Vistas do Brasil: vedutas brasilianas na Pinacoteca do Estado de São Paulo
Henri Nicolas Vinet, Vista do Convento de Santa Teresa tomada do alto de Paula Matos, 1863, óleo sobre tela, Coleção Brasiliana/ Fundação Estudar. Doação da Fundação Estudar para a Pinacoteca do Estado de São Paulo. Na cena, um casal, em clima de romantismo, passeiam na trilha e desfrutam da beleza da natureza quase intocada, mas já indiciando o processo de civilização, de urbanização da capital do Império brasileiro. Comum na iconografia romântica, viajantes são figurados diminutos diante do esplendor da Natureza. O conceito aí identificado é o do Sublime, percepção de maravilhamento com a Natureza
Está em cartaz na Pinacoteca do Estado de São Paulo a exposição Vistas do Brasil que traz 11 obras que fazem parte dos acervos da própria Pinacoteca e do Instituto Moreira Salles. Para a exibição foram selecionados trabalhos de dois artistas que contribuíram de forma significativa para o registro das paisagens brasileiras: Johann Moritz Rugendas (1802-1858) e Jean-Julien Deltil (1792-1853). As obras foram realizadas entre 1827 e 1835 e apresentam a visão europeia acerca do país em construção nos trópicos, o Brasil; trata-se de narrativas que enfatizam os aspectos naturais (como fauna e flora) até os costumes, ainda muito provincianos, no século XIX. A exposição pode ser vista até a 27 de janeiro de 2013.
Alessandro Ciccarelli, Vista do Rio de Janeiro, óleo sobre tela, Coleção Brasiliana/Fundação Estudar. Doação da Fundação Estudar, 2007. O artista napolitano
Eduardo de Mertino, Vista da Praia de Botafogo, c.1870, óleo sobre tela, Pinacoteca do Estado de São Paulo
É importante ressaltar que o eixo condutor da narrativa expográfica é o gênero da pintura denominado na cultura artística por veduta. O termo, vindo do italiano, quer dizer vista, aplicado a uma representação de paisagem urbana ou rural, de concepção essencialmente topográfica, e cuja fidelidade, permita identificar-se o local retratado - uma paisagem imaginária, porém de de aparência realista, pode ser chamada de veduta ideata. Os pintores de vedute, a exemplo do veneziano Canalletto, são denominados de vedutiste.
Canaletto, Vista da entrada para o Arsenal, 1732, óleo sobre tela, Coleção Particular, (Esta obra não integra a mostra na Pinacoteca do Estado de São Paulo)
A paisagem, de certo, só passa a ser realmente tema autônomo para a pintura a partir de fins do século XVIII e consagra-se no XIX com maior impacto. Antes, como no Renascimento, a paisagem é apenas adereço da composição. A Escola de Barbizon, dirigida por Camille Corot, povoava frequentemente as partes dos cenários naturais que eram transmitidas com a intenção de exprimir a união do Homem à Natureza, uma conjectura de certo utópica e arcaizante, com um quê de nostálgico, fazendo frente ao progresso urbano e industrial o qual vinha se impondo na Europa Ocidental e Grã-Bretanha. Na mesma linha, pintores britânicos como John William Turner e John Constable e alemães como Carus e Caspar David Friedrich eternizam a paisagística na pintura destacando o Sublime da Natureza - o sublime provoca reações estéticas na qual a sensibilidade se volta para aspectos extraordinários e grandiosos da natureza, considerada um ambiente hostil e misterioso, que desenvolve no indivíduo um sentido de solidão -, conceito caro aos românticos.
Giorgione, Concerto Pastoral (Fête champêtre), 1508-09, óleo sobre madeira, Musée du Louvre, Paris. (Esta obra não integra a mostra na Pinacoteca do Estado de São Paulo)
Camille Corot, A Velha Ponte de Nantes, c. 1855, óleo sobre tela, Museu Nacional de Belas Artes de Cuba. (Esta obra não integra a mostra na Pinacoteca do Estado de São Paulo)
O grande destaque da mostra é o papel de parede Vistas do Brasil, (1829-1830). As imagens que deram origem a essa composição foram as ilustrações do livro Voyage pittoresque dans le Brésil (Viagem pitoresca através do Brasil) de Johann Moritz Rugendas. O jovem artista bávaro, que viveu por cerca de quatro anos no Brasil, fora contratado para acompanhar, como desenhista, a expedição científica comandada pelo barão de Langsdorff (1774-1852). O livro, publicado em fascículos entre 1827 e 1835, tornou-se um dos mais populares álbuns de viagem ao Brasil, rivalizando com a Voyage pittoresque et historique au Brésil (Viagem pitoresca e histórica ao Brasil) de Jean-Baptiste Debret. Para sua produção, foram empregados diversos gravadores, cuja responsabilidade era compor as litografias a partir dos desenhos de Rugendas realizados no Brasil. Esse material, litografias e alguns desenhos, por sua vez, foi colocado à disposição de Jean-Julien Deltil, artista contratado pela Manufatura Zuber (localizada em Rixheim, na França, fabricante de papéis de parede decorativos. A manufatura ainda existe e ainda produz esse papel de parede utilizando as matrizes originais do século XIX) para elaborar a composição final do papel de parede panorâmico Vistas do Brasil.
Frontispício de "Voyage pittoresque et historique au Brésil" de J. B. Debret, Edição organizada e realizada por de Raymundo Ottoni de Castro Maya 1954
J. B. Debret, Vista do Vale do Paraíba para "Voyage pittoresque et historique au Brasil", 1827, aquarela sobre papel, Coleção Castro Maya
Charles Landseer, Vista do Pão de Açúcar tomada da Estrada do Silvestre, 1827, óleo sobre tela, Acervo da Fundação Estudar. Obra em Comodato na Pinacoteca do Estado de São Paulo
Eduard Hildebrandt, Paisagem com negros, 1845, óleo sobre tela, Coleção Brasiliana/ Fundação Estudar. Doação da Fundação Estudar para a Pinacoteca do Estado de São Paulo
Jean-Julien Deltil , Vistas do Brasil, 1829, Xilogravura e pintura sobe papel,Procedência: Doação, Coleção Brasiliana - Fundação Estudar. Doação Fundação Estudar para Pinacoteca do Estado de São Paulo
Segundo a curadora da mostra Valéria Piccoli: “Esta é uma obra bastante singular no acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, que chama atenção, em primeiro lugar, por suas características técnicas e dimensões. Trata-se de uma xilogravura colorida de quinze metros de extensão por quase três metros de altura, o que, para uma obra datada do século XIX, já nos faz vislumbrar as inúmeras dificuldades técnicas envolvidas em seu processo de fabricação. (...) não se trata de um papel de parede que replica um mesmo motivo ao infinito; este, ao contrário, se constitui numa sucessão de cenas compostas a partir de diferentes paisagens, que são povoadas de personagens. Tendo em vista a continuidade proposta entre a última e a primeira cenas do papel de parede, o que se apresenta ao observador é uma visão em 360 graus do Brasil, um panorama de paisagens típicas – o perfil de cidade ao longe, a floresta virgem, as plantações, a beira-mar – e personagens característicos – o europeu civilizado, o índio selvagem, o negro escravizado. A visão panorâmica aqui proposta implica na construção de uma narrativa sobre o País, que leva em conta os aspectos considerados mais pitorescos de seu habitat natural e de seus costumes no século XIX, e se destina, obviamente, à apreciação e consumo do público europeu”.
A Europa, sob a égide cultural do Romantismo, alimentava grande afeição ao mistério e exotismo de regiões longínquas e mal tocadas pela mão do Homem e pela civilização. Buscava-se avidamente o conhecimento de naturezas e sociedades diferenciadas.
Joseph Léon Righini, Vista de São Luís do Maranhão, 1863, óleo sobre tela, Coleção Brasiliana/ Fundação Estudar. Doação da Fundação Estudar para a Pinacoteca do Estado de São Paulo
Joseph Léon Righini, Arredores da cidade, 1862, óleo sobre tela, Coleção Brasiliana/ Fundação Estudar. Doação da Fundação Estudar para a Pinacoteca do Estado de São Paulo
Joseph Léon Righini, Casas de Índios na Floresta Mata-Mata no Moju, Pará, 1867, óleo sobre tela, Coleção Brasiliana/ Fundação Estudar. Doação da Fundação Estudar para a Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2007
Joseph Léon Righini, Residência às margens do Rio Anil, 1862, óleo sobre tela, Coleção Brasiliana/ Fundação Estudar. Doação da Fundação Estudar para a Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2007
François Auguste Biard, Índios da Amazônia adorando o Deus-Sol, c. 1860, óleo sobre tela, Acervo da Fundação Estudar. Obra em Comodato na Pinacoteca do Estado de São Paulo
In Ars Veritas
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Bibliografia:
ARAÚJO, Marcelo Mattos; et alli. Arte no Brasil - Uma história na Pinacoteca de São Paulo. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2011.
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Hercules Florence e o Brasil - o percurso de um artista-inventor. Apresentação: Marcelo Mattos Araújo; curadoria e texto de Leila Florence; textos de Carlos Martins e Valéria Piccoli. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2009.
KOMISSAROV, Boris N.; ALONSO, Ania Rodriguez; TÚKINA, Irina; CHERNIÁVSKI, Serguéi, Langsdorff. Catálogo de Exposição. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2010.
MUSEUS CASTRO MAYA. Debret: viagem ao sul do Brasil. Rio de Janeiro: Memória Visual, 2011.
SCHWARCZ, Lilia Moritz; DIAS, Elaine (Orgs.). Nicolas-Antoine Taunay no Brasil - Uma leitura nos trópicos. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.
WOLF,
Norbert. Romantismo. Trad. Isabel Falcão. Colônia, Alamanha: Taschen, 2008.
LINKS:
Para saber mais sobre pintura de paisagem:
Para saber mais sobre os Viajantes e artistas viajantes no Brasil colonial e no século XIX:
Mariana Zenaro é graduada e licenciada em História pelo Centro Universitário Fundação Santo André e bacharel em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo, pela Universidade Metodista de São Paulo. Tem Pós-Graduação, MBA em Bens Culturais: Cultura, Economia e Gestão, pela Fundação Getúlio Vargas. Frequentou os cursos livres de História da Arte na Escola do Museu de Arte de São Paulo (MASP) por dois anos e meio. Trabalhou em Museus, Arquivos e Instituições Culturais. Foi voluntária no Centro de Documentação e Biblioteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Dá cursos e palestras sobre história da arte em fundações, centros culturais.