Pulsatilla




Olá, leitores da minha coluna quinzenal! Ao decidir sobre o que escrever nessa matéria tantas e tantas ideias vieram à minha mente, a ponto de eu me sentir um pouco perdido. Mas, enfim, encontrei aquele ou aquela poesia que gostaria, não de analisar (como o fiz várias vezes) e sim de apresentar e comentar. Afinal, poesia não possui um sentido uno. Por ser ambígua, a forma poética permite que cada leitor relacione-se de maneira um tanto particular, ouça, diga, grite, vivencie cada verso de acordo com os sentimentos que lhe ascendem no contato com o poema.
Falarei, pois, de um poeta brasileiro contemporâneo, com quem tive o prazer de conversar pessoalmente e de conhecer um pouco dos poemas por ele escritos. Trata-se de Luis Maffei que, além de viver da arte – uma vez que é professor de Literatura -, produz arte (música e poesia). Seu mais recente livro de poemas, Pulsatilla, desde a capa já instiga o leitor a imaginar o conteúdo que é revelado em seu interior.


Como podem notar, a imagem da capa diz respeito a uma cidade, mais especificamente a uma ponte, da qual temos uma melhor visão da parte inferior. Percebe-se que há pichações nos muros e nas vigas de sustentação da ponte e um outro aspecto, que aponta para a vivência de pessoas nesse lugar, roupas secando. A capa revela o concreto das cidades grandes e instiga a pensarmos na vida de muitas pessoas que vivem e/ou utilizam a parte alta e baixa dessa ponte, todos os dias. Desde a capa, há a evidência de uma intertextualidade com as Artes Plásticas, o que também ocorre em relação a grandes figuras literárias, como Camões, Herberto Helder, Sartre, entre outros.
A cidade grande, elementos que caracterizam a modernidade como destruição e construção de obras, lugares, bancos, ônibus, carros, correria, entre outros elementos, povoam esse livro, como observamos no poema “Tijuca Antes da Retirada de Sebastião”:

Da Henry Ford ao Banco do
Brasil São
contei
setecentos e quarenta e dois passos
se entendermos como um cada
dois movimentos de pernas
a duras penas
perfazem a ilusão de uma só coisa

Dali o Carioca é só um
sonho
Carioca não existe mas existe
o prédio que algum Deus
terá a ideia de
explodir
[...]
 (MAFFEI, 2011, p. 20)

Outro poema também exemplifica o cotidiano dos que vivem em grandes centros, por isso, exporei alguns versos de “Cotejo 1”:

O tipo no ônibus que a meu lado
estanca tem
casaco muita água
no corpo
[...]
e cotovelo maior que o
cotovelo pois
é gordo a cidade é
gorda e nunca fria Seu
casaco o engorda um tanto mais que o
necessário
não cabemos
fica um osso a osso sem rigor só
coisa entre algum braço e o ante
braço de um não gordo
sem casaco
Se fixação medida a
boca tinha eu que expor ao tipo minha
trena sem
casaco e boca a
boca pois não
caibo
não cabemos
[...]
(MAFFEI, 2011, p. 21 - 22) 

Há também futebol “39 – Coritiba 3x2 Vasco [...]”, sátira do homem moderno/contemporâneo “Grecin 2000”, amor “Fevereiro” – o qual apresento abaixo alguns versos:

Como estar morto nos
braços de alguém mais
frágil que eu mesmo quando o corpo deixa de achar
subsídios para ser mais que
estar morto em uns braços?
Seria uma
imagem seria um
começo seria a aventura de
saber de quem trato e de que
faz o meu peso o meu
sopro
[...]
(MAFFEI, 2011, p. 15) 

O livro é composto tanto de poemas dotados de verso livre, como vimos acima, como também de soneto “Pau de Sebo”, mesclando assim o elemento moderno e o clássico. Ou melhor dizendo, expressando também através das formas fixas o eu que investiga o mundo a seu redor. Cada percepção que pode ser vislumbrada pelo sujeito poético de Luis Maffei permite que ele exprima seus sentimentos, a fim de conhecer o mundo, mas, principalmente, permitindo-lhe conhecer a si mesmo cada vez melhor diante desse mundo no qual Walter Benjamin já reconhecia que as coisas, muitas vezes, prevalecem sobre o ser. Percebi, em minha leitura, que o lirismo se revela em cada situação, em cada sentimento, jogo de palavras, rimas e que, como Baudelaire, L. Maffei transforma em poema um mundo considerado sem poesia, um lugar concreto em que predominam a falta de tempo, a comunicação veloz e rápida da internet, o amor, novas formas de relacionar e ver aquilo que nos cerca.




Referência Bibliográfica:


MAFFEI, Luis. Pulsatilla. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2011.



Rodrigo C. M. Machado é mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. Dedica-se ao estudo da poesia portuguesa contemporânea, com destaque para a lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen.

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“O Porto”, filme do finlandês Aki Kaurismäki: mesmo estilo, mais otimismo.

Vivendo em um lugar tranqüilo, exilado por vontade própria e sem grandes pretensões, o escritor aposentado sai  pela manhã em busca do ganha pão diário engraxando sapatos. Pela noite passa no restaurante da esquina para beber com os amigos e termina o dia em casa jantando a comidinha da mulher que o espera com a calma de um Buda. Um vilarejo simples de Havre é o cenário perfeito escolhido pelo diretor Aki Kaurismäki para o protagonista Marcel Marx (André Wilms) e sua esposa Arletty (Kati Outinem) existirem e viverem suas pacatas vidas; pacatas, não tolas. Com diálogos secos, frios, curtos e movimentos minimalistas dos personagens, que chegam a provocar estranhamento aos menos avisados, o diretor finlandês evidencia a sua costumeira ironia,  sarcasmo  e  bom humor, já vistos em seus outros filmes. No entanto, em "O Porto", Aki consegue mostrar-se mais otimista e especialmente humanista. “O Porto” está em cartaz nas salas de cinemas de todo Brasil trazendo personagens solidários e incrivelmente amáveis numa trama deliciosa que nos deixa com lágrimas nos olhos.

O diretor finlandês 
Marcel Marx e o inspetor 
O diretor tem sua parabólica virada para o lado dos sacrificados, dos fracos, dos oprimidos  e dos perdedores. Pode-se dizer que estes são os temas mais tratados em seus filmes, diferente do seu extrovertido irmão Mika Kaurismäk.  Na “Trilogia de Helsinki”, Aki prefere mostrar a vida de pessoas carentes em lugares poucos turísticos. Para quem não conhece imagens da Finlândia, após assistir os filmes de Aki, continua sem conhecê-las. Não há pistas do país, cenas que nos ofereça a beleza do lugar. Se há alguma esperança em visualizar pontos turísticos da cidade de Helsinki ou de qualquer outra parte da Finlândia é melhor se conformarem pois decididamente este não é o foco de seus filmes. Por exemplo, sua “Trilogia de Helsinki” mostra as vidas, as ilusões e os dissabores de cidadãos que vivem à margem da sociedade. Como numa “Trilogia dos desamparados” os filmes se articulam dando ênfase ao lado mais bad da vida, evidenciando a situação social da Finlândia. O primeiro Nuvens passageiras", 1996, o desemprego é o foco da trama; em “O homem sem passado”, 2004,  a situação dos moradores de rua é evidenciada e em “Luzes na escuridão”, 2006, é a vez de falar da solidão.
Olhares profundos que emudecem a alma


Olhares desconfortáveis em situações inusitadas,  enquadramentos demorados, pausas para nenhuma ação surpreendente. Sensação de "desbunde"....


 Em “O Porto”, a imigração ilegal é mostrada a partir da entrada do menino imigrante africano Idrissa (Blondin Miguel) na trama. 

Este filme  se passa em Havre, uma cidade portuária da Normandia, no entanto o estilo de Aki nos leva a outros lugares mais subjetivos, fazendo-nos esquecer do lugar físco e prestarmos mais atenção nos olhares, nas sensações e na encenação dos personagens.

A emoção de assistir o filme é única, é como estar dentro de um conto de fadas, com a leveza incrível numa trama bonita e sincera. Alguns pontos são evidenciados como o trabalho da polícia, do investigador (a justiça), que se contrapõem à solidariedade das pessoas do vilarejo. A realidade do diretor é sempre permeada por um tule fino cheio de pontos de possibilidades, um tanto improváveis, é verdade, mas que dentro da poética filmica tornam-se encantadoras. 
Mundo paralelo - Arletty enfrenta a doença com passividade exacerbada




Para refletir a imigração na França



“Partindo das periferias miseráveis de Paris, a revolta juvenil iniciada na França a 27 de outubro se alastra para o interior das principais cidades francesas. A região da Alsácia (nordeste) foi uma das áreas mais afetadas pela onda de violência, com 40 carros queimados, a metade na capital, Estrasburgo. No oeste do país, houve novos distúrbios e destruição em cidades como Ruan, Le Havre, Nantes, Rennes, Caen, Tours e Quimper, com dezenas de carros incendiados. Rapidamente, os confrontos se espalharam por 300 localidades na França, incluindo Nice, Lyon, Marselha, Rennes, Nantes, Rouen e Quimper. O estopim da revolta, iniciada por jovens filhos de imigrantes, em sua maioria do norte da África, foi a morte não acidental de dois adolescentes, que morreram eletrocutados ao entrar numa subestação de energia. Eles estavam tentando se esconder da polícia.

No dia 30/10, uma bomba de gás lacrimogêneo lançada pela  polícia entrou em uma mesquita da periferia durante um ritual religioso. A revolta teve início de maneira desordenada, mas foi se organizando à medida em que transcorreram as noites. A maior parte dos manifestantes tem entre 14 e 20 anos e são imigrantes africanos sem acesso aos estudos e ao mercado de trabalho. Até 8/11, mais de 6.000 veículos foram destruídos nos protestos, e um manifestante foi morto.

Seguindo o exemplo, e adotando os mesmos métodos, jovens da Alemanha e da Bélgica também começaram a se manifestar. A 9 de novembro, dez carros e uma motocicleta foram incendiados em Berlim e em Colônia (oeste da Alemanha), em um contágio dos “distúrbios” da França. Depois do rotundo não á Constituição (capitalista) da União Européia, nos recentes plebiscitos, que instalou a crise no projeto da UE, este foi o desdobramento político e social necessário. A crise “de cima” começa a se transformar em revolta “de baixo”. Os sintomas da revolução começam a se acumular no horizonte histórico do berço do capital (a Europa).[1]”
[1] Segundo Le Monde, “A onda de violência que atingiu a periferia parisiense suscita mais perguntas que respostas. Há versões que aludem a uma revolução social em marcha. Outras atribuem os confrontos a vandalismo organizado e ao abandono do governo, mas, acima de tudo, predomina a sensação de que a questão da guerrilha urbana se apóia nas incertezas de um modelo de integração falido” (grifo nosso).
Veja mais em: A revolta da juventude na França
Bons filmes e reflexões !!!

Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sobre a direção de Antônio Benega.
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HÁ MOUSES QUE VÊM PARA O BEM...

          
A coluna Incontros de hoje traz poemas e algumas fotografias de um velho amigo, Edu Hoffmann. Multiartista, arteiro também, sabe brincar com as palavras com graça e inteligência. Antes de se deleitarem com versos e imagens, uma pequena biografia para que os leitores o conheçam melhor.

Luiz Eduardo Hoffmann, nasceu em Jacarezinho (Pr) em  09 de setembro de 1954, é poeta, jornalista e fotógrafo. Entre suas publicações, estão:
Ensaio Fora de Planos – poesia – Edições Pirata – Instituto Joaquim Nabuco - Recife PE em 1979
Trens – (Poemas) -Editado pela secretaria de Cultura do Estado- Pr – 1985
Livro de poemas Rasantes - Edição do autor – 1985
Participação no livro antologia poética O Feiticeiro Inventor – Criar Edições/ Curitiba / PR - 1985
Sete Quedas da Paixão – poemas – no Peito e na Raça edições ( do autor) 1987
Participação na Revista Mensal de Cultura Todavia – editada pela Casa do Poeta do Paraná,
Participaçãp no Livro Carpe Diem, coletânea de poemas, em 1990.
Premiado no 1º Concurso Helena Kolody – Antologia de poetas contemporâneos do Paraná – Secretaria de Estado da Cultura – 1990/e em 1994.
Lançamento, em 1991, de envelope com 20 cartões postais – de haicais, com ilustrações do autor, no Bar Degrau 43, do músico e compositor Guêgo Favetti.
Participação na Revista dos Bancários, Contos e Poemas, do Sindicato dos Bancários de Curitiba, janeiro de 2001.
Lançamento do livro Bambus, de haicais, com ilustração de Emílio Boschilia, pela Secretaria de Cultura e do Estado- Pr, em 2003.


                                                                 Passeio Público - Curitiba


UM FILME
                    (ao amigo Dante Fonseca)


...ela ainda disse

me devolva o colar

afinal de contas...


sabia, no sonho

que era um sonho

cinematográfico

dos tempos da vovó,

bem art nouveau


pairava um filme noir

o criado mudo.

o espelho apenas refletia

Hitchcock escada abaixo


doido, como todo sonho

agora o filme um spagheti italiano

visto por um olhar

bem ordinário da Cardinale


suava frio

as unhas compridas do Zé do Caixão

apertavam minha garganta.

Era fatal! Filme nacional...


Ao fundo uma linda canção:

era o canto do quarto


Espere: ouço uns gemidos

seria uma chanchada?


De sacanagem, um filme de fricção científica:

os gemidos eram do corredor dando pra sala


Acordei

entre gritos e sussurros.


                                  
                                               Santiago do Chile: Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura


MEDUSA


Você não fica confusa

ao sabor de saber que a semibreve

tem o valor de duas mínimas ?



pensando bem, minha musa

de que nos adianta saber

se a soma dos quadrados dos catetos

é igual ao quadrado da hipotenusa ?



você não dá a mínima

que as medusas são animais hidrozoários

em forma de campainha ou sino

e se as medusas tocam em alguma banda

de samba ou de tango argentino

se as gravadoras as recusam, não interessa

nada disso minha diva é divino

nenhuma voz tão bem professa



o que quero ouvir, de verdade

de maneira clara, conclusa

é se o coração que me ama

bate debaixo da sua blusa.




                                                                   Animais em Morretes - Pr.     

CIBERNET


simplicidade havia

bastava um cotonet

pra se ouvir a cotovia

eu passeava na minha caminhonet

era tudo tão verde, tudo tão zen

minha namorada era a Marinet

Atendia de caixa lá no velho armazém

cumplicidade havia

bastava um cotonet

pra se ouvir a cotovia

hoje estou aqui, não saio da internet

ninguém me quer, ninguém me tem

mas tenho torcicolo, tenho joanet

há mouses que vêm para o bem ?

simplicidade havia...




                                                               Atacama: Vale de la Luna


VIAGEM

Para chegar ao nirvana

tem de cruzar aduana

(via Uruguaiana)

hai que endurecerse Havana

entre a baiana e a curitibana



aranha que me tateia

no fio que me apetece



envolta em manto cantando mantra

três goles de água tônica

fina. em sintonia, fina

a voz da cantora afônica



quem apalpa

quem a polpa

dos teus sulcos ?!



teu fogo chamo

venha vento que me chama

inventa-me.



                                                      Menino da Pipa - Parque da Barreirinha, Curitiba.


FARINHA DO MESMO SACO


Eu que andava desse mundo

mais cheio que prato de caminhoneiro

sem rumo sem amor e sem dinheiro



talvez por ir com muita sede ao pote

comia o pão que o diabo amassou

pagava mico pagava o pato

até o meu retrato a outra queimou



andava mais quebrado

que arroz de terceira

amor, você me tirou da dieta

você é minha feijoada completa



agora choro de barriga cheia

você me lambuzou, você se regalou

você meu ante-pasto, minha ceia



nesse bolo todo você é a cereja

que fica comigo à esmo

tomando cerveja

comendo torresmo




                                                 Teatro de rua - Ruínas de São Francisco, Curitiba



PANTAGRUEL


Acordou o dia

batendo caçarola na cozinha

hoje vai ter quiabo com salada

milho verde, arroz com galinha



vai rolar cachaça da serra

feijão de corda pra João provar

ah, uma loirinha bem suada

que até o santo vai gostar



um panelão de vaca atolada

meu Deus, vai ser um colosso

de tempo em tempo, põe tempero

pra Claudinha lamber até o Osso



é batata é Madalena

há um feitiço nesse fogão

é cocada é marmelada

arroz doce de montão.



                                                             Tai-Chi no Bosque do Papa - Curitiba


PERFUME


chove chuva de chuveiro

é uma lisonja ensaboar

a quem a mui lejos foi monja

ela me disse que tudo passa

- passe bem de leve a esponja



melodias realejo

ambígua língua dançando

distraída no seu umbigo

blues no azul do azulejo.



                                                                Teatro de rua - cena I


SWING
            (temperô)


tonto, um tanto bambo,

minha vida era um bolero

você quem temperou

e botou salsa, mambo,

rock em roll.



minha vida então virou

uma febre que só

eu dancei hula, forró

caí no frevo e no carimbó



vem pra roda, morena

que eu quero ver

você rodopiando

me bem temperando

até o caldo ferver



quantos ritmos menina

faxinaram minh’alma

você foi a vitamina

que sacudiu minha calma



aí deu breque no samba

você me assanhou e vazou

e eu que já me achava um bamba

caí no choro, ah que enfado

ando blue



ah a falta que você me faz

perdi o rumo, zerou o gás

no fundo, minha música jaz.


                                                             Teatro de rua - cena II
                                                    


POEMA  BUGRE

o desejo e as carícias

das minhas mãos vaqueiras

aboiando

seu perfume de flor orvalhada

do maracujá



eu me arranjo

em qualquer rancho

a vida me escreve

torto

com o seu garrancho

umas rimas tortas



mi amore minha amora quase roxa

em seu regaço em seu rego

deslizam minhas margens



apaga o lampião

uma estrela na ponta-da-língua

a constelação na ponta-dos-dedos

uma serenata de lonjuras.





 Fotos e Poemas: Edu Hoffmann.





Izabel Liviski é fotógrafa e professora de Sociologia, disciplina na qual é doutoranda na UFPR.
Pesquisadora de Linguagens Visuais, História da Arte e Sociologia da Imagem, escreve quinzenalmente a coluna Incontros às quintas-feiras na ContemporArtes.
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Projeto Neblina Sobre Trilhos, 2012






O projeto Neblina Sobre Trilhos existe desde 2009, o grupo se formou para produzir um documentário pedagógico sobre o patrimônio da humanidade, com ênfase no trabalho e na cultura da Vila de Paranapiacaba.

                 “  A Vila de Paranapiacaba com suas casas inglesas de madeira em estilo vitoriano, as oficinas em tijolo aparente, ruas largas e geometricamente planejadas. Seu misterioso relógio que lembra o Big – Ben londrino na parte baixa, com o “Morro” na parte alta, com descendentes, traços e encantos das antigas vilas portuguesas, em conjunto harmônico formado pela mata atlântica de encosta e de Altitude, formam um Patrimônio Histórico, Cultural, Tecnológico e Ambiental. Patrimônio que marca a chegada de tecnologia da revolução industrial no Brasil, a vila de Paranapiacaba, como é contemplada com uma fabulosa paisagem cultural, foi tombada pelas três instâncias de governo, inicialmente pela estadual (CONDEPHAAT-1987), seguida da federal (IPHAN-2002) e municipal (COMDEPHAAPASA-2003). Considerada o último exemplar de uma vila ferroviária no mundo, registra um período que mostra a influência da cultura e tecnologia inglesa. Devido a enorme importância que vila possui para a humanidade, este trabalho visou resgatar a identidade deste patrimônio, a pesquisa foi realizada baseada nos patrimônios materiais e imateriais que encontramos na vila.
 Com o reconhecimento da importância histórica, cultural e ambiental da Vila de Paranapiacaba, políticas públicas estão sendo traçadas, para a conservação da vila e também para difundir para a população a importância que este patrimônio representa não só para o Brasil, como também, para todo o mundo.”

PARANAPIACABA: PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE, Nathália Deliberato Aspásio

Fonte:

Maquina fixa e trabalhador, sistema funicular.

Cartão postal, Alto da Serra. Atual Paranapiacaba.


As filmagens se iniciaram em 2010 e a sua finalização foi em fins de 2011, após longo processo da definição do roteiro, seleção do material, imagens de arquivos e gravações... Neste mês de março/2012, estamos iniciando os contatos para exibir em 50 instituições interessadas no documentário e em dialogar sobre a produção. Estimamos a duração de 1h30, integrantes do grupo Neblina acompanharam a exibição (+- 35 minutos) e fomentarão o dialogo. Quem se interessar pelo evento, precisamos apenas de um espaço para projeção que comporte cerca de 50 pessoas, por favor, entrar em contato com soraia.o.costa@gmail.com, anadietrich1@gmail.com, claudiocpenteado@gmail.com, odairgarcia@uol.com.br e neblinanostrilhos@googlegroups.com.

Foto Melina Resende, arte gráfica Eloi.


Outra novidade do projeto é a publicação de um livro, até o fim deste ano publicaremos algumas entrevistas dos ferroviários colaboradores, elaboradas com base nas orientações da Profa. Dra. Ana Maria Dietrich, também terão outros textos escolhidos e elaborado pelo grupo.

Iniciaremos a estudar o formato do livro na Oficina técnicas de transcrição - Transformação de documento oral para escrito, no dia 21 de março - 14h às 17h, Local: Auditório do Campus Santo André – UFABC.

Soraia Oliveira Costa, graduada em Ciênciais Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA). Professora de sociologia na Secretária de Educação Estadual, trabalha também com fotografia, audiovisual e oralidades desde meados de 2007, quando começou a analisar o cenário urbano, a natureza, o trabalho, os transportes, o comportamento, a cultura, a arte... 
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Em se plantando, tudo dá

 



Entre 27 de setembro e 27 de novembro foi realizada no Centro de Arte Hélio Oiticica a exposição intitulada “Retrospectiva – 1974-1993”, de Sonia Andrade e com curadoria de Marisa Flórido. O evento se fez importante por se configurar como um panorama da produção da artista e mostrar ao público que sua produção não se restringe ao campo da videoarte ou da videoinstalação, mídias pelas quais é geralmente referida.

Logo no primeiro andar da instituição, após vermos alguns de seus desenhos, havia uma sala com televisões onde suas primeiras experiências em séries de vídeos eram projetadas. Uma destas chamou particularmente minha atenção. Na série composta por oito vídeos produzidos entre 1974 e 1977 era possível encontrar em sete deles explorações da autoimagem da artista e, mais do que de seu rosto, experiências que registravam seu corpo. Prender a estrutura física, modificar a sua aparência através da utilização de objetos, além de explorar a utilização do som e de sua própria voz, surgiam como tópicos desta série de imagens em movimento.

Sentada perante uma mesa, o tronco da artista podia ser observado no segundo vídeo desta série. À sua frente e mais próximo do espectador, quase como se estivesse a vazar para o lado externo da projeção, uma panela, dois pratos, uma garrafa e uma xícara. Ao fundo, uma televisão exatamente na altura de sua cabeça. Atrás desta, a paisagem do Rio de Janeiro; trata-se, ao que tudo indica, do espaço interno de um apartamento e de uma paisagem para o saudado aspecto de cartão postal do horizonte da Zona Sul carioca.

Sonia Andrade se serve de uma série de alimentos de modo gradual. Com uma concha inicia por colocar feijão em seu prato e misturá-lo com pão. Enquanto observamos este banquete protagonizado por uma mulher, temos a recodificação de uma construção histórica dos papéis da mulher, ou seja, em vez de se colocar a cozinhar para um homem, para o “sexo oposto”, podemos concluir que a artista, cozinhou e serve a si mesma, central e solitária à composição da imagem. Aos poucos, com o auxílio do som e da observação da TV que é tão protagonista quanto seu corpo, notamos não se tratar de um programa qualquer exibido dentro desta projeção, mas sim de “Tarzan”, seriado norte-americano da década de 1960.

Da civilização para a barbárie; dos modos permeados por uma etiqueta da alimentação para uma maneira que rejeita qualquer mediação cultural quanto às normas de comportamento sobre a mesa. Tão logo percebemos se tratar deste seriado sobre o homem que vive entre os animais no meio de uma floresta, Sonia Andrade rejeita os talheres e se põe a comer utilizando suas mãos. Feijão, pão, café e guaraná são misturados e se tornam um alimento só. A cabeça da artista está muito próxima à tela que passa “Tarzan” e além dessa espécie de colagem de imagens, há uma sobreposição de comportamento. Da segurança da superfície de um prato, a comida é transferida para o seu rosto e membros. Deste, ela é lançada sobre a lente da câmera, impossibilitando a própria fruição do espectador e elevando estes atos a tal nível de selvageria que a visão deve ser bloqueada, assim como um animal preso em um container.



Se Andy Warhol glorifica e diminui a velocidade do banal ato da alimentação em “Eat” (1964) e faz um monumento a um alimento símbolo da cultura norte-americana em “Andy Warhol come um hambúrguer” (1982), dando a si mesmo os ditos quinze minutos de fama, Sonia Andrade parece refletir sobre a relação entre comida e identidade cultural no Brasil. Inevitável perceber a ironia da artista ao se observar a paisagem tropical carioca de pano de fundo. A pergunta que fica é: como nós, homens tropicais, brasileiros, habitantes desse território comumente observado como a terra das bananas e dos macacos, somos observados por um olhar estrangeiro e, naquele momento (anos 70), mediado pela televisão? O que constitui a nossa cultura enquanto “carioca” e, mais do que isso, enquanto “brasileira”? Como definir alimentos típicos de uma terra onde “em se plantando, tudo dá”?

Há uma inversão da alteridade cultural proporcionada pelo livro que dá origem ao personagem Tarzan. A artista equipara de modo ácido, portanto, o jovem criado por animais das florestas africanas aos habitantes da cidade do Rio de Janeiro, essa “cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos”.






Raphael Fonseca é crítico e historiador da arte. Bacharel em História da Arte pela UERJ, com mestrado na mesma área pela UNICAMP. Professor de Artes Visuais no Colégio Pedro II (RJ). Curador de mostras e festivais de cinema como “Commedia all’italiana” (realizada na Caixa Cultural de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, 2011). Membro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP).
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