80 anos em plena forma e nos brinda com mais um de seus novíssimos trabalho de poesia.

Reunimos aqui, em nossa coluna desta semana, algumas falas do autor sobre este seu novo livro "Em Alguma Parte Alguma", uma cronologia dos principais eventos de seu percurso literário e alguns de seus poemas para, prazeirosamente, compartilhar com vocês. Portanto, acredito que uma nova indicação ao Prêmio Nobel para este nosso grande poeta Ferreira Gullar, que viesse a ser efetivada, estaria ainda em boa hora.



O que ele já Disse:

Sobre o livro "Em Alguma Parte Alguma":

"O livro tem três partes sem nome, que podem ser separadas pelo conteúdo. Uma delas fala do cosmos, do problema da galáxia e da Terra e da vida e da luz, uma série de coisas. Outra tem poemas mais ligados ao meu livro anterior, como um sobre (José Maria) Rilke e a morte, que é um texto longo. A terceira parte tem um jogo entre a ordem e a desordem. Esse é um dos temas básicos do livro. Vários poemas tratam disso. A linguagem é ordem. Fora da linguagem, a emoção e a vivência são desordem, porque ainda não estão organizadas em linguagem. A poesia se realiza num jogo dialético entre a ordem e a desordem. O título do poema que abre o livro já diz tudo, Fica o não dito por dito. Não tem a expressão “Fica o dito por não dito”? O título do poema é o contrário. Porque a poesia a gente não consegue dizer, o poeta tenta dizer o que não é possível. Então, faz de conta que eu disse (risos)." - em entrevista na revista Veja.

"Todos os meu livros são diferentes. Neste ["Em Alguma Parte Alguma"] predomina uma certa relação entre ordem e desordem. Eu escrevi no limite da ordem, ou seja, no limite da desordem. A maneira de fazer os poemas foi diferente, mais desordenada. Comecei a escrever sem saber o que iria acontecer, sem planejar nada, sem preconceber. A poesia foi para mim uma grande aventura. Ao contrário dos outros livros, em que os poemas já nasciam quase prontos, já que ficava sempre refletindo e elaborando antes de escrever. Já hoje começo sem saber o que vai acontecer. Tanto que o primeiro poema, que abre o livro, tem o nome "Fica o Não Dito por Dito". Eu tô dizendo que, já que não posso dizer o que quero dizer, faz de conta que eu disse." - em entrevista à Folha de São Paulo.


Sobre a universalidade da Poesia:

"Não, não há nenhuma poética universal: universal é a poesia, a vida mesma. Universal é Bizuza, cuja voz se apagou com sua garganta desfeita há anos no fundo da terra. Universal é o quintal da casa, cheio de plantas, explodindo verde no dia maranhense, longe de Paris, de Londres, de Moscou. O frango que nasce e morre ali, entre as cercas de varas. O cheiro do galinheiro, a noite que passa arrastando bilhões de astros sobre nossa vida de pouca duração. Universal porque Bizuza, amassando pimenta-do-reino numa cozinha de São Luís, pertence à Vida-Láctea. E a história humana não se desenrola apenas nos campos de batalha e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbíos, nas casas de jogo, nos prostíbulos, nos colégios, nas ruínas, nos namoros de esquina. Disso quis eu fazer a minha poesia, dessa matéria humilde e humilha da, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não têm voz." - no artigo "Corpo a Corpo com a Linguagem".



Cronologia:

1930: Nasce José Ribamar Ferreira (Ferreira Gullar)

1948: Torna-se colaborador do jornal Diário de São Luís.
1949: Publica seu primeiro livro de poemas "Um Pouco Acima do Chão".
1951: Muda-se para o Rio de Janeiro. Adoece e cura-se de tuberculose. Trabalha como revisor de textos na revista "O Cruzeiro".
1954: publica o livro de poemas "A Luta Corporal". Depois de lerem o livro, os poetas concretos Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, decidem conhecê-lo. Gullar vai trabalhar como revisor (e depois redator) na revista "Manchete" e casa-se com a atriz Thereza Aragão, com quem teria os filhos Luciana, Paulo e Marcos.
1955: Depois de trabalhar no "Diário Carioca", Gullar integra a equipe que elabora o "Suplemento Dominical do Jornal do Brasil".
1956: Participa da exposição concretista, que é considerada o marco oficial do início da poesia concreta;
1957: Rompe com o movimento de poesia concreta, por discurdar do artigo "Da psicologia da composição à matemática da composição", escrito pelo concretistas paulistas.
1958: Publica o livro "Poemas"
1959: Escreve o "Manifesto neoconcreto" e a "Teoria do não-objeto", que dão um rumo novo à vanguarda brasileira.
1960: Afasta-se do movimento neoconcreto.
1961: É nomeado diretor da Fundação Cultural de Brasília. Começa a construir o Museu de Arte Popular e abandona a vanguarda. Sai da fundação no fim do ano.
1962: Ingressa no Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE),
1962: Escreve o livro de cordel "João Boa-Morte, Cabra Marcado para Morrer".
1962: Escreve o livro de cordel "Quem Matou Aparecida?".
1963: É eleito presidente do CPC e publica o ensaio "Cultura posta em questão".
1966: Publica "A Luta Corporal e Novos Poemas".
1966: É encenada a peça "Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come" em parceria com Oduvaldo Vianna Filho.
1966: Escreve o livro de cordel "História de um Valente", na clandestinidade, como João Salgueiro.
1967: É encenada a peça "A saída? Onde fica a saída?", escrita em parceria com Antônio Carlos Fontoura e Armando Costa.
1968: Publica o livro de poemas "Por Você por Mim".
1968: É encenada a peça "Dr. Getúlio, sua vida e sua glória", escrita em parceria com Dias Gomes.
1968: É instituido o AI-5. O poeta é preso.
1971: Depois de longo período na clandestinidade, Gullar parte para o exílio, passando por Moscou, Santiago, Lima e Buenos Aires.Durante o período de exílio colabora com os jornais "Pasquim", "Opinião" e outros, usando o pseudônimo de Frederico Marques.
1975: Publica o livro de poemas "Dentro da Noite Veloz".
1975: Escreve o seu livro mais badalado "Poema Sujo", que é publicado em 1976. Vinicius de Moraes traz de Buenos Aires uma fita cassete em que Gullar declama o seu "Poema sujo", cópias da fitas passam a ser distribuídas e ouvidas no Rio em audições particulares.
1977: Retorna ao Brasil e, após nova passagem pela prisão, volta a publicar regularmente.
1977: Publicação da "Antologia Poética de Ferreira Gullar".
1979: Escreve a peça "Um Rubi no Umbigo". Grava o disco "Antologia poética de Ferreira Gullar" pela Som Livre.
1980: Publica o livro de poemas "Na Vertigem do Dia".
1980: Publica a antologia "Toda Poesia de Ferreira Gullar"
1981: Publica a antologia "Ferreira Gullar" - seleção de Beth Brait.
1983: Publica a antologia "Os melhores poemas de Ferreira Gullar" - seleção de Alfredo Bosi.
1985: Ganha o prêmio Molière pela sua tradução de "Cyrano de Bergerac", de Edmond Rostand.
1986: Publica o livro de poemas "Crime na Flora ou Ordem e Progresso".
1987: Publica o livro de poemas "Barulhos".
1988: Publica o livro de ensaio "Indagações de Hoje".
1989: Pulica a antologia "Poemas Escolhidos".
1990: Publica seu único livro de crônicas, "A estranha vida banal". Morre o seu filho mais novo, Marcos.
1991: Publica o livro de poemas "O Formigueiro".
1999: Publica o livro de poemas "Muitas Vozes".
1992 a 1995: Assume diretoria na Funarte.
1993: Publica o polêmico livro de ensaio "Argumentação contra a morte da arte", em que ataca as vanguardas. Morre Thereza Aragão, esposa de Gullar.
1994: Durante a Feira do Livro de Frankfurt, conhece a poetisa Cláudia Ahimsa, sua atual companheira.
1996: Publica o livro de contos " Gamação".
1997: Publica o livro de contos "Cidades Inventadas".
1998: Publica o livro "Rabo de foguete - Os anos de exílio", livro de memórias, e é homenageado no 29º Festival Internacional de Poesia de Roterdã, na Holanda.
2001: É publicado, na coleção Perfis do Rio “Ferreira Gullar - Entre o espanto e o poema”, d e George Moura. A editora Ática reúne crônicas escritas para o “Jornal do Brasil” nos anos 60 no livro “O menino e o arco-íris”. A editora Global lança numa coleção infanto-juvenil “O rei que mora no mar”, poema dos anos 60 de Gullar.
2002: Foi indicado por nove professores dos Estados Unidos, do Brasil e de Portugal para o Prêmio Nobel de Literatura.
2003: Lança pela Cosac & Naify “Relâmpagos”, reunindo textos curtos sobre artes, abordando obras de vários pintores. Suas traduções e adaptações de “Don Quixote de la Mancha” e “As mil e uma noites” são premiadas, respectivamente, pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juveni l e pela International Board on Books for Young People.
2004: Passa a assinar uma coluna semanal de crônicas no caderno Ilustrada, no jornal Folha de São Paulo. É eleito o "Homem de Idéias" do ano pelo Jornal do Brasil.
2005: Ganha dois prêmios importantes: o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Ciência e Cultura, na categoria Literatura, e o Prêmio Machado de Assis, a maior honraria da Academia Brasileira de Letras, ambos pelo conjunto da obra. Publica o livro de poemas para crianças "Dr. Urubu e outras Fábulas" e a antologia "Melhores Crônicas".
2006: Publica o livro de crônicas "Resmungos", pela Imprensa Oficial de São Paulo.
2007: Vence o Prêmio Jabuti com o livro "Resmungos" - melhor livro de ficção do ano.
2009: Foi considerado pela revista Época "Um dos 100 Brasileiros mais Influentes do Ano".
2010: Recebe o Prêmio Camões. No ano em que completa 80 anos, o poeta prepara a publicação do livro de poemas “Em Alguma Parte Alguma”.


Alguns Poemas de Ferreira Gullar



TRADUZIR-SE


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

***

CANTIGA PARA NÃO MORRER


Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.


***
SUBVERSIVA


A poesia
Quando chega
Não respeita nada.

Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
De qualquer de seus abismos

Desconhece o Estado e a Sociedade Civil
Infringe o Código de Águas
Relincha

Como puta
Nova
Em frente ao Palácio da Alvorada.

E só depois
Reconsidera: beija
Nos olhos os que ganham mal
Embala no colo
Os que têm sede de felicidade
E de justiça.

E promete incendiar o país.


***

TOADA À TOA

A vida, apenas se sonha
que é plena, bela ou o que for.
Por mais que nela se ponha
é o mesmo que nada por.
Pois é certo que o vivido
- na alegria ou desespero –
como o gás é consumido...
Recomeçamos de zero.


Ferreira Gullar, do livro "Em Alguma Parte Alguma", inédito.

***

PERPLEXIDADES

a parte mais efêmera
de mim
é esta consciência de que existo
e todo o existir consiste nisto
é estranho!
e mais estranho
ainda
me é sabê-lo
e saber
que esta consciência dura menos
que um fio de meu cabelo
e mais estranho ainda
que sabê-lo
é que
enquanto dura me é dado
o infinito universo constelado
de quatrilhões e quatrilhões de estrelas
sendo que umas poucas delas
posso vê-las
fulgindo no presente do passado

Ferreira Gullar, do livro "Em Alguma Parte Alguma", inédito.



Para ver Mais:

Site Oficial do Poeta Ferreira Gullar: http://literal.terra.com.br/ferreira_gullar/
Vídeo de matéria de Nelson Motta com declamações e um pequeno histórico do poeta: http://pt.shvoong.com/books/biography/1659785-ferreira-gullar-vida-obra/




Ilustrações: 1- foto do poeta Ferreira Gullar; 2- capa do livro "Poema Sujo"; 3- "O Beija-flor", da artista plástica Carmen Garrez; 4- foto do banco de imagem, de autor desconhecido.


Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul), Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).

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