Criação literária: um processo autobiográfico?



É claro que muito já foi dito a respeito do processo de criação do texto literário; não se pode ler uma obra pensando apenas como um reflexo do próprio autor, porque se assim o fosse, o que seria a literatura se não um simples recontar de próprias experiências, um mero espelho que refletiria apenas as próprias memórias? Não, definitivamente, literatura é muito mais do que isso.
Por outro lado, não deixo de perceber que, muito do que escrevo diz sobre o que sou, o que leio, o que ouço, o que gosto e, enfim, revela a matéria de que sou constituída. Sendo assim, quando leio uma obra e me reconheço nela, é porque, de alguma forma, aquilo que leio está me lendo também.
            Margarida de Souza Neves (2004) considera que "[...] prenhe de seu autor, o texto nos leva, a cada passo, ao encontro da figura humana (...), de suas idiossincrasias, do estilo do escritor, dos temas que lhe são caros, de seus interlocutores intelectuais, de sua peculiar forma de ler o mundo".
Isso tudo me faz pensar que, se por um lado, não devemos restringir a literatura às experiências pessoas de cada autor, por outro, essas mesmas experiências devem ser consideradas como elementos fundadores da criação literária. E não é só no campo das letras que essa questão se aplica; há que se considerar também a música, as artes plásticas, a arquitetura e tantas outras formas de expressão.
Será que Cazuza, ao compor suas músicas com letras ousadas e com um certo teor de ousadia, somado às diversas críticas sociais e políticas, de alguma forma, não estaria demonstrando seu próprio posicionamento diante da sociedade brasileira, diante da vida?
E quanto aos escritores que, inconfundivelmente envolvidos com seus contextos regionais, com seus pequenos mundos, produziram obras que nos dão um verdadeiro panorama histórico, social, político e cultural de seus lugares de origem? O leitor mais atento, com certeza, lembrará de alguns nomes, como João Guimarães Rosa, Erico Veríssimo e Jorge Amado, pro exemplo. Com esses autores, é possível visitar o Rio Grande do Sul, Minas Gerais e a Bahia, apenas através das páginas de seus livros... E eles não estariam, de alguma forma, nos devolvendo aquela matéria de que permeia a própria vida deles?
É claro que, como leitores, sabemos o lugar da literatura. Não olhamos para uma obra, apenas com os olhos de quem procura conhecer a pessoa que escreve. Contemplamos a obra para que, através da ficção, do relato memorialístico, possamos construir nossa própria idéia do que seja o estilo do autor e, quem sabe, numa dessas entrevistas que vira e mexe eles nos contemplam, a gente possa descobrir que uma paisagem, um acontecimento, um personagem, foi fruto de uma experiência rica e verdadeiramente pessoal. E isso tudo para quê? É simples; para descobrir que, além de nos sentirmos acolhidos pela obra que escolhemos ler, possamos ser também lidos por aquele que escreve e, quem sabe, estabelecermos um diálogo com o livro (ou com o compositor, ou com o pintor) que diz, artisticamente, aquilo o que nós realmente sentimos. E como nos adverte Jorge Luiz Borges (2004), “toda literatura é, finalmente, autobiográfica”.

Referência Bibliográfica
Livro. Disponível em: HTTP://www.cavacosdascaldas.blogspot.com. Acesso em: 12/11/11.
 Leitora. Disponível em: HTTP://www.freepik.com.br. Acesso em: 12/11/11.
 Cazuza. Disponível em:< HTTP://www.macho-crise.com>. Acesso em: 12/11/12.







Thaís Fernanda da Silva é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Viçosa. Estuda feminismo e questões de gênero na Literatura.
E-mail: thaisfsilva@ymail.com




A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.


Ler Mais

Corpo são e Mente saudável



 
O sexo e a sexualidade

            Vivenciamos a era do corpo são e mente saudável há algum tempo, o culto  do corpo perfeito, moldado em academias de ginásticas, intervenções cirúrgicas para melhorias estéticas, dietas mirabolantes, medicamentos, enfim tudo o que for possível e imaginável esteticamente para se inserir e ser aceito nos padrões de beleza vigentes no mundo, ditados pelas atrizes/atores e modelos. Nessa busca pela perfeição corporal houve um aumento significativo e uma melhora crescente na busca pela melhora na qualidade de vida e a intensificação nas práticas de exercícios físicos. Há alguns anos não se falava tanto de saúde como fator primordial para o bem estar do individuo, nem na diseminação sexual, nas práticas sexuais como fator que determina o estado de saúde físico das pessoas. Todavia, paralela a esses acontecimentos e de forma avassaladora surgiu o vírus HIV, que associado ao aumento relativo das relações sexuais passou a ser visto como perversão sexual e é taxado por alguns comentaristas, como castigo ou vingança as transgressões sexuais cometidas.


O vírus HIV não escolhe suas vítimas, se homens, mulheres, crianças, velhos, jovens, ricos, pobres, homossexuais ou heterossexuais - relações binárias - nem tão pouco se restrigem as pessoas consideradas pertencentes aos grupos de risco, contudo a AIDS mostra os contrastes da nossa cultura sexual sobre nossos corpos e suas atividades sexuais.  Em “O corpo e a sexualidade, Jeffery Weeks nos transporta para o mundo da significação corporal e sexual, vistos como o caminho para a definição de identidades sexualizadas, nele o autor trata das questões sexuais de forma clara e nos reporta a caminhos antes não percebidos para tratar das diferenças e semelhanças entre sexo, sexualidade e identidade sexual.

Relatos do século XIX sobre sexo, traziam embutidos preocupações da religião e da filosofia moral, sobre as normas sexuais, as condutas e hieraquias sexuais, entretando no final do citado século, essa preocupação passa a ser tratada como disciplina, como ciência e tem na sexologia suporte para elucidar algumas questões relacionadas ao sexo, ao modo como pensamos o corpo e a sexualidade. Primeiramente o sexo era caracterizado, segundo o autor, como instinto natural das espécies e como forma de expressar as necessidades fundamentais do corpo, baseado na teoria pós-darwiniana. Atualmente, o que nos chama atenção ao falar de sexo é a relação e importância dos hormônios e genes para defenir o nosso comportamento. Entretanto, o autor enumera algumas correntes que respaldam essa abordagem: a antropologia social, a psicanálise, as questões de gênero e o feminismo que contribuiram na elucidação de questões sociais e históricas que modelam nossos significados sexuais.
             
É inegável que a organização social da sexualidade não é estável, ela é moldada sob os fatos das circunstâncias históricas, e está em constante formação, bem como a identidade sexual que não se define ou se conceitua. Essa organização social sofre várias interferências sociais, culturais e morais que irão nortear a compreensão efetiva dos processos que agem nesse campo específico.
Em todo caso – ou em qualquer caso – ontem, 01 de dezembro, vale à pena lembrar do dia mundial de luta contra a AIDS.





Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.






Ler Mais

I Seminário Nacional Lepcon traz pesquisadores de diversos estados a Juiz de Fora

Nos dias 17 e 18 de novembro realizou-se o I Seminário Nacional Laboratório de Estudos e Pesquisas da Contemporaneidade - Minorias e suas representações no ICH da Universidade Federal de Juiz de Fora. 



Diversos pesquisadores vieram de diferentes estados do país. Na abertura foi lançado o número 8 da Contemporâneos -Revista de Artes e Humanidades.



Na primeira noite, os professores Patricia Ferreira Moreno e Edmundo de Paula Júnior, ambos do CES/ JF, junto a mim, participaram da mesa As interfaces da Memória na Contemporaneidade. Moreno falou sobre o projeto de memória do cinema latino americano, enquanto Paula Gomes analisou o envelhecimento e a memória. No meu caso, enfoquei os traumas ligados a memória do Shoah.



No segundo dia, tivemos a segunda mesa sobre Diversidades: gênero e política com a presença dos pesquisadores Djalma Thürler, da Universidade Federal da Bahia, Adriano Carlos de Almeida, da Universidade Federal de Viçosa (MG) e Carlos Eduardo Moreira de Araujo, da Universidade Severino Sombra (RJ), moderados pela Profa. Dra. Katia Peixoto dos Santos, integrante do Lepcon e colunista da Contemporartes.



Os cinco minicursos trouxeram temáticas variadas: criminalidade, FEB, homoerotismo, Sartre, militância estudantil. 

Já as 18 sessões temáticas mostraram um verdadeiro rol de abordagens, abordando a transversalidade de tal temática vista em diferentes prismas disciplinares: da literatura, educação, história, sociologia, direito, políticas públicas, filosofia, religião e artes. As co-relações com a temática minorias, por sua vez, se apresentaram riquíssimas:  movimentos sociais, diversidades sexuais, inclusão, gênero, identidades, guerra, imprensa, patrimônio material e imaterial, mestiçagem – abrindo um grande leque para variadas contribuições.

Esperamos que esse primeiro seminário seja um ponto inaugural na história de nosso grupo de pesquisa e que tenha continuidade nos anos vindouros.

O caderno de resumos se encontra on line.

vejam as temáticas das mesas

Mesa 1 – DIVERSIDADES CULTURAIS
MESA 2 –  FEMINICES, FEMINISMOS E FEMINILIDADES 
MESA 3: LITERATURA  E REPRESENTAÇÕES I 
MESA 4: PATRIMÔNIO MATERIAL E IMATERIAL 
MESA 5: MESTIÇAGENS E REPRESENTAÇÕES 
MESA 6: POLÍTICAS PÚBLICAS, POLÍCIA E DIREITOS 
MESA 7:  MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE 
MESA 8: DIVERSIDADES SEXUAIS E LINGUAGENS 
MESA 9 - EDUCAÇÃO E MINORIAS I 
MESA 10: FILOSOFIA E RELIGIÃO 
MESA 11: IDENTIDADES, GUERRA E MEMÓRIA 
MESA 12 – LITERATURA E REPRESENTAÇÕES II 
MESA 13: ARTE, FOTOGRAFIA E CINEMA 
MESA 14: IMPRENSA, MINORIAS E REPRESENTAÇÕES 
MESA 15: AFRODESCENDENTES: CULTURA E REPRESENTAÇÃO 
MESA 16: MINORIAS E INCLUSÃO 
MESA 17: REPRESENTAÇÕES HISTORIOGRÁFICAS 
MESA 18: EDUCAÇÃO E MINORIAS 2 


                              ***

HOJE penúltimo encontro do CAFÉ COM PP / 2011


ANA MARIA DIETRICH é coordenadora junto a Rodrigo Machado da Contemporartes - Revista de Difusão Cultural, doutora em História Social/ USP e professora adjunta da UFABC.




Ler Mais

iAfter ou A revolução na comunicação intermundos - Zé Zuca


Quero dividir com vocês a melhor crônica que li nesse ano, espero que vocês gostem como eu gostei. O Zé Zuca é um grande escritor, apreciem um pouco da super criatividade dele!
iAfter ou A revolução na comunicação intermundos
Se há alguém que pode revolucionar esta comunicação, este alguém é Steve Jobs
                                  
 Não conheço ninguém que tenha se comunicado de forma moderna e eficiente depois de partir para outra dimensão.  Todas as possibilidades estão no campo da religião e não são aceitas como fato comprovável. No caso mais conhecido de  comunicação do outro lado para cá, ou daqui para lá,  é necessário utilizar o corpo de outro. Embora eu acredite, convenhamos, é uma manifestação algo deselegante e meio assustadora.
Mas esta incomunicabilidade pode estar prestes a acabar. Se há alguém que pode revolucionar o paradigma desta comunicação este alguém é (ou era) Steve Jobs. Já pensou? O mundo tem quatrilhões de anos e, em todo esse tempo, não surgiu qualquer ferramenta que permita a comunicação com nossos queridos que passaram para o outro lado ou deles com a gente. Já pensou se o Steve criar uma?
Poderia ser uma espécie de communicator device after death. Claro que ele sintetizaria, chamando,  possivelmente,  de iAfter. Um aparelho sofisticado, fino, bonito e amigável que permitiria o contato entre os daqui e os que foram para além da morte e vice-versa. Venderia muito mais do que a Aplle vendeu os iPhone, iPod e iPad juntos. É incalculável o número de pessoas que vivem lá e aqui (só aqui, 7 bilhões) que se beneficiariam deste tipo de comunicação. Imagina só: Você está ansiosa em sua casa, sentindo uma falta danada daquele seu melhor amigo que se foi. De repente o aparelhinho toca, enchendo o ar de esperança e alegria. É ele. O papo rola descontraído com uma qualidade de som impressionante, como se o amigo ou amiga estivesse aqui no Rio de Janeiro. De certa forma estaria mesmo. Com uma super webcam lá e cá você poderia ver se seu amigo estaria mais gordo ou mais magro, se entre nuvens, num quarto ou num paraíso.
Jobs, naturalmente, vai necessitar de um tempo para estudar a situação, montar uma equipe multidisciplinar muito criativa e entender as reais necessidades das duas clientelas. Vai precisar também conhecer as disponibilidades do além. De que material seria o iAfter? Que facilidades ofereceria aos comunicadores multidimensionais? Bastaria um toque num ícone ou seria necessário acessar uma espécie de Internet celestial? Vai que ele crie um teletransportador e traga a pessoa ou o espírito ao vivo ou leve alguém por algumas horas pra bater um papinho no além?
Calma aí. Por outro lado, não falta quem aposte que Steve Jobs estaria se surpreendendo por lá, embasbacado com o que encontrou: nenhuma necessidade de maquininhas para se contatar. Comunicação telepática, mente a mente,  em alta velocidade, memória ilimitada. E mais, teletransporte de um lugar para o outro, usando apenas a vontade. Viagens rapidíssimas para qualquer lugar, encontrando, em segundos, quem o pensamento quiser. Jobs estaria constatando que, por lá, todos os aparelhinhos que ele inventou aqui na Terra  são desnecessários. É só pensar e chegar.  
Espera aí. Mesmo que no outro mundo a comunicação seja moderníssima, nunca ninguém veio pessoalmente aqui depois de partir, assim como ninguém foi lá, bateu um papinho e voltou. É aí que entra o velho Steve. Depois de um tempo de perplexidade, com sua capacidade criativa perceberá que ainda há espaço para suas invenções. E vai agir rápido. Não vai esperar que uma fatalidade possibilite a concorrência de um Bill Gates. Afinal ele chegou primeiro. Vai querer, certamente, criar algum mega dispositivo para o progresso das comunicações intermundos. Por que não o iAfter? É só uma questão de tempo.
O desafio está lançado. Façam suas apostas. Os universos nunca tiveram uma chance como esta de terem uma revolução nos contatos interdimensionais. É só esperar para receber, em breve, a comunicação do primeiro grande lançamento. Certamente, em cadeia planetária de TV, invadindo todos os computadores,  em uma aparição quadridimensional espetacular entre nuvens no céu: calça jeans, camisa preta de gola rolê, ele, com algo muito desconhecido nas mãos, o próprio Steve Jobs. 
(Texto de Zé Zuca)





Simone Alves Pedersen nasceu em São Caetano do Sul e hoje mora em Vinhedo, SP. Formada em Direito, participa há três anos de concursos literários, tendo conquistado inúmeros prêmios no Brasil e no exterior. Tem textos publicados em dezenas de antologias de contos, crônicas e poesias. Escreve para jornal, revista e diversos blogs literários. Escreveu o primeiro livro infantil em 2008, o “Vila felina” seguido de Conde Van Pirado, Vila Encantada, Sara e os óculos mágicos, Coleção Pápum e Coleção Fuá. Para adultos lançou “Fragmentos & Estilhaços” e “Colcha de Retalhos” com poemas, crônicas e contos: http://www.simonealvespedersen.blogspot.com






Ler Mais

No meio do caminho havia uma pedra...


Carlos Drummond de Andrade foi um poeta, cronista e contista mineiro que possui em seus escritos certa graça e leveza. Foi um dos grandes nomes do período modernista no Brasil, fundando “A Revista” e participando de outros movimentos literários da época.
Com versos livres, ele sugere em sua escrita a libertação dos moldes fixos, e com essa proposta, vai além do próprio conceito modernista, do qual é taxado, já afirmaria o teórico Alfredo Bosi, que chega a comparar o artista com Fernando Pessoa, poeta português.
“No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra”.
Carlos Drummond de Andrade já foi retratado tanto no cinema quanto na televisão. Na orla de Copacabana, no Rio de Janeiro, consta sua escultura que atrai muitos turistas. Sua obra poética soma mais de 20 livros, 10 antologias, e por volta de 18 obras em prosa.
O verso, não, ou sim o verso?
Eis-me perdido no Universo
do dizer, que, tímido, verso,
sabendo embora que o que lavra
só encontra meia palavra.

Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Destruição

Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada. Ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.


Renato Dering é escritor, mestrando em Letras (Estudos Literários) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), sendo graduado também em Letras (Português) pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Realizou estágio como roteirista na TV UFG e em seu Trabalho de Conclusão de Curso, desenvolveu pesquisa acerca da contística brasileira e roteirização fílmica. Atualmente também pesquisa a Literatura e Cultura de massa. É idealizador e administrador do site EFFI, que divulga o cinema e conteúdos audiovisuais. Contato: renatodering@gmail.com | @rdering
Ler Mais

Análise do filme "Elefante" de Gus Van Sant



Para esta análise, foram escolhidas as cenas de Michelle, a cena no quarto de Alex (tocando piano), a cena das 3 garotas (Brittany, Jordan e Nicole) e a cena de Alex e Eric assistindo a vídeos de nazismo enquanto aguardam a chegada do rifle pelo correio.

Elementos gerais empregados na maioria das cenas
  Primeiramente, analisaremos os elementos presentes em todas as cenas escolhidas.
  Em todos os casos, as cenas são feitas em planos sequências, em que elas são gravadas em apenas um take, com apenas uma câmera, sem cortes ou mudanças bruscas de plano de visão, o que facilita uma interpretação da visão do diretor em relação à história a ser contada. Também desaceleram o ritmo na qual as cenas são conduzidas, uma característica própria dos filmes mais dramáticos, pois se dá mais destaque à narrativa e aos elementos subjetivos do filme.
  Outra característica comum nas cenas é uma certa ausência de trilha sonora, para dar ainda mais destaque aos personagens e seus dramas pessoais. Essa falta de trilha sonora, unida com o som de fundo das cenas sendo abafado, ressaltam a sobriedade, e principalmente, a solidão dos personagens, que demonstram problemas pessoais de diversos tipos.
  Por fim, outra grande característica comum nas cenas é também notada nos planos da câmera. O foco sempre fica no personagem em questão, (salvo algumas poucas exceções que serão analisadas) e respeitando de certa forma a sua individualidade de diversas maneiras, mas sempre com eles como o objeto principal na cena.

  Cena da Michelle
  Essa cena é uma cena relativamente simples, e assim como todas as cenas dos alunos/vítimas, mostra os seus últimos minutos na escola, antes do começo do massacre.
  A cena gravada em plano sequência sempre focaliza a personagem, e em praticamente todos os momentos, a mostra pelas costas. O motivo para que o foco fique o tempo inteiro nela se explica pelo seu isolamento diante dos outros alunos. Por ser uma pessoa fora dos padrões de beleza presentes nas escolas americanas, sua vida social fica extremamente reclusa, e para retratar isso de maneira subjetiva e rápida (pois a cena é relativamente curta), o diretor resolveu utilizar essa técnica de filmagem. A intenção do diretor em mostrar (em quase todo o plano) a personagem pelas costas era a de mostrar também o seu ponto de vista durante a cena. Percebe-se que ela mal olha diretamente para as pessoas, por causa da sua vergonha e falta de autoconfiança. Com esse tipo de plano também, respeita-se qualquer tipo de emoção sentida pelo personagem, sem perder a sua reação. O único momento em que a câmera focaliza diretamente o seu rosto é no fim da cena, momentos antes do seu assassinato.
Outros elementos como a fotografia ou iluminação não modificam ou adicionam à interpretação desta cena, assim como na maioria das cenas durante todo o filme.

Cena da Brittany, Jordan e Nicole
Outra cena que, apesar de ser um dos planos sequências mais compridos do filme, é uma cena simples de ser analisada.
Diferentemente da cena de Michelle, nessa cena o foco está em 3 personagens, e não apenas em uma. As 3 personagens passam o tempo inteiro da cena conversando, e a câmera, na maior parte do tempo, focaliza os seus rostos sem seguir uma linha determinada de plano. Isso acontece por ser uma conversa informal, entre 3 amigas, e mostra o cotidiano das três, além de todos os acontecimentos que elas contam. Através do diálogo torna-se possível notar uma diferença maior ainda entre as garotas e Michelle, por exemplo, pelo fato da evidente popularidade e delas, uma ativa vida social e etc. Após toda a conversa durante o almoço, as garotas se dirigem até o banheiro, e nesse momento existe uma mudança de plano e de câmera.
  O diretor optou por uma mudança de câmera nesse momento para mostrar uma certa ruptura entre a vida social delas e a vida íntima das três, pois assim que elas entram no banheiro, o diálogo muda de objetivo, e se foca em um problema muito comum entre as jovens: a bulimia. As reclamações em relação ao corpo evidentemente saudável são iniciadas e as três garotas entram nos boxes do banheiro ao mesmo tempo para vomitar o que acabaram de comer. Neste momento a câmera se abaixa, e as portas se fecham, mostrando algo em comum com a cena de Michelle: o respeito aos problemas e individualidades do personagem.
  Essa mudança repentina no final da cena mostra a intenção do diretor em evidenciar esse problema social que é encoberto por atitudes “normais” das garotas.

Cena no quarto de Alex
Nessa cena existem diversos elementos subjetivos que podem ser notados durante todo o seu decorrer. A cena começa com Alex tocando o piano em seu quarto, e enquanto ele toca, a câmera que, filma suas costas, começa a girar lentamente, mostrando todo o quarto de Alex.
Primeiramente, a música tocada por Alex interage o tempo inteiro com a cena, pois tem um tom triste, e a câmera girando lentamente pelo quarto também mostra um ambiente triste e frio, que só propicia mais o aumento do seu ódio por tudo. Enquanto ele toca, seu amigo Eric chega no quarto, se deita na cama e liga o computador. Em nenhum momento durante isso a câmera para de girar, demonstrando desinteresse na situação (que parece corriqueira na vida dos garotos), e concentração na música por parte de Alex.
Quando a música muda de tom para o ódio, a câmera se volta para Eric, que está jogando um jogo violento, sinalizando um dos motivos para o crescente ódio dos garotos. Outra coisa importante de se notar é que no jogo não tem cenário, nem dificuldade, nem enredo, e é apenas um jogo no qual o objetivo é matar pessoas que estão caminhando tranquilamente. Isso demonstra o quão rasos são os jogos eletrônicos, que nada estão acrescentando aos jovens.
Ao voltar para Alex, a música volta a seu tom triste, representando a tristeza nos dois jovens. Uma tristeza pelo isolamento, bulling e ignorância de seu emocional por parte dos próprios pais. A música termina com Alex esbravejando por errar uma nota e sentando no sofá com Eric, que o passa o Computador.
Quando a câmera novamente encerra seu plano sequência, ela passa para a tela do computador, dando destaque novamente ao que se passa ali. Os dois jovens buscam lojas de armas na internet, e facilmente encontram várias lojas que vendem seu produto sem a necessidade de qualquer identificação ou sem qualquer dificuldade.

Cena de Alex e Eric assistindo a vídeos de nazismo
A cena começa com Alex e Eric assistindo a um programa sobre o nazismo na televisão. Durante praticamente todo o momento o som da televisão é predominante, dando o foco da cena no programa assistido pelos garotos. Durante o programa, alguns aspectos nazistas são apresentados, mas um detalhe peculiar chama atenção.
No momento em que o caminhão do correio chega com a arma encomendada pelos garotos, o programa aborda o problema cultural que houve durante o nazismo. Esse pequeno ênfase dado ao assunto chama atenção aos problemas culturais enfrentados pelas atuais gerações, entre um deles, sobre armas e questões importantes do cotidiano.
Depois que abrem o pacote com a arma, os garotos se dirigem para uma espécie de garagem da casa para testar a arma. Também é notável a maneira como eles manejam a arma de fogo. Facilmente eles carregam, destravam e atiram com ela, sem duvidas quanto ao seu funcionamento, demonstrando a facilidade com que se aprende a manejar uma arma nos dias de hoje.






Thulio Oliveira é aluno do Bacharelado de Ciências e Humanidades da UFABC. Trabalho realizado sob orientação da Profa. Dra. Ana Maria Dietrich.




A ContemporARTES agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.
Ler Mais