Vocês conhecem algo a respeito da música fúnebre judaica? Não? Então vale a pena conferir a pesquisa realizada pelos alunos de Graduação em Música da FAC FITO na disciplina Etnomusicologia, ministrada pela professora Katia Peixoto
Ao visualizar o
tema deste trabalho – A Música Judaica no Rito Fúnebre – a primeira coisa que
passa pela cabeça de quem lê é o motivo que teria levado a decidir por um
tema que talvez não expressasse nada de musical. Entretanto, cabe ressaltar que
o interesse por este assunto surgiu do fato de uma das integrantes do grupo ter
participado desta cerimônia de enterro judaico, ficando, dessa forma, admirada
com o fato da música, como expressão dos sentimentos e aproximação com Deus,
está presente em um momento tão doloroso da vida de alguém, que é a morte de um
familiar.
Partindo desse ponto, começamos nossos
trabalhos sobre o assunto, em pesquisas baseadas em livros e internet,
procurando informações sobre o tema em si, o rito, conceitos e a música
praticada no ritual. Informações estas, básicas para que pudéssemos partir para
a próxima etapa da pesquisa, que seria o trabalho de campo. Dessa forma,
começamos nossa maratona de entrevistas com a Professora Sônia Goussinsky, que
nos forneceu informações mais aprofundadas sobre o assunto em questão, bem como
nos indicou outras pessoas que poderiam complementar nossos estudos. Sendo
assim, conseguimos entrevistar o Chazzan
Felipe Grytz, o que foi de extrema importância, visto que este, por ser um
cantor de cerimônias judaicas, pôde, com sua experiência nos ritos e em música,
já que é formado nessa área, passar informações até então não encontradas em
nenhuma fonte, como questões de estruturação da música presente nesses ritos.
Cabe relatar ainda, que toda a pesquisa
forneceu dados plausíveis para o entendimento de conceitos apresentados nas
aulas de etnomusicologia – disciplina a que se destina esta pesquisa – como,
por exemplo, o fato de que as etnias, muitas vezes, não enxergam a música da
maneira ocidental como a conhecemos, sendo esta apenas uma parte que está
inserida em um contexto cultural e jamais é vista como algo isolado – fato
este, discutido entre os integrantes do grupo, após a entrevista feita com o Chazzan.
Entretanto, não poderia deixar de acrescentar o grande crescimento
pessoal e, talvez, espiritual proporcionado por este trabalho, de forma que,
após cada uma das entrevistas, as conversas sempre giravam em torno de como os
judeus enxergam a vida e como tratam o seu próximo, bem como sua relação com
Deus e com o mundo.
Dessa forma, é importante que, ao iniciar a leitura deste trabalho, a
mente e intenções de quem o fizer devem voltar-se para o entendimento de uma
etnia/cultura que possui muito mais do que encontrará escrito, visto que possui
quase seis mil anos de história por todo o mundo. Dessa forma, basta-se,
apenas, este texto, de assuntos básicos da música no rito fúnebre judaico,
servindo como incentivo na maior procura de informações sobre este assunto.
Escrever e falar
de cultura, música e sociedade judaica poderia render folhas e dias de
discussões, entretanto entender o conceito que as etnias atribuem a cada um
desses elementos – e talvez seja este o principal aprendizado deste texto – é
algo bem complexo, mesmo porque ao iniciar uma pesquisa como esta as idéias já
estão “pré-definidas” dentro de uma cadeia de pré-conceitos que carregamos em
nossa bagagem cultural. É tentando escapar destas formas, que se pretende
trazer à tona uma parte desta cultura com foco na música presente no rito
fúnebre. Todavia, para tanto, é necessário entender a origem e a função da música
no judaísmo, o ritual fúnebre – perpassando por questões como o conceito de
morte, falecimento, funeral e período de luto –, a música neste ritual – o seu
significado e por quem é executada – e a estrutura musical em si, trazendo
dessa forma, como esta é praticada, escrita, transmitida, tocada ou cantada,
como é sua instrumentação e função estética, visto que o foco deste texto é
elucidar questões musicais da etnia judaica.
Sendo assim, é necessário remeter a tempos
remotos para entender que a música sempre teve papel primordial no judaísmo,
estando presente em quase tudo, de forma que os pais cantam para seus filhos,
na sinagoga existe uma música específica para cada reza e as festas são sempre
marcadas por músicas animadas. Além disso, a Torá traz referências claras à
questão musical, como as partes em que menciona o louvar a Deus com
instrumentos musicais, como o chofar, os símbalos e a harpa – instrumentos
típicos da época em que este livro foi escrito –, bem como partes conhecidas
como Ta'amim, que são indicações
específicas de como se deve seguir com a melodia e o
ritmo da música encontrada nesse livro sagrado.
Entretanto,
para falar da música específica do rito fúnebre é preciso entender o ritual em
si, portanto, para os judeus a morte não é o fim, senão o princípio, tanto que
a vêem com tristeza, mas não com aflição. Somando-se a isso, as observâncias
tradicionais judaicas, relativas à morte e ao luto, têm por objetivo prestigiar
a pessoa falecida e confortar os enlutados.
Sendo assim,
este rito fúnebre tem várias características específicas com relação ao
falecido, que deve ser lavado (Tahará),
vestido com roupas específicas (Tach’richim), não deve ser visto, entre outras
especificidades que são atribuídas à Chevra
Kadisha, instituição judaica responsável pelo cuidado dos cemitérios e
preparação do falecido para o enterro. O velório geralmente é curto e marcado
por alguns costumes específicos, como discursar para o falecido e a Keriá, que significa rasgar um pedaço da
roupa que o enlutado está usando, representando a perda do ente querido. Além
disso, recitam-se ou cantam-se alguns Salmos e rezas específicas. É
estritamente proibido, cremar ou embalsamar o corpo e este deve ser enterrado
em uma cova funda, reafirmando que: “Porquanto do pó vieste e ao pó retornarás” (reza realizada no momento em que se cobre o
caixão com terra). Ao saírem do cemitério, as pessoas que acompanharam o
velório, devem lavar suas mãos, simbolizando que não fizeram nada de mau para
aquela pessoa que acabou de ser enterrada.
Logo após o enterro, passa o vigorar o luto
que é divido em três períodos chamados Shivá, Sheloshim e Avelut,
compreendendo respectivamente os sete dias, trinta dias e um ano após o
falecimento. Durante os sete primeiros dias os familiares permanecem juntos na
casa do falecido a fim receberem visitas para realizarem as três rezas diárias
– Arvit, Shacharit e Minchá –, rezar o Cadish e
serem consolados. Neste período, é costume cobrir os espelhos, não sair de
casa, não se sentar em cadeiras altas e acender uma vela em memória do
falecido. Ao final desses dias, o enlutado é levantado do chão e é comum que se
dê uma volta pela rua com a finalidade de “acompanhar a alma”, que deixa a casa
por término da Shivá. Os vinte e três dias que se seguem são o segundo período
de luto, que termina com uma cerimônia realizada no cemitério, onde são
recitados os cantados Salmos e o Cadish, a prece El Male Rachamim,
as estrofes alfabéticas do Salmo 119 que compõem o nome do falecido e a palavra
Neshamá, que significa alma. O terceiro período de luto é observado
apenas pela morte de pai e mãe e, durante os doze meses que o formam, é costume
recitar o Cadich todos os dias, nas três orações diárias. Além disso, no
aniversário de um ano de falecimento, ou ainda, aos trinta dias é comum colocar
uma lápide à cabeceira do túmulo – Matsevá.
O RITO
A música está presente em todos esses momentos,
então, no funeral ela tem papel primordial, visto que são realizadas rezas
específicas, cantadas ou recitadas, sendo que uma delas – o Cadish – que
tem função de exaltar a Deus e é realizada em todos os momentos sagrados do
judaísmo, também é feita no funeral, não no sentido de uma oração para os
mortos especificamente, mas sim como forma de enaltecer aquela pessoa. Além do Cadish,
são salmodiados várias Salmos, dentre eles o Salmo 119 – versos que comecem com
as letras do nome do falecido – e o Salmo 91, que é cantado ou recitado
repetidamente em sete paradas, até chegar-se à cova. Outra reza que pode ser
cantada e acontece ainda no cemitério é o El Male Rachamim, que assim
como o Yiscor – realizado quatro vezes por ano em memória dos mortos – é
uma reza rememorativa, que visa reverenciar a memória do morto, através de
preces de bons atos. Ao final dos trinta dias do falecimento, na cerimônia do Sheloshim,
são cantados ou recitados outros Salmos, o Cadish e o El Male
Rachamim.
É de extrema importância lembrar que em todas
essas cerimônias a música é executada por um Chazzan – que significa
cantor em hebraico –, que é sempre um homem, não necessariamente com formação
musical e que é o responsável por cantar em todas as cerimônias dos judeus,
sejam elas nas sinagogas, em festas ou em enterros. Contudo, existe uma série
de atributos para ser um cantor. Como exemplo é necessário que cante bem, que
conheça as leis do judaísmo mais que a maioria das pessoas da sua comunidade e
que tenha conduta adequada com a função que exerce. Como muitas vezes não tem
formação musical, o Chazzan aprende as melodias apenas ouvindo os mais
velhos, mas isso não é uma máxima, visto que em alguns lugares existe um
preparo técnico musical mais aprimorado para aqueles que pretendem tornarem-se
cantores.
A música cantada por esse cantor, na maioria
das vezes é transmitida de forma oral, ou ainda por indicações – Ta’amim
– como aquelas existentes na Torá, porém nem sempre os Chazzanin
aprendem a ler esses “neumas”, pois a função de estudar a Torá é específica dos
Baah Corê. Entretanto, atualmente, essas melodias e outras mais modernas
são grafadas em partituras, visto que assim como a sociedade judaica evoluiu, a
sua música também se fez evoluir. Outra característica da música judaica
tradicional é a presença de estruturas musicais – Nussar –, como se
fossem “modos gregos” ou uma família de melodias e ritmos que servem para
designar algo específico, como uma cerimônia ou uma festa, ou seja, basta
ouvi-los para saber o que representam. Esse Nussar pode vir a ser tanto
em modo maior, como menor, mas nunca é analisado dessa forma, assim como os
modos gregos também não eram.
Todavia, retornado à música específica do rito fúnebre, essa sim é
quase sempre salmodiada – falada e cantada ao mesmo tempo, porém com poucas
notas e alguns melismas –, mesmo porque são rezas que tem a função de passar
uma mensagem e, para tanto, precisam ser entendidas. Somando-se a essas
informações, tal música é sempre executada sem acompanhamento instrumental,
sendo cantada apenas por uma voz masculina em hebraico ou aramaico.
Dessa forma, cabe ressaltar como a música é
primordial em todas as cerimônias judaicas, assim como no rito fúnebre, em que
é usada como forma de consolar os enlutados e enaltecer a memória do morto, bem
como serve de ponte para entender como o conceito de música é variável com
relação a diferentes etnias, mostrando neste contexto, como as pré-concepções
relatadas no início deste texto precisam ser desmistificadas para o estudo de
música étnica, pois cada sociedade mantém sua cultura de maneiras diferentes,
de forma que fica, como exemplo maior de tudo que foi visto, a questão da união
das diversas “culturas judaicas” pela fé em uma crença e pelo texto do seu
livro sagrado – Torá –, pois apesar de ser uma etnia dispersa pelo mundo,
mantém suas tradições, mesmo que influenciadas pelo lugar onde se encontram.
Renato
Ernesto
Tiago Clarinetista
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Alunos da Graduação em Música da FACFITO/ Disciplina: Etnomusicologia/Katia Peixoto - Música Fúnebre Judaica |
Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.