QUARTO DE DESPEJO: DIÁRIO DE UMA FAVELADA





Nesta semana, o Espaço do Leitor traz a contribuição de Maikely Teixeira Colombini, que faz uma breve análise da obra QUARTO DE DESPEJO: DIÁRIO DE UMA FAVELADA, DE CAROLINA MARIA DE JESUS.





QUARTO DE DESPEJO: DIÁRIO DE UMA FAVELADA, DE CAROLINA MARIA DE JESUS


O livro Quarto de despejo: Diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus é, sem dúvida, um autêntico testemunho de vida. Carolina Maria de Jesus nasceu no estado de Minas Gerais em 14 de março de 1914 e mudou-se, em 1947, para a cidade de São Paulo. Em 1960, Audálio Dantas, jornalista brasileiro, encantado com a história de Carolina, uma catadora de papel que vivia na favela Canindé - SP, buscou meios de editar o diário que vinha sendo escrito por Carolina Maria de Jesus.


            Lançado em 1960, o livro revela a necessidade de testemunhar da autora, que escreve o seu cotidiano nas comunidades pobres da cidade de São Paulo. Carolina luta pela sobrevivência e narrar as suas vivências é como pedir socorro. É através da palavra que Carolina manifesta os seus medos e se mostra [sobre]vivente. 
A meu ver, o livro Quarto de despejo: Diário de uma favelada é um documento de cultura, pois dá voz a uma pessoa que foi silenciada, dominada pela sociedade. O livro é um dos documentos mais interessantes da manifestação do oprimido e um dos marcos da escrita feminina no Brasil.
            Se pensarmos que “despejo” diz respeito à “desocupação, por ordem judicial, de imóvel alugado ou desapropriado pelos poderes públicos”, ou “sistema de esgoto que consiste em enviar diretamente à rede coletora os dejetos das casas e as águas servidas”, temos que o quarto de “despejo” de Carolina Maria de Jesus é o significado da palavra “despejo” no seu sentido mais literal possível.

O quarto de Carolina Maria é um espaço digno de desocupação e a ele dizem respeito outros termos como: esterco, imundície, impureza, lixo, porcaria, sujeira, entulho, etc. Nas palavras de Carolina, o barraco ou barracão, que fica na favela – nunca casa – tanto no interior como no exterior é sujo. Para ela, a favela é o quintal onde se joga o lixo e quando Carolina ocupa esse espaço é como se ela fosse um objeto fora de uso, um objeto digno de estar num quarto de despejo, digno de ser queimado ou jogado no lixo. Carolina desconhece outros espaços, mas reconhece que a favela é o Quarto de Despejo de São Paulo, sucursal do inferno ou o próprio inferno. Carolina Maria de Jesus sente-se uma despejada.
Quanto à linguagem, a fala de Carolina diz tudo: “A voz de pobre não tem poesia”. A linguagem de Carolina Maria é objetiva, crua. Não há rodeios, não há ornamentos, pelo contrário, há uma escrita dura que revela uma sociedade ainda mais dura e difícil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: Walter Benjamin – Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 114-119. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet.

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: Diário de uma favelada. São Paulo: Ática & Francisco Alves (Original), 1960.


Maikely Teixeira Colombini é mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Viçosa e graduada em Letras - Português e Literaturas de Língua Portuguesa - 
pela mesma instituição.

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Berlim in progress




Há quase duas décadas morando em Berlim pude e posso observar as mudanças que a cidade vem passando. Uma das mais visíveis, a reforma da paisagem urbana, principalmente nos bairros do antigo lado comunista. Onde antes havia o aspecto do abandono, que entristecia os primeiros visitantes, onde antes havia o improviso e a criatividade como solução e uma vida realmente alternativa, agora há fachadas bonitas em tom pastel e a apropriação deste "alternativo" com estética e, consequentemente, como mercado. 

Berlim criou uma estética do "feio" do "velho", que é aceita agora por pessoas que talvez, há alguns anos atrás, nem sequer pensariam em descer as escadas de um porão úmido e necessitado de uma boa reforma para comer e beber entre amigos. O caos, o feio e o velho está domesticado.
Se isso é bom ou ruim, não quero aqui julgar. Fato é, Berlim se transforma e ninguém pode prever se em algumas décadas ainda haverá prédios que testemunham este momento pós queda do muro. Mesmo porque eles realmente precisam de uma reforma! 


Entrada do prédio Schwarzenberg, Rosenthaler str 39, Berlim

Um desses prédios é o Schwarzenberg, na Rosenthaler str 39, um prédio cheio de histórias, construído na segunda metade do século 18. primeiro como moradia, depois também como espaço para oficinas e mais tarde pequenas fábricas. Durante a ditadura nazista o prédio abrigou entre 1936 e 1945 a fábrica de escovas e vassouras de Otto Weidt. Nesta fábrica Weidt empregava judeus em sua maioria cegos e surdos, protegendo seus trabalhadores da deportação.
Hoje uma associação, fundada em 1995, que leva  o nome da casa - http://haus-schwarzenberg.org - administra o prédio e abriga galerias, ateliês, bares, cinema alternativo, lojas e museu. A concessão termina este ano e seus organizadores não sabem se será renovada.

Neste pátio está o Cinema Central, onde passa filmes na lingua original que não são blockbusters.


Esta cantinho de Berlim sobrevive no meio da nova Berlim, na mesma rua um pouquinho mais a frente está a loja da Hugo Boss e a sede da SAP. Logo ali numa outra rua a loja de Karl Lagerfeld e muitas outras lojas chiques que dão uma pista de como a será essa transformação. Quem sabe a cidade, agora novamente capital da Alemanha, retome seu glamour dos idos tempos da República de Weimar, na década de 20, quando era a maior cidade industrial do continente e uma metrópole da cultura e do entretenimento, da boêmia e da vanguarda intelectual.


Ana Valéria Celestino é historiadora 
e mora em Berlim. Realizou dois “estudos de História” uma vez no Brasil outra na Alemanha. Sempre voltada para a leitura de manuscritos, o que quase significa: “quanto mais ruim for o garrancho melhor”. trabalhou no Brasil como paleógrafa,  mas a vida quis a tradução, trabalho que exercia durante os estudos e continua fazendo até hoje em Berlim.


Dentre as “realizações” teve a oportunidade de organizar um arquivo pessoal com documentos inéditos no Instituto Ibero-americano em Berlim, trabalhar com um manuscrito do século XI e, finalmente, saber o latim. Ainda por vir, a escrita de um trabalho historiográfico, o doutorado. 


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Aos machões


O Dia Internacional da Mulher é no próximo domingo. Mas deveria ser hoje também. E amanhã. O dia da mulher deveria ser todo dia. A mulher merece todas as homenagens, todos os elogios, todas as reverências, todos os salamaleques. Todos os comerciais cor-de-rosa que a publicidade for capaz de inventar. Todas as mensagens cafonamente sinceras que você for capaz de compartilhar nas redes sociais. Todas as rosas que aquela ONG de defesa dos direitos dos ornitorrincos ucranianos ameaçados de extinção for capaz de distribuir. Em suma: todas as honras em buquê.

Ainda assim, ainda que as mulheres façam jus a todos os Oscars honorários e humanitários (especialmente os humanitários), não vou escrever sobre elas. Pelo menos não no sentido estrito da palavra, do conceito. A ideia aqui é prestar um tributo, sim – mas aos homens. Especificamente aos mais másculos, aos mais viris: aos verdadeiramente machões.

Aos machões que arrumam a própria cama e cujo QI permite que dobrem até lençol de elástico; aos machões que põem a mesa do café sem entornar o açúcar; aos machões que lavam a louça; aos machões que enxugam a louça; aos machões que passam aspirador e tiram pó; aos machões que manejam uma vassoura com destreza de espadachim; aos machões que esfregam o chão da cozinha e secam a pia do banheiro; aos machões que dedilham os botões da máquina de lavar roupa como se estivessem trocando o canal da tevê; aos machões que sabem a diferença entre sabão e amaciante.

Aos machões que ajudam o filho ou a filha no dever de casa; que vão à reunião de pais; que se esbaldam nos cajuzinhos em festinha de play; que assistem à novela com a companheira (ou companheiro) até quando há um jogão entre o Piracicabense e o Mangaratibano no mesmo horário; que passeiam no shopping com disposição de serem mais que cabides; que choram em comédia romântica; que não perdem uma reprise de A noviça rebelde; que passam uma semana – no mínimo – cantarolando “Do-ré-mi”; que leem a Martha Medeiros todo domingo; que agarram o Mickey toda vez que vão à Disney.

Por fim, minha mais profunda saudação aos machões que escrevem, leem e/ou recitam poesia. Um feliz dia, semana, ano, década, vida inteira internacional da mulher a todos.

P.S.: Os mesmos votos de felicidade e a mesma consideração às mulheres que não só tiram essa lista para dançar, como também valsam solidariamente ao lado do companheiro (ou companheira), enquanto ele (ou ela) acompanha o videoteipe com os melhores momentos de Piracicabense e Mangaratibano. Golaço é o que vocês são.








Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório, tem perfil no Twitter e no Facebook.
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FLASHBACK LITERÁRIO (2011)



FLASHBACK LITERÁRIO (2011) 


Abraços literários e até +.


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Centro Cultural Alpharrabio & UFABC: um corredor cultural para formação, pesquisa e extensão acerca da memória e da história cultural da produção e difusão das linguagens da literatura e das artes na região do ABC paulista



O Centro Cultural Alpharrabio, também livraria e editora independente, foi fundado em fevereiro de 1992, na cidade de Santo André, sendo a iniciativa definida em seu convite de inauguração como “muito mais que uma livraria, um ponto de encontro cultural, um centro irradiador e procriador de idéias”. Em 2015, com uma festa-sarau e uma exposição fantástica feita a partir de achados e guardados encontrados dentro de livros antigos, o Centro Cultural Alpharrabio completou 23 anos como parte da história cultural e artística não apenas da cidade de Santo André, mas de toda a região do ABC paulista, pois tornou-se um polo de debates, criações e produções artísticas e culturais, abrigando artistas, grupos e agentes culturais, educadores, estudantes e membros da comunidade da região metropolitana, desenvolvendo ações de apoio às mais variadas expressões artísticas e manifestações culturais que representam a rica diversidade cultural da região.


Capa do Blog do Centro Cultural Alpharrabio, com a fachada de sua sede na R. Eduardo Monteiro,151 - Santo André - SP

Desde 2002, ao completar dez anos, o Centro Cultural Alpharrabio abriu um site (www.alpharrabio.com.br) através do qual divulga atividades cujo portfólio está amplamente documentado também no livro “12 Anos uma história em curso” (Edições Alpharrabio, 2004). Em 2007, foi criado o blog (http://alpharrabio.com.br/blog/), considerado um caderno virtual de registros do cotidiano e das ações do Centro Cultural Alpharrabio.
O Centro Cultural Alpharrabio é coordenado por Dalila Teles Veras, personalidade literária e reconhecida agente cultural da região do ABC paulista, posto que é poeta, cronista, blogueira, editora, livreira e ativista cultural. Desde 1992 dirige, junto com Luzia Teles Veras, responsável pela produção editorial e curadoria de atividades artísticas e culturais, a Alpharrabio, livraria, editora e centro cultural em Santo André, SP, referência na região voltada para a divulgação da cultura e das artes no Grande ABC. Desde 2007, Dalila Teles Veras também coordena o Fórum Permanente de Debates Culturais do Grande ABC.

O Projeto aprovado para compor o Plano de Cultura da Universidade Federal do ABC (UFABC), “Centro Cultural Alpharrabio &UFABC: um corredor cultural para formação, pesquisa e extensão acerca da memória e da história cultural da produção e difusão das linguagens da literatura e das artes na região do ABC paulista”, é fruto de uma parceria entre o Grupo de Pesquisa e Extensão ABC das Diversidades (UFABC) e o Centro Cultural Alpharrabio, fundado em 1992, que abriga o ABCs Núcleo de Referência e Memória, constituído por um acervo de mais de mil livros, hemeroteca, revistas e documentos diversos de autores residentes na região, bem como estudos diversos sobre o ABC, incluindo teses e dissertações acadêmicas, aberto aos pesquisadores e interessados na história cultural da região do Grande ABC paulista.

Propomos a formalização do corredor cultural, literário e artístico Centro Cultural Alpharrabio & UFABC, para desenvolver e apoiar a circulação entre a Universidade e o Centro Cultural de saberes e conhecimentos referentes à diversidade cultural da região por meio de ações artísticas e de formação culturais, sobretudo, organizando e disponibilizando para as comunidades acadêmica e artístico-culturais o rico acervo do ABCs Núcleo de Referência e Memória, promovendo assim pesquisa e extensão acerca da produção e difusão das linguagens da literatura e das artes na região do ABC paulista.

É sabido que o Centro Cultural Alpharrabio está presente há mais de vinte anos na região do ABC paulista, fomentando a produção e difusão das Artes e suas linguagens em interface com a Literatura; e, desde 1998, colocando à disposição de estudantes, pesquisadores, artistas e agentes culturais um amplo e específico acervo que se constitui num local único de memória e patrimônio artístico-cultural sobre Arte e Cultura; contribuindo com o mapeamento da diversidade cultural da região, bem como com a formação, a pesquisa, a extensão e a inovação quanto às ações artístico-culturais e às políticas culturais e educacionais no ABC paulista.



Exposição Perdidos - Achados - Escritos, cuja abertura foi na festa do aniversário dos 23 anos do Centro Cultural Alpharrabio, em 21 de fevereiro de 2015, que contou com a presença maçiça de escritores e artistas da região do ABC 

A partir de 2010, com a criação do Grupo de Pesquisa e Extensão ABC das Diversidades na UFABC passou a ser ampliada a circulação de inúmeros estudantes, artistas, pesquisadores, educadores e agentes culturais, configurando-se um forte elo entre a Universidade e este tradicional espaço cultural independente da região. Tem sido por meio da presença frequente em várias ações culturais do Centro Cultural Alpharrabio e, sobretudo, junto ao ABCs Núcleo de Referência e Memória que estas comunidades acadêmica e externa têm ampliado sua formação, com desenvolvimento de pesquisa e extensão acerca da produção e difusão das linguagens da Literatura e das Artes na região do ABC paulista. Portanto, propomos a formalização do corredor cultural, literário e artístico Centro Cultural Alpharrabio & UFABC, com os objetivos de:
a) organizar, digitalizar, catalogar e disponibilizar o acervo de história cultural ABCs Núcleo de Referência e Memória;
b) desenvolver ações culturais e oficinas que interliguem o acervo com a formação, a pesquisa, a extensão e a inovação quanto às ações artístico-culturais e às políticas culturais e educacionais da região do ABC;
c) contribuir com o fomento, sob a forma de um corredor cultural, histórico-literário-artístico entre o Centro Cultural Alpharrabio e a UFABC, à circulação da produção e difusão das artes e suas linguagens em interface com a literatura existentes graças à colaboração entre a comunidade acadêmica e aos artistas e agentes culturais deste espaço cultural independente.

Complementamos a justificativa para este projeto, que agora também compõe o Plano de Cultura da UFABC a ser apresentado ao Ministério da Cultura (MinC), com o riquíssimo depoimento da coordenadora do Centro Cultural Alpharrabio, Dalila Teles Veras, personalidade literária e reconhecida agente cultural da região do ABC paulista, por ser poeta, cronista, blogueira, editora, livreira e ativista cultural: “O Núcleo ABCs é parte integrante de um projeto maior, o Alpharrabio (Livraria, Editora e Centro Cultural), fundada em 1992, em Santo André, SP, que, por sua ação ininterrupta de fomento à cultura é referência cultural. Muito mais que uma simples livraria de livros usados, como reza seu contrato social, foi idealizado como polo fomentador da produção cultural e do debate de ideias. Um lugar de estar, onde as pessoas se reconhecem como seres culturais, um lugar com significados e pertencimento.

Iniciado com o acervo pessoal da proprietária, escritora e ativista cultural residente em Santo André desde 1972, o ABCs é inovador por ser a única biblioteca particular do gênero aberta a pesquisadores na região do ABC dedicada a preservar e divulgar a memória da história e cultura local. Além dos livros, guarda inúmeros depoimentos em áudio e vídeo de personalidades da cultura, muitos dos quais já impressos, além de um acervo de milhares de imagens das dezenas de centenas de atividades realizados no espaço físico Alpharrabio.”

Também trazemos para justificar a importância para formação, pesquisa e extensão acerca da memória e da história cultural da produção e difusão das linguagens da literatura e das artes na região do ABC paulista da criação do corredor cultural, histórico-literário-artístico Centro Cultural Alpharrabio & UFABC as contribuições de Dalila Teles Veras para uma história das editoras independentes no Brasil quando trata da Edições Alpharrabio:

“Editar livros não foi propriamente uma escolha, mas o resultado de determinadas circunstâncias. Em decorrência do encontro permanente de pessoas interessadas em literatura, a efervescência artístico-cultural instalada, fez-se urgente a criação de uma editora que desse conta de registrar e divulgar a notável produção literária e do pensamento ao redor. Graças ao decisivo entusiasmo e capacidade criativa de Luzia Maninha Teles Veras, criamos a chancela Alpharrabio Edições.
Desde então, seguimos com a tarefa sem fim, sem jamais descuidar do rigor em nossa linha editorial que, diga-se, já projetou além fronteiras muitos de nossos autores. Pela estreita relação que estabelecemos com estes, nosso catálogo foi-se compondo majoritariamente por escritores residentes na região do ABC, onde estamos fisicamente estabelecidos. Longe de qualquer caráter regionalista ou coisa que o valha, aquilo que seria apenas um dado facilitador do trabalho, acabou por compor uma certa cartografia literária de uma região fortemente industrializada, mais conhecida pelo mundo do trabalho.
Ao lado de edições comerciais, também nos dedicamos a edições alternativas, artísticas e artesanais, com tiragens que vão de 38 a, no máximo, 300 exemplares. (…) Na contramão de uma sociedade em permanente revolução tecnológica, que supervaloriza hipérboles, assumimos cada vez mais essa condição, movidos a paixão e comprometimento. Num tempo de urgências, optamos pela "slow edition", que vai do computador caseiro a uma gráfica, passando eventualmente pela tipografia do mestre Raul e sempre pelo "Casulo 3x4" de Maninha, na certeza de que esta silenciosa revolução representa não só um gesto de resistência, como também um projeto político e cidadão.
Por fim, devo confessar que, ao menos uma vez por ano, baixa um certo desânimo e a ideia de encerrar as atividades é muito forte. Mas logo volto atrás, convencida, afinal, pelos mais próximos, de que esta história foi construída por muitos e fechar um bem comum não nos é mais permitido.”


Registros de atividades culturais como o lançamento do livro "Bandido", do poeta Helio Neri, um dos frequentadores históricos do Centro Cultural Alpharrabio, assim como Júlio Mendonça, importante agente cultural da região do ABC e um dos atuais curadores da Casa das Rosas, pessoas que estão sempre promovendo debates e ações artísticas no corredor cultural

Portanto, o projeto para um corredor cultural entre o Centro Cultural Alpharrabio e a UFABC como parte do seu Plano de Cultura justifica-se pela inequívoca ligação cada vez maior entre as comunidades acadêmica da UFABC, de artistas, de escritores e de grupos da diversidade cultural. Estes agentes culturais frequentam simultaneamente a Universidade e o Centro Cultural Alpharrabio, levando e trazendo, tanto aprendendo quanto produzindo novos conhecimentos e saberes literários, artísticos e culturais em processos de ampla produção e circulação cultural. Nesse sentido, o acervo de milhares de documentos e livros ABCs Núcleo de Referência e Memória, que propomos organizar e disponibilizar digitalmente, tem a clara função de subsidiar ações e formação artísticas e culturais, ao mesmo tempo que faz a guarda da nossa memória e da história cultural regional caracterizada por tais processos de criação literária e artístico-cultural que ganham visibilidade e reconhecimento no projeto do corredor cultural Centro Cultural Alpharrabio & UFABC.

Para o desenvolvimento do Projeto “Corredor Histórico-Literário-Artístico Centro Cultural Alpharrabio–UFABC: formação, pesquisa e extensão acerca da memória e da história cultural da produção e difusão das linguagens da Literatura e das Artes na região do ABC paulista” defendemos a construção de uma metodologia transdisciplinar.
Partimos da necessidade de organizar o trabalho em torno de acervos sobre políticas culturais e expressões literário-artístico-culturais, no caso o ABCs Núcleo de Referência e Memória do Centro Cultural Alpharrabio, por perceber a urgência de se criar ligações entre saberes específicos ligados aos fazeres da cultura contemporânea para conseguir compreender e atuar sobre os problemas culturais locais e que também nos habilitam a uma intervenção no mundo que nos rodeia.
O olhar trazido pelas artes – e, sobretudo, o olhar de uma metodologia transdisciplinar no caso deste projeto do corredor cultural Centro Cultural Alpharrabio & UFABC, com foco na constante construção e disponibilização do acervo ABCs Núcleo de Referência e Memória, claramente entrelaçado com ações de formação artística, educacional e cultural – pode trazer outras visões, problemas, dilemas, soluções onde observadores de outras áreas não enxergavam nada ou muito pouco…

Em nossa perspectiva metodológica de trabalho transdisciplinar, o conhecimento e a compreensão da diversidade cultural é uma das temáticas mais destacadas, com ênfase no reconhecimento de conflitos entre culturas, e na multiplicidade de tecnologias culturais e artísticas que cada sujeito e/ou grupo social cria e utiliza para viver e lidar cotidianamente. Tudo isso pode ser conhecido e estudado, servindo de subsídios para o desenvolvimento de políticas culturais e criações literárias e artísticas, por meio da disponibilização digital do acervo ABCs Núcleo de Referência e Memória numa ação de corredor cultural entre a universidade e este centro cultural independente.


Conversa e confraternização no Centro Cultural Alpharrabio sobre Intercambio Cultural e Cultura Viva Comunitária no Peru na Semana Cultura Viva Comunitária em dezembro de 2014, com o ativista cultural peruano Eduardo Gustavo Espinoza Carrasco sob a coordenação de Dalila Teles Veras e membros do Movimento Cultura Viva em Santo André.


Nesse sentido, nossa metodologia busca conhecer as condições e as estratégias de formulação e gestão compartilhada da política cultural independente, num centro cultural que se preocupa em criar um acervo de suas práticas, ao longo de sua trajetória com mais de vinte anos na região do ABC paulista, com sistematização e análise de desenvolvimento de práticas, processos, produtos culturais, artísticos e educativos, em conjunto com a avaliação das próprias ações culturais e artísticas como parte de uma política cultural independente desenvolvida desde 1992. E que passa a interagir com a comunidade acadêmica da UFABC desde 2010, quando é criado o Bacharelado em Ciências e Humanidades e se intensificam os debates sobre a criação de um Bacharelado em Arte e Tecnologia, abrangendo propostas outros Bacharelados em Gestão de Arte e Cultura, Museologia e Curadoria e Licenciatura em Artes, em andamento.

A utilização regular do acervo do Centro Cultural Alpharrabio pela comunidade acadêmica não apenas da UFABC, mas de várias outras instituições de ensino superior da região, aponta para uma metodologia de trabalho que transita entre pesquisa quantitativa e qualitativa, com o objetivo de elaborar e disponibilizar um catálogo digital de documentos e livros como instrumento de pesquisa. Poderemos assim mapear aspectos existentes nos documentos, depoimentos e livros do acervo referentes às dinâmicas relacionadas à diversidade cultural local, que representam também o esforço de um centro cultural independente quanto à concepção e à gestão compartilhada da política cultural local e suas relações com sujeitos e grupos que atuam em circunstâncias peculiares do desenvolvimento da arte e da cultura na região.

Alguns estudantes já atuam como voluntários e os futuros bolsistas que serão contemplados para Residência Artística estarão envolvidos no processo de organização e disponibilização do acervo e dessas informações, atividade que visa fomentar o desenvolvimento de suas pesquisas para subsidiar ações de formação cultural e educativa, tais como as oficinas e ciclo de conversas e debates, bem como suas criações culturais que estarão presentes nos produtos culturais em circulação no corredor cultural (cadernos de depoimentos, livros, exposições, sites/blogs). A metodologia transdisciplinar visa propiciar, dessa forma, o entrelaçamento das atividades de ensino, pesquisa e extensão com a produção cultural no âmbito das Artes e Humanidades, por meio da valorização e da hibridização do conhecimento histórico, educativo e de linguagens literárias e artísticas.

Para finalizar, é notória a contribuição deste projeto para o Plano de Cultura da UFABC quanto ao aspecto relacionado à diversidade cultural brasileira, pois a região do ABC paulista é reconhecidamente marcada pelo fluxo incessante de migrantes e imigrantes, que construíram manifestações e expressões artísticas e culturais em diversas linguagens relacionadas à literatura, às artes em geral e à cultura popular, tradicional e contemporânea. O acervo ABCs, a ser mapeado e disponibilizado no âmbito do Projeto Corredor Histórico-Artístico-Cultural Centro Cultural Alpharrabio-UFABC, é prolífero em documentos, livros e testemunhos da riqueza dessa diversidade cultural, pois abarca desde a produção literária de editoras independentes, como a própria Alpharrabio, que dão visibilidade e reconhecimento para escritores e artistas de várias origens étnicas, estilos e hibridismos culturais, chegando à produção musical, em artes visuais e em arte e cultura popular. Graças a este acervo podemos conhecer muito da história, por exemplo, da congada em São Bernardo do Campo, da folia de reis em São Caetano do Sul, do samba rural paulista, em Mauá, da literatura de cordel e da xilogravura em Diadema, do hiphop dos jovens de toda a região. Estes são alguns dos frutos da diversidade cultural – existentes no acervo e na circulação feita no corredor cultural – representados pelo trabalho de inúmeras pessoas e grupos, provenientes de famílias migrantes ou descendentes da população indígena e afro-brasileira, junto com imigrantes portugueses (é o próprio caso da escritora e agente cultural Dalila Teles Veras, que coordena o Alpharrabio), italianos, árabes, entre outros que constituem a complexidade do hibridismo cultural do ABC paulista.    

Fontes extraídas do Blog da Alpharrabio, com textos de Dalila Teles Veras, poeta e coordenadora do Centro Cultural Alpharrabio e imagens feitas por Luzia Maninha, curadora de inúmeras exposições no Centro Cultural Alpharrabio e responsável por edições gráficas primorosas dos livros da Editora Alpharrabio:
"A América Latina unida pela cultura" 
http://alpharrabio.com.br/blog/2015/01/16/cultura-viva/
"Helio Neri autografa seu mais recente livro, Bandido"
http://alpharrabio.com.br/blog/2015/01/07/helio-neri-autografa-seu-mais-recente-livro-bandido/

Andrea Paula dos Santos Oliveira Kamensky é historiadora, focalizadora de Danças Circulares, estuda Artes Visuais, leciona na Universidade Federal do ABC (UFABC). Coordena o grupo de pesquisa ABC das Diversidades, o Curso “Gênero e Diversidade na Escola” na rede pública de educação (PROEX-UFABC/MEC/ Secr. de Direitos Humanos Pref. SP). É autora de blogs educativos, poesias e contos em livros artesanais, além do livro Ponto de Vida: cidadania de mulheres faveladas (Ed. Loyola, 1996) e co-autora dos livros Vozes da Marcha pela Terra (Ed. Loyola, 1998, finalista do Prêmio Jabuti, cat. Reportagem); Patrimônio Natural dos Campos Gerais do Paraná (Eduepg/Fund. Araucária, 2007); da Col. História em Projetos (4 v., São Paulo: Ed. Ática, 2007, ganhadora do Prêmio Jabuti, cat. Livros Didáticos, em 2008); Simão Mathias Cem Anos: Química e História da Química no início do século XXI (Ed. SBQ/Cesima, 2010); História e Memória (M. Marchiori, org., v. 4, Col. Faces da Cultura e da Comunicação Organizacional, Difusão Ed./Ed. Senac RJ, 2013).
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