A imprensa brasileira de rock: os primeiros anos (parte 1/4)


por Marcelo Pimenta e Silva.


Introdução 
Nesta série de artigos voltados à imprensa musical nacional, em especial às publicações direcionadas ao universo do rock, destacaremos as revistas Bizz e Rock Brigade como as principais revistas de música do país. Responsáveis pela abertura de espaços editoriais para o segmento da imprensa voltada à cultura pop e rock, devem-se destacar também a importância e a influência que ambas tiveram nas décadas de 80 e 90. Contudo, em tempos de disseminação de blogs e revistas “on line”, as duas publicações encontraram problemas para continuar a trajetória de publicações inovadoras. A revista Bizz encerrou as atividades por duas vezes e hoje está fora de circulação desde 2007, quando surgiu a Rolling Stone Brasil. É importante ressaltar que a Rolling Stone é para a imprensa musical dos últimos 40 anos um império editorial mundial. Nessa luta inglória, entre uma publicação tupiniquim e uma estrangeira, com boa parte do conteúdo produzido no exterior, sobrou para a Bizz, que saiu do mercado, mesmo tendo em seu currículo a importância de ter ditado, com força e evidência, opiniões e rumos na indústria fonográfica no período pós Rock In Rio I e pré-MTV brasileira.

Em relação a Rock Brigade, depois de uma década de números expressivos, como quando foi destacada como a principal revista de música da América Latina em termos de edições publicadas (a Brigade ostentava uma tiragem de cerca de 60,000 exemplares), ela teve uma profunda reformulação interna que culminou com a saída de diversos jornalistas tradicionais da revista.

Atualmente, conforme alguns críticos e leitores, a principal revista do gênero de heavy metal no Brasil é a Roadie Crew que surgiu em 1997 e também tem suas origens a partir de um fanzine. A Roadie Crew conta com uma expressiva tiragem, edições especiais e é publicada também em Portugal.

As décadas de 60 e 70
Durante a década de 60, as revistas de rock traziam um aspecto mais conservador em suas reportagens, a maioria divulgando os astros da Jovem Guarda que eram ídolos da televisão, bem como a “beatlemania” e o rock mais comercial do período. A falta de informação era um dos entraves dessas publicações, afinal com o fechamento cultural imposto pela ditadura militar (1964-1985) o rock era visto como “subproduto do imperialismo americano”.

Com a quebra de costumes proposta pela Tropicália no final dos anos 60 houve a abertura para o rock no Brasil como símbolo de uma cultura universal. No contexto de contracultura, o Brasil estava amordaçado e a imprensa também. Contudo, deve-se levar em conta que o período de exceção e fechamento causado pelo Ato Institucional N° 5, o AI-5, limitou a contracultura no Brasil a núcleos de produção underground, vozes discordantes que desenvolveram uma imprensa alternativa ao jornalismo censurado pela ditadura.

O espaço para o rock e todo o universo pop do final dos anos 60, por si só a própria face mundialmente conhecida da contracultura, passou a ter espaço na coluna de Luiz Carlos Maciel no clássico jornal alternativo Pasquim. Conhecido através do Pasquim, Maciel participou de diversos impressos nanicos, culminando com a editoria da Rolling Stone pirata, publicação que durou apenas um ano. Do começo dos anos 70 até o fim da década foram inúmeras as publicações direcionadas que auxiliaram a fomentar o rock como símbolo máximo da cultura jovem mundial. A maioria durou pouco, mas consolidou o jornalismo musical brasileiro, em especial a crítica de rock.

Com o fim da ditadura militar e a abertura política, o rock tornou-se o principal produto cultural da juventude brasileira que não tinha uma ligação ideológica com as reivindicações por liberdade de expressão e combate ao regime de exceção. Portanto, sem mais um ideal coletivo de mudanças políticas, os jovens queriam apenas se divertir e viver de forma expansiva os primeiros anos sem a mordaça e a repressão do regime militar. É nesse contexto, que as editoras percebem um grande filão: o público jovem hedonista e individualista que consomes produtos culturais que o distinguem em tribos. Dessa forma, há um nicho editorial para todo o tipo de jovem: o surfista, o esportista, o adepto da filosofia ambientalista, o cinéfilo, bem como aqueles jovens que adoram o universo da música pop.

No próximo artigo, iremos abordar o festival Rock In Rio como marco cultural para a juventude brasileira e a consolidação da imprensa segmentada ao universo do rock.

Referências bibliográficas:

BISSIGO, Luís. E assim se passaram 20 anos. Jornal Zero Hora. 19/01/2005. Porto Alegre. P. 6 e 7.

BRUNELLO, Aline Viviani; BORGES, Maria Fernanda Duarte Guimarães; TAKAHASHI, Vivian Cristina Bezerra. A Revista Bizz/Showbizz no jornalismo musical brasileiro da década de 90. Monografia de conclusão de curso de jornalismo da Universidade de Ribeirão Preto, São Paulo. Disponível em: http://www.unaerp.br/comunicacao/i. Acesso em 28 de agosto de 2009.

FIGUEIREDO, Alexandre. A volta por cima. Observatório da Imprensa. Disponível em: http://observatorio.ultimosegundo.ig.combr/artigos.asp?cod=358JDB003. Acesso em: 17de julho de 2008.

GUIMARAENS, Edgar. Algo sobre Fanzines. Disponível em: http://kplus.cosmo.com.br/materias.asp?co+4. Acesso em: 22 de setembro de 2009.

MAFFESOLI, Michel. O Tempo das Tribos. 2 ed. Rio de Janeiro. Editora Forense Universitária, 1998.


Contribuição do leitor Marcelo Pimenta e Silva, natural de Bagé/ Rio Grande do Sul, nascido em 11 de outubro de 1979. Jornalista pela Universidade da Região da Campanha – Urcamp, atua como assessor de imprensa e pesquisador. E escreve artigos sobre política e cultura em geral.
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há flores em tudo que eu vejo


CANÇÃO: flores (1987)
Tony Bellotto / Sérgio Britto / Charles Gavin / Paulo Miklos
FOTOS: "flores do Brasil" (jan/2011)

Olhei até ficar cansado
De ver os meus olhos no espelho
Chorei por ter despedaçado
As flores que estão no canteiro
Os punhos e os pulsos cortados
E o resto do meu corpo inteiro
Há flores cobrindo o telhado
E embaixo do meu travesseiro
Há flores por todos os lados
Há flores em tudo que eu vejo

A dor vai curar essas lástimas
O soro tem gosto de lágrimas
As flores têm cheiro de morte
A dor vai fechar esses cortes
Flores
Flores
As flores de plástico não morrem

Olhei até ficar cansado
De ver os meus olhos no espelho
Chorei por ter despedaçado
As flores que estão no canteiro
Os punhos e os pulsos cortados
E o resto do meu corpo inteiro
Há flores cobrindo o telhado
E embaixo do meu travesseiro
Há flores por todos os lados
Há flores em tudo que eu vejo

A dor vai curar essas lástimas
O soro tem gosto de lágrimas
As flores têm cheiro de morte
A dor vai fechar esses cortes
Flores
Flores
As flores de plástico não morrem
Flores
Flores
As flores de plástico não morrem




DUDA WOYDA, ator, com experiências no Paraná e Rio de Janeiro, cidade com a qual mantem contatos profissionais. Integra a CIA Ateliê Voador e a CIA Teatro da Queda. Pesquisa questões relacionadas ao teatro físico e a sua relação entre dramaturgia corporal e teatralidade, priorizando a multidisciplinaridade.
dudawoyda@yahoo.com.br
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A cidade como território das subjetivações


A cidade como território das subjetivações
e a arte como experiência histórica da contemporaneidade

Quando parei para pensar no meu Curso na Pós-Graduação em Cultura e Sociedade na UFBA, “A cidade como território das subjetivações e a arte como experiência histórica da contemporaneidade”, não pude esquecer a experiência que vem tomando minhas noites de quinta-feira há cerca de dois anos, a do espaço urbano enquanto lugar público e referência afetiva.

E é mais ou menos durante esse período que o Beco da OFF, em Salvador, vem sofrendo alterações significativas em sua cadeia produtiva cultural. A razão é o show da transformista Valére O’Hara, que todas as quintas-feiras se apresenta sob o toldo da Creperia Le Bouche, no coração da Barra.
O Beco da OFF é conhecido do público LGBTTTI por abrigar nas noites de sextas e sábados a principal boate da cidade, a OFF Club. Nessas noites, o Beco passa a ser experenciado “como um grande arquivo de signos legíveis” e não é raro o consumidor ter que esperar em pé por uma mesa ou ter alguma dificuldade para ir ao banheiro.

Nas outras noites, tudo é diferente. Aliás, uma característica desse bairro: tudo fecha cedo por aqui, todos os estabelecimentos, os bares e restaurantes. E isso mudou quando Valécio Santos (28) levou sua personagem, Valerie O’Hara para as noites de quinta-feira. O que se vê hoje é o resultado de seu talento: bares lotados, garçons correndo para atender as bichas fechativas e turistas impressionados. Com Valerie ganham todos. A própria artista, que esbanja sofisticação com suas dublagens, abre espaço de trabalho na dura noite do mercado gay, com cachês baixos e péssimas condições, os donos dos estabelecimentos que passaram a colocar as quintas-feiras na rota dos “bons dias”, garçons, que lucram com seus 10%, ambulantes que vendem chicletes, flanelinhas que tomam (tomam?) conta dos carros, michês e putas. Todos sempre agitados à procura de novidades, completando-se, misturando-se, confundindo-se.

O Beco, hoje, é o lugar da multidão e da mistura, da ostentação e da transparente miséria. Aos turistas que venham a Salvador por esses dias, apareçam por essa galeria que, como para Benjamim, “é um refúgio, um abrigo passageiro”.


Caro(a)s colegas,

Gostaríamos de convidar a todos os interessados em discutir as relações entre História & Teatro para se juntarem a nós no XXVI Simpósio Nacional de História, que ocorrerá, de 17 a 22 de julho de 2011, na Universidade de São Paulo/USP, em São Paulo. Lembramos que a iniciativa de propor um simpósio que refletisse sobre História & Teatro começou em Florianópolis/SC, em 2006, no III Simpósio Nacional de História Cultural, e se consolidou em São Leopoldo/RS, em 2007, no XXIV Simpósio Nacional de História, em São Paulo/SP, em 2008, no XIX Encontro Regional de História da ANPUH/ SP, em Fortaleza/CE, em 2009, no XXV Simpósio Nacional de História e em Franca/SP, em 2010, no XX Encontro Regional de História da ANPUH-SP. Ela é retomada agora visando reafirmar o sentido original da nossa proposta e incorporar um maior número de pessoas interessadas em se integrar a essas discussões.
As inscrições para o Simpósio História & Teatro estão abertas desde 01 de janeiro e se encerram em 21 de março. Para maiores detalhes, consultar a página do evento http://www.snh2011.anpuh.org/site/capa ou, se quiser, pelo e-mail akparanhos@uol.com.br

Atenciosamente,
Kátia Rodrigues Paranhos (Universidade Federal de Uberlândia/UFU/MG) e Vera Collaço (Universidade do Estado de Santa Catarina/Udesc/SC) - Coordenadoras do Simpósio Temático, n. 54 História & Teatro (http://www.snh2011.anpuh.org/simposio/view?ID_SIMPOSIO=521)




Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.
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UFABC recebe Escola de samba Tradição de Ouro


Em comemoração ao início das aulas para recepção dos alunos, a Pró-reitoria de extensão da Universidade Federal do ABC promove, na próxima sexta-feira, 18, às 18h, o evento "I Esquenta Carnaval - UFABC" que marca a abertura da II Jornada Cultural da UFABC e os eventos comemorativos de 5 anos da universidade.
Na ocasião, a Escola Tradição de Ouro visitará a universidade e fará seu ensaio no local, sendo recebida pela Infanteria UFABC. Haverá também uma breve apresentação da história do carnaval com o intérprete Edson, a carnavalesca Noni de Glamonte e a Velha Guarda e apresentação do conjunto de alunos Samba Ufabiqui. O evento acontecerá ao lado do Restaurante Universitário. Haverá também a coroação da nova rainha da Infanteria.
Na última sexta-feira, 11, aconteceu a visita da Infanteria UFABC a quadra da Escola de Samba Tradição de Ouro, que fica bem próxima à unidade Santa Adélia da UFABC. A Infanteria foi bem recebida pelos carnavalescos que comentaram que "ela tem futuro".  Veja as fotos no site da Infanteria.

O planejamento desse evento vem de encontro aos objetivos extensionistas da UFABC de participação em eventos que envolvem a comunidade local.
Abaixo, veja a programação completa.
Conheça alguns vídeos da Escola Tradição de Ouro, campeã do carnaval andreense de 2009.



Ana Maria Dietrich
Editora-chefe da Contemporâneos - Revista de Artes e Humanidades
Coordenadora da Contemporartes - Revista de Difusão Cultural
Laboratório de Estudos e Pesquisas da Contemporaneidade
Núcleo de Ciência, Tecnologia e Sociedade - UFABC
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PELO RALO


Havia tomado todas. Sempre ouvira lhe dizerem que um dia se urinaria todo. Mas nem por isso evitava beber ou ir ao banheiro. Às vezes segurava a vontade porque sabia que depois que se vai urinar a primeira vez, tem-se vontade de ir a todo instante.

Estava quase batendo seu record pessoal de evitar o vaso. De evitar mas tomando todas. Até que não resistiu, tropegou até o banheiro, sobrou pés em cadeiras e cintura em quinas de mesa, anestesiado. Ainda acertou o portal com ombro e resvalou canela no vaso antes de decidir-se pelo ralo.

Aliviou-se por inteiro e por completo.
É certo que sentiriam sua falta, mas de imediato a mesma necessidade fisiológica conduziu trás si um colega de mesa, que notando sua demora, resolveu entrar. Este deu-se apenas com a camisa amarela, o short bege, a sandália de dedo e um monte de cabelo, tudo amontoado no ralo e ensopado de urina.
Enfim, urinara-se todo.

 


Abilio Pacheco é professor universitário, escritor e organizador de antologias. Três livros publicados. É membro correspondente da Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense (com sede em Marabá), integra o conselho de redacção da Revista EisFluências, de Portugal, é Cônsul dos Poetas Del Mundo para o Estado do Pará e é Embaixador da Paz pelo Cercle Universal des Ambassadeurs de la Pax (Genebra-Suiça).
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Premiados - O mundo sob meus olhos e fases/faces lunáticas






Geraldo Trombin é publicitário e membro do Espaço Literário Nelly Rocha Galassi, de Americana - SP (desde 2004), lançou em 1981 o seu livro “Transparecer a Escuridão”, produção independente de poesias e crônicas. Com mais de 160 classificações conquistadas em inúmeros concursos realizados em várias partes do país, tem trabalhos editados em mais de 60 publicações.
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Flores Nuas, contribuição de Wudson Marcelo


por Wuldson Marcelo

A chuva fina e irritante persistia, a despeito do desejo incontido de Giorgio de correr à lanchonete no Jardim... para encontrar Felipe. Cuiabá vista do alto, feita de luzes e vultos não identificáveis. Tudo tão distante e ao mesmo tempo familiar. Ouvia uma canção de Caetano Veloso, na voz de Ana Cañas, enquanto sonhava com férias no Caribe. Ele fechou lentamente os olhos, e viu uma foto instantânea de Felipe a dominar o negrume do fechar os olhos. Giorgio necessitava de Felipe. Sabia que sua liberdade consistia em querer ou não dizer, “Eu estou a fim de ir com você para onde tu quiseres”. Mas receava e pressentia uma noite que exigia a convicção de um SIM e só. Livre, sabia que não era. A necessidade no caso de Giorgio não incorporava a liberdade. Não a retinha nas mãos, justamente porque via tudo de baixo. E as coisas eram feitas de sombras e corpos identificáveis pelas particularidades de suas deformações, tal qual num filme expressionista alemão dos anos 20. Porém, rostos e corpos anônimos são intrínsecos às turbas. Temia a censura pública. Um público tão privado que era quase todo o mundo, o de sua mãe Lurdes. Uma mulher abandonada pelo marido há mais de quinze anos, que se tornou irascível. Conviver com ela parecia ao jovem uma maneira de penitência e expiação. Giorgio acreditava-se em maus lençóis. Como conversar sobre o tema “Felipe” com uma mulher que olhava para seu sobrinho, Domingos, um gay assumido, como se ele fosse portador de algum vírus que pudesse ocasionar uma epidemia? Guerra bacteriológica, formação de guerrilha, somente os mais normais possíveis sobreviverão, divagava Giorgio, fugindo ao conflito íntimo que a sua coragem o convocava. Ela dizia com os olhos todos os dias, “Meu filho será um sucesso e me dará pelo menos um casal de netos”. Somente assim, o fantasma do marido seria exorcizado depois de ser tão crucificado. Felipe valia a fuga tempestuosa pela pequena tempestade que desabava nas ruas de Cuiabá? Era uma pergunta retórica, pois ele sabia que sim. No entanto, em muitos desses interrogatórios íntimos, desejava responder Não. Tudo seria assim mais fácil.

A chuva tamborilava no telhado. Um barulho que parecia relaxante. Dormir durante um aguaceiro fazia bem à alma de Giorgio. Porém, não se sentia confortável. O que desejava era se aconchegar ao peito de Felipe. Amava sobremaneira, também o dorso daquele rapaz de tez meio-pálida, mas de sorriso confiável e de bom gosto para roupas e filmes. Olhou as horas. Não podia acreditar que já passavam das sete e quarenta da noite. Tateou o celular, decidiu buscar o número de Felipe. “Vou ligar para dizer que está chovendo e que talvez, eu me atrase ou quem sabe nem apareça”. Lurdes bateu na porta. Avisou que o jantar já estava na mesa. Arroz, lasanha, salada de alface com tomates e de sobremesa sorvete de banana. Giorgio jantou sem esconder a exaltação. A mãe observava a agitação do filho. Aquilo a incomodava. Entretanto, preferiu negligenciar a inquietação de seu primogênito e única prole. “Deve ser algum problema com a Vitória, filha do Borges. Aquela não o larga”. Em seguida, a esse pensamento deixou escapar um sorriso de satisfação. Giorgio devorou a refeição da noite, pediu licença à mãe e disparou para o quarto. Namorou o celular e vacilou por um instante. O silêncio da mãe o irritou. Naquela noite o repertório de exigências e reclamações estava de folga. Felipe, diferentemente de sua “criadora”, era prolixo e ao mesmo tempo sensível. Um artista, um pintor impressionista. Giorgio largou o celular e começou a matutar a ideia de comparecer ao encontro. Afinal, marcara o compromisso. E, além disso, qual era o drama depois de ter visto “O segredo de Brokeback Mountain” de Ang Lee, “Má educação” de Almodóvar, “Felizes Juntos” de Wong Kar-Wai e “Tabu” de Nagisa Oshima. Todos os filmes que viu sentado confortavelmente na poltrona cinzenta de Felipe. E os livros então: de Jean Genet a Caio Fernando Abreu. E pensou, com reservada alegria, que se tornara inconscientemente clichê e feliz. E como deseja expandir essa felicidade envergonhada para todos os cantos.

Oito e quinze da noite. Felipe chegaria às vinte e uma horas em ponto na lanchonete. “Aquele rapaz respirava a vida com pulmões de inalador”, pensou. Isso se tal sentença não soasse surreal ou coisa de doido. Giorgio amava Felipe, mas o sentimento deveria ser expresso entre limitações de paredes. Essa era uma liberdade que encontrava propositadamente obstáculos. Ele sentia que precisava das carícias, da compreensão e das palavras de carinhos-incentivos do rapaz. Livre nos atos e declarações que permaneceriam escondidos. Livres em um esconderijo. Necessitava do amor de Felipe. Mas, o amor é uma escolha que precisa ser vivida quando a pele exige. Este era o caso deles. Os cenários limitadores impediam a irrupção de sentimentos legítimos e incontroláveis. Escolha. Era essa a palavra utilizada para anular o subterfúgio do medo. A frase, “Felipe, eu ainda não estou pronto!”, este era o subterfúgio que mantinha a paixão clandestina. Lembrou-se de uma noite na qual ambos estavam nus a observar a lua cheia. Giorgio propôs que escolhessem uma flor que gostariam de ser. Giorgio optou por ser uma tulipa e Felipe um lírio.

- Somos flores nuas a receber as bençãos do luar e das estrelas. - Teatralizou Felipe.

Depois dessa recordação, Giorgio foi à cozinha pedir o guarda-chuva à mãe. Ela o emprestou, mas decidiu interrogá-lo. “Aonde você vai, filho?”.

- Vou encontrar com o Felipe, meu caso amoroso e, quem sabe, o grande amor da minha vida.

E saiu sem esperar a reação da mãe. Intuiu que as sombras e corpos identificáveis das ruas de Cuiabá estavam mais vivos do que nunca. Pronto, aí está. Dona Lurdes lamentaria a perda dos netos. Porém, o futuro é ele próprio um vulto e uma luz que encobre o seu corpo amorfo. Giorgio caminhava para uma proposta de revelação. “É, a lanchonete deve estar vazia por causa da chuva”.


Contribuição do leitor Wuldson Marcelo, cuiabano, nascido em 1979. Graduado em Filosofia pela UFMT e pós-graduando, em Estudos de Cultura Contemporânea – Mestrado ECCO\UFMT. Editor do “Caos Sophia”, jornal dos alunos de Filosofia, de 2003 a 2005. Possui artigos e contos publicados em jornais e sites de Mato Grosso e demais estados brasileiros, entre eles contos no site www.releituras.com.br e no jornal “Bom Dia” de circulação em cidades do interior de São Paulo e no Grande ABC. Autor do livro de contos Obscuro-shi (no prelo, Editora A Fábrika-MT).

A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.
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