Eros e amor em Kostantinos Kaváfis

      

Olá leitores da ContemporARTES. Hoje resolvi apresentar a vocês alguns poemas de um poeta que descobri há uns dois anos ou que me foi apresentado nessa época. O importante mesmo é o fato de ele ter uma escrita tão peculiar, tão envolvente, com poemas que exploram o corpo e o erotismo de maneira, ao mesmo templo, explosiva e contida. Enfim, um poeta que deve ser lido aos poucos, com muito cuidado para não deixar escapar nenhum dos prazeres sensoriais que a poesia oferece.
O poeta de quem falo é Kostantinos Kaváfis, nascido em Alexandria (Egito) em 1863, mas considerado grego, uma vez que pertencia à numerosa colônia helênica, que floresceu nessa cidade mediterrânea. O que deve ser ressaltado na biografia deste, considerado o maior nome da poesia no idioma grego moderno, é que em sua poesia conhecida figuram somente 154 poemas, reelaborados durante toda sua vida. Dentre as instituições questionadas por ele figuravam a cristandade, o heterossexualismo e o patriotismo.
É interessante ressaltar que na poesia de Konstantinos Kaváfis há poemas de cunho claro e altamente homoerótico, constituindo, desta maneira, um arrojado projeto de escrita em uma época em que a homossexualidade era altamente rechaçada (o que talvez hoje tenha se atenuado, mas, ao menos no Brasil, não mudou de maneira considerável). Vamos aos poemas:
TUMBA DE EURÍON

Aqui, neste soberbo monumento,
Todo feito em mármore de Siene,
No meio de tantos lírios, de tantas violetas,
O belo Euríon jaz. Era rebento
De Alexandria e só contava vinte e cinco anos.
Pelo seu pai, de velho tronco macedoniano,
E, por sua mãe, dos alabarcas descendia.
Aluno de Aristoclito, com ele estudou Filosofia;
Cursou Retórica com Paro. Em Tebas aprendia
As Sacras Escrituras. De um nomo fez a
História: Arsinoé. Pelo menos isso dele nos restou,
Mas o de maior valor se foi: sua beleza
Apolínea, verdadeira epifania.
(KAFÁFIS, 2006, p. 155)

TUMBA DE IASIS

Iasis aqui jaz.
 Esta grande cidade não tem efebo
 por sua beleza mais renomado.
Admiravam-me os sábios; e os frívolos também,
os simples. A mim me davam igual agrado

os dois. Mas como Hermes ou Narciso me haviam sempre de supor,
os excessos gastaram-me, mataram-me. Viandante,
se és alexandrino, não hás de censurar. Conheces o ardor
de nossa vida: que febre, que luxúria inebriante.
(KAVÁFIS, 2006, p. 66)


LEMBRA, CORPO...

Lembra, corpo, não só o quanto foste amado,
não só os leitos onde repousaste,
mas também os desejos que brilharam
por ti em outros olhos, claramente,
e que tornaram a voz trêmula – e que algum
obstáculo casual fez malograr.
Agora que isso tudo perdeu-se no passado,
é quase como se tais desejos
te entregas – e como brilhavam,
lembra, nos olhos que te olhavam,
e como por ti na voz tremiam, lembra, corpo.
(KAVÁFIS, 2006, p. 174)

Ao contrário do que venho fazendo anteriormente em meus escritos nesta coluna, hoje, não analisarei os poemas, deixarei que cada um dos leitores possa usufruir de toda a poesia e sensualidade que emanam dos versos e poemas apresentados.
Os que gostarem dos versos, devem ter em mente que nos poemas de Kostantinos Kaváfis há também uma grande intertextualidade com a cultura grega, com os clássicos gregos como A Ilíada e Odisseia. Há mais elementos que devem ser descobertos ao longo das leituras. E um notícia ótima é que há traduções e publicações dos poemas deste grande poeta aqui no Brasil – o que nem sempre é fácil de encontrar.
Referência Bibliográfica:
KAVÁFIS, Konstantinos. Poemas. Trad. José Paulo Paes. Rio de Janeiro: José Olímpio, 2006.

Rodrigo C. M. Machado é mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. Dedica-se ao estudo da poesia portuguesa contemporânea, com destaque para a lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen.

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Musseque: a poesia de Leandro Daniel II




de novo, de dia


derrubei em cima dos antigos trapos
os momentos de entusiasmo desmedido
esperei batendo o pé no asfalto da esquina
no mise en scène da vida desenbestada

guardei a bituca no bolso

em caso de alvoroço do outro lado
junto meus trapos e caio fora
o salto pode ser mortal
nessa altura da avenida

ah! se os farrapos desses panos encardidos
falassem
poderiam balbuciar o fim de uma era definitiva
onde o chão seria um manto de pétalas
sem asfalto pra pisar
e os ares repletos de helio
enchendo as barrigas
e cabeças dos seres
livres para flutuar

mas trapos não falam
e devo caminhar agora


sextas na porta

esse vento que te resfria
de antes só esqueço daquele teu gosto
do respiro cojugado naquela noite
que foi una, absoluta em sua plenitude

com o tempo, por aí
as sextas etinerantes passam
de porta em porta
deixando apetrechos de lembranças
pequenos tesouros sensíveis ao toque

isso explica estarem embalsamados
em plástico bolha
evitando os choques ou estardalhaços bruscos

penso de na próxima que vir
deixar esses amuletos encontrarem
seu caminho ou descaminho
se acharão por si só
ou desaparecerão na névoa dos dias

importa saber que se for teu
meu, e nosso, restará,
como uma gota que mergulha
nos olhos lacrimosos e penetra
pela carne vulnerável,
os contornos loucos
que atravessam a barreira dos dias

espelho d'água




sílabas tônicas para o deleite
estreito espaço forjado
entre a compreensão e o acinte

Entre a lágrima que lava o espírito
e o líquido que devasta o mundo
correm rios de origem desconhecida
Rios abraçados por margens extremas
levando
maravilhosos destinos em suas fozes
desembocaduras

as bocas de vozes em engasgo de voracidade
esperam secas
pelo derrame do leito
um alimento
rico em minerais
sais

volto às sílabas atônitas
ao largo dos lugares conquistados
por entre os fluxos interminentes
e os espelhos d'água

refletindo seus olhos vesgos 




Leandro Daniel Santos Carvalho

Bacharel em Ciências Sociais pela USP - Cursando Relaçoes Internacionais na UNIFESP.
Atualmente trabalha na Comunidade Educativa CEDAC


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DIANE DI PRIMA: A POETA TRÊS VEZES MARGINAL

      
     
"Havia mulheres, elas também estavam lá, eu as conheci, suas famílias as colocavam em sanatórios, e elas recebiam choques elétricos. Na década de 50, se você fosse homem  você poderia ser um rebelde, mas se você fosse mulher, sua família poderia trancá-la. Houve muitos casos assim, eu  os presenciei, e algum dia alguém ainda vai escrever sobre isso." (Gregory Corso, tradução livre)

As palavras de Corso, acima, descrevem como esse integrante da geração beat testemunhou a presença feminina no movimento, e as consequências diferenciadas para homens e mulheres pela rebeldia e adesão ao modo de vida marginal (hipster), nos anos que se sucederam à segunda Guerra Mundial. A coletânea Women of the Beat Generation, organizada por Brenda Knight, traz alguns nomes, porém poucas se destacaram, entre elas a poeta que se tornou emblemática, Diane Di Prima. 

A geração beat, como ficou conhecida, era composta por poetas, prosadores e artistas norte-americanos que na década de 1950 emergiram com grande ousadia e  inovação em suas criações  literárias e também em seu comportamento, contrário ao 'american way of life'. Entre eles, Jack Kerouac, autor de On the Road, Allen Ginsberg autor do antológico Howl (Uivo), William Burroughs, Lawrence Ferlinghetti, Michael McClure, Gary Snider entre outros. Esse movimento seria precursor da Contracultura das décadas seguintes.(Willer, 2009)

Mas apesar de ser um grupo libertário, muitas vezes em seus escritos e manifestações, de forma implícita ou aparente, identificavam as mulheres com  a sociedade opressora ou com a instituição burguesa da família e seus papéis sufocantes, representando as mulheres (namoradas, amantes ou esposas) como castradoras, aquelas que lhes "cortavam as asas". Assim, mesmo os beats paradoxalmente incorporaram um viés cultural histórico masculinista, e não foram capazes de questioná-lo. (Adelman, 2004)

A nossa personagem é  protagonista de obras e episódios que provocaram admiração e escândalo na conservadora sociedade norte-americana da época. Sua produção literária é extensa, mas seleciono aqui apenas alguns trechos de suas poesias.



                                                                      
Diane di Prima nasceu em 1934 no bairro do Brooklyn em Nova Iorque, descendente de italianos, fator que influenciou sua orientação política e comportamental. Seu primeiro livro chama-se This Kind of Bird Flies Backward, publicado em 1958. Tornando-se um elo entre os poetas da Costa Leste e Oeste norte-americanas, Di Prima conhece e envolve-se no fim dos anos 50 e início dos 60 com os Beats de Nova Iorque e San Francisco, vivendo por alguns anos entre as duas cidades.


Ela fundou o Teatro dos Poetas de Nova Iorque (New York Poets Theatre), e ainda a Editora dos Poetas (Poets Press), que publicou alguns de seus companheiros. Com LeRoi Jones (mais tarde conhecido como Amiri Baraka), editou a revista The Floating Bear (1961 – 1969). Diane di Prima passou a estudar o budismo após conhecer Suzuki Roshi, e se ligaria ainda à comunidade de Timothy Leary, o "profeta do LSD" em Millbrook.

Em 1960 escreveu Memoirs of a beatnik, um de seus poucos livros traduzidos para o português. Memórias de uma beatnik (1999), é um romance recheado de erotismo, algo considerado repulsivo em seu tempo, principalmente quando associado à mulheres.

 Di Prima publicou alguns de seus livros mais importantes na década de 70, como Revolutionary Letters (1971) e Loba (1978). As "Cartas revolucionárias" estão ligadas a seu ativismo político com o grupo conhecido como "The Diggers", grupo de teatro anarquista fundado por Emmett Grogan (1943–1978) – a quem Bob Dylan dedicou seu álbum Street-Legal (1978).

Com o lançamento desse livro, ela legitimou seu oficio de escritora, estabelecendo-se em São Francisco onde criou seus cinco filhos.



Diane di Prima ainda vive em San Francisco, onde promove cursos e produz  literatura, Recollections of My Life as a Woman foi publicado em 2001. Outras obras mais recentes são: Towers down de 2002, The ones I used to laugh with, de 2003 e Timebomb de 2006. Loba foi republicado em 2008, com o dobro de material da publicação anterior.

Ao todo, publicou 43 livros de prosa e poesia, recebeu diversos prêmios por sua trajetória literária, além de títulos honorários de literatura. Em San Francisco foi eleita poeta laureada em 2009.


Poemas de Di Prima:

"Fragmentos de um discurso ao FBI"

Ai vocês de borsalino ou impermeável dão testemunho
Dos dias fugidios, data & horário?
As viagens de metrô para amantes esquecidos
(Vocês em verdade os têm para sempre, identidade & 3x4?)
Os velhos números de telefone, cujo ritmo não mais
Canta por nós, descrições de carros há muito mortos?
Ai cronistas ternos de nossas vidas irisadas
Obreiros benditos no arquivo labiríntico
Querubins gravadores que relegarão ao fogo
Identidade & formulário, papéis e corpo enquanto nós
Ascendemos em cânticos acima das árvores
                                            (Traduzido por Ricardo Domeneck)





"Carta Revolucionária" 
(Revolutionary Letter)

Acabo de perceber que o que está em jogo sou eu
Não tenho outro dinheiro de resgate, nada para
quebrar ou trocar, a não ser minha vida
meu espírito parcelado, em fragmentos, esparramado sobre
a mesa de roulette,
eu recupero o que posso
só isso para enfiar embaixo do nariz do maitre de jeu
só isso para jogar pela janela, nenhuma bandeira branca
só tenho minha pele para oferecer, para fazer minha jogada
com esta cabeça imediata, com aquilo que inventa, é a minha vez
enquanto deslizamos sobre o tabuleiro, e sempre pisando
(assim esperamos) nas entrelinhas.
                                                        (Versão: Miriam Adelman)



                                      Di Prima sobre o piano em uma audição de poesia



por ti
deixava de meter
o dedo no meu belo nariz
e de roer as minhas unhas deliciosas
(...)

podes ter a certeza
que da próxima vez
que formos para cama
ficarei quite

vou enganar-me no teu nome
e hás-de pensar
que aconteceu
acidental
                (Traduzido por Manuel de Seabra)


Com LeRoi Jones em 1960.

Discutindo budismo tibetano com Anne Waldman, Peter Orlovsky, Ginsberg, Burroughs, e Chogyam Trungpa (1976).
A literatura dessa poeta representa o comportamento e a autoria feminina em dupla instância, tanto no contexto da contemporaneidade quanto na esfera contracultural. Apesar de  uma produção profícua, teve muitas vezes que medir forças com os sistemas dominantes, seja em relação ao modo de vida burguês, ou ao nacionalismo norte-americano ou ainda em relação ao patriarcado cultural, utilizando-se do poder da escrita e do comportamento transgressor. (Santos, 2011)
Assim, Diane Di Prima pode ser considerada três vezes marginal: por ser imigrante, por ser rebelde, e acima de tudo, por ser mulher.



The Beats, a Graphic History de Harvey Pekar.

"Acho que o poeta é a última pessoa que ainda está falando a verdade quando ninguém mais ousa. O poeta é aquele que indica a visão das novas formas e de uma nova consciência, quando ninguém  ainda começou a sentir isso. Eu acho que essas são duas das funções mais essenciais do ser humano." (D.D.P.)

                                              
                                                                                                                                                    

Referências:
Adelman, Miriam- A Voz e a Escuta, Encontros e desencontros entre a teoria feminista e a Sociologia contemporânea, (UFSC, 2004).
Santos, Maria Clara Dunck- Três vezes marginal: Vida e obra de Diane Di Prima, (UnB, 2011).
Willer, Claudio- Geração Beat (L&PM, 2009).

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Izabel Liviski é Fotógrafa e Professora de Sociologia, disciplina em que é Doutoranda pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e da Cultura, e Linguagens Visuais.  Escreve a coluna INCONTROS quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.










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Lançamento e exibições



 No dia 10 de Abril/2012 lançamos o documentário no Centro Universitário Fundação Santo André e exibimos em dois horários. Na parte matutina teve uma média de 20 pessoas e muitas delas com envolvimento com a Vila de Paranapiacaba (moradores, pesquisadores, prof., funcionários da prefeitura...) o que gerou um debate caloroso em torno da linguagem do documentário, identidade, património, memória e história.

Lançamento no CUFSA, fotos Melina Resende.

Explicamos sobre os problemas de subsídio, recursos, dedicação exclusiva dos participantes do projeto e pelo fato do nosso viés ser focado na história do passado e presente, sendo o passado contato narrado pelo colaborador Thomas Corrêa (blog: http://brazilrailway.blogspot.com.br/)  e o presente pelas pessoas que foram solícitas ao projeto (ex-ferroviários, moradores, turistas...). Tivemos reuniões periódicas para definir a linguagem, o roteiro, a história abordada... em geral, o filme segue a investigação social com base na metodologia da história oral, orientada pela Profa. Dra. Ana Maria Dietrich.

Lançamento no CUFSA, foto Melina Resende.
No período noturno, devido a maior quantidade de pessoas, tentamos colocar o áudio nos alto falantes do auditório da FAFIL, mas, infelizmente estava quase impossível de ouvir. Foram uma somatória de fatores que influenciaram para este fato, tentarei explicar de forma sucinta. Muitas das gravações foram feitas a partir da própria a partir da própria filmadora que capta também muitos ruídos. Com ajuda do especialista em edição, o Carlos Sperançolo conseguimos minimizar os ruídos, equalizar áudio e evidenciar as falas. A somatória que mencionei foi decorrente a informação que obtive que os equipamentos da CUFSA não sofrem manutenção, com isto ficamos prejudicados e aprendemos uma importante questão: averiguar antecipadamente a infra estrutura dos lugares que iremos exibir para verificar a precisão de levar equipamentos de áudio e projeção da UFABC. 

Lançamento no CUFSA, foto Melina Resende.
Outra exibição aconteceu na Casa da Palavra em Santo André, no dia 20/04. Como bem colocado pelo Prof. Dr. Cláudio Penteado, "a exibição e o debate duraram em torno de uma hora. Apesar de um público pequeno, o documentário suscitou diversas questões. Alguns aspectos técnicos como qualidade do áudio e imagem foram apontados por um participante. O documentário teve no geral uma boa recepção por parte da audiência."






Exibição do Neblina na Casa da Palavra, fotos de Cassiano Tirapani.


Outra exibição será no Espaço Gambalaia, localizada na Rua das Monções, 1018 - Santo André - SP, no evento Quarta Movie, dia 02/05 as 21h00, (Neblina no Quarta Movie) este projeto promove exibições e debates sobre os filmes, principalmente, as produções independentes. Este evento é promovido pelo Coletivo Nasa (http://coletivonasa.wordpress.com/). 

Continuamos na missão de exibir noutros lugares, quem se interessar, favor entrar em contato. Pode ser comentando este post ou por e-mail: soraia.o.costa@gmail.com.

 Muito obrigada,



Soraia Oliveira Costa, graduada em Ciênciais Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA). Professora de Geografia, Filosofia e Ética na Escola Paineira, trabalha também com fotografia, audiovisual e oralidades desde meados de 2007, quando começou a analisar o cenário urbano, a natureza, o trabalho, os transportes, o comportamento, a cultura, a arte... 
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Poemas são pássaros colorindo o céu da boca de quem os declama. Estão aqui, ali, acolá. Só os enxerga quem presta atenção no que não vê. Como pássaro em árvore, invisível ao distraído, faz ninho e procria. Bate asas, voa azul. Mas se perde a liberdade, de dor canta, chora e renasce.
Esse livro não é gaiola. Apenas um galho macio, onde coloridos poemas descansam e observam os animais como eles gostariam de ser vistos.


Publiquei o livro Poemas Minimalistas pela Editora RHJ, para atingir as crianças e adolescentes que vivem uma realidade virtual em que as informações são em grande quantidade e para despertar o interesse precisam ser rápidas e profundas.


Eu vejo a poesia como uma ponte entre o concreto e o sentimento. Uma alternativa para nossos dias cinzas e problemáticos. Um poema pode nos fazer parar por um instante. Parar de processar informações exatas. Parar de seguir no automático.


Mesmo no trânsito caótico das grandes cidades, existem janelas. Janelas que nos libertam do cotidiano. Janelas pelas quais podemos observar uma capivara caminhando com os filhos na beira de um rio. E nos esquecermos, naquele momento, que não existem mais peixes por ali nadando.


E mesmo que não houvessem janelas nem capivaras, somos capazes de enxergar toda a poesia do mundo, se permitirmos que nossos pensamentos iniciem a exposição de fotografias do nosso arquivo mental.




Venha viajar nas lindas imagens de Mário Silva, que ficarão gravadas para sempre no seu coração.



Simone Pedersen escreve contos, crônicas e poemas para crianças e adultos.

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DE OUTROS TEMPOS

  


AQUI UMA PEQUENA AMOSTRA
DOS MEUS TEMPOS IDOS.
DIRETO DO TÚNEL
DO MEU TEMPO!


NEOSALDINA, ASPIRINA E NOVALGINA

Dilatante
Latente
O sangue subindo
Pela cabeça
Ciba-Geigy dourando a pílula

Batente
Doente
Dormente
Enxaqueca persistente
Bayer direto na veia
Como agulha no palheiro

Dose
Overdose
Osmose
O mal me consumindo
Gota a gota
E eu sumindo
Enquanto Hoechst é apenas
Uma gota d’água no oceano

Dores e dolores
Que nem Neosaldina,
Aspirina e
Novalgina aliviam
Porque eu sou um paciente
Com sérias dificuldades
De engolir certas coisas.

( geraldo trombin - 30.01.1990)



DOMINGO NO QUARTO

Gil fez seu Domingo no Parque.
Na roda, José, Juliana, João.
Sorvete, espinho, uma canção,
No ritmo, compasso do coração.

Eu, meu Domingo no Quarto.
Cortina fechada para o mundo,
Poema-euforia, quase infarto.
Retrospectiva em um segundo.

A hora apressa, o dia passa,
Na janela, um triste retrato:
A vida, a raça, tudo às traças.
Uma rotina que já estou farto.

O presente assa,
Queima a carcaça.
Hoje, assim-assado,
Já virou passado.

Fogo, cinzas, estilhaço,
Queimando como mormaço.
O peito ardendo, inchaço.
Faca, o que é que eu faço.

Não dou um passo.
De novo, caio no laço.
A minha vez, repasso.
Deixo marca,
Marca-passo.
Mais um domingo
Sem cara de Sunday,
Mais um dia findo
Sem gosto de Sundae.

(Geraldo Trombin - 08.10.2000)


LIBERDADE NA PALMA DA MÃO


Liberdade não é dom.

É permanente permissão.
É o que vem de dentro como o som.

Não é apenas, num país distante, uma estátua.
É uma pequena ou grande espátula,
Espalmando, rastreando, sensibilizando.
É o nosso cérebro trabalhando, inventando.

Liberdade não é dom.
É um estado de espírito, de mutação.

É a mente se soltando, sem pretensão.

Não é apenas a derrubada de um muro ou muralha.
É levar ao chão preconceito que corta como fio de navalha.
Preconceito que, como sentimento, não se empalha.
É viver a vida sem qualquer represália.

Liberdade não é dom.

É a mais pura percepção.

A diferença entre sonho e desilusão.


Não é apenas uma forma de expressão.
É a plena libertação.
O nosso imaginário em ação.
O corpo em ebulição, vapor da emoção.

Liberdade não é dom.
É capturar da alegria, a cor, o tom.
É estampar na boca o sorriso como marca de batom.

Não é apenas o vento penteando a relva.
É, apesar de vivendo nesta infinita selva,
Assumir, ter o controle na mão,
Mesmo que remoto,
De toda forma de emoção.

(Geraldo Trombin - 14.08.2000)

Abraços Literários e até+.



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