quinta-feira, 13 de maio de 2010

Silêncio ao ar livre: uma tarde em meio à arte contemporânea em Minas Gerais




Há um mês atrás finalmente conheci o Instituto Inhotim, espécie de museu a céu aberto que abriga parte significativa de nossa produção de arte contemporânea, além de obras de artistas estrangeiros. Mais importante acervo (público) de arte contemporânea aqui do Brasil fica em meio a um parque ambiental – “uma das maiores coleções botânicas do mundo, com espécies tropicais raras e uma reserva florestal que faz parte do bioma da Mata Atlântica”, conforme lemos no site do Instituto. Localizado em Brumadinho, a 60 quilômetros da capital mineira, as ações de Inhotim incluem “iniciativas nas áreas de pesquisa e de educação. É um lugar de produção de conhecimento, gerado a partir do acervo artístico e botânico”.

Desde que Inhotim foi aberto para visitação, em 2005, tinha vontade de conhecê-lo, o que acabei por fazer sem muito programar, aproveitando viagem a uma cidade próxima de Belo Horizonte. A primeira impressão foi excelente. Depois da triste semana de chuvas (inéditas!) no Rio de Janeiro, cheguei num dia lindo à recepção do Instituto, quando confirmei o que imaginava: o lugar é muito bonito, e extremamente organizado. Impecável desde o estacionamento, Inhotim consiste em empreendimento inédito entre nós, e talvez no mundo, na medida em que conjuga um acervo de arte contemporânea e enorme variedade de plantas – “uma das maiores coleções botânicas do mundo”, como podemos ler no site do Instituto, “com espécies tropicais raras e uma reserva florestal que faz parte do bioma da Mata Atlântica”. Oportunidade única de ver reunidas obras que, por suas características físicas, muitas vezes grandes instalações, dificilmente se encontram em museus.

O ineditismo da iniciativa acaba reforçado, aqui entre nós, pela ausência de uma política cultural capaz de garantir, por exemplo, no caso das artes visuais, a constante renovação dos acervos de museu. Grande parte das obras de nossos maiores artistas encontra-se, aliás, em coleções particulares, às quais o público não tem acesso. Iniciativa privada sem fins lucrativos, Inhotim tem origem, de fato, em uma dessas coleções (que começa a ser formada na década de 1980, com foco em pinturas, esculturas, desenhos, fotografias, vídeos e instalações criadas a partir dos anos 1960), sendo um de seus maiores méritos talvez o de viabilizar nosso acesso a um conjunto importantíssimo de obras.



Posso distinguir ali dois tipos de experiência: a das obras expostas ao ar livre, e aquelas abrigadas em salas. Destaco na primeira o silêncio vivo, fresco, bem diferente daquele reinante em muitas galerias e museus. Assim uma obra como Magic Square de Hélio Oiticica, por exemplo, parece caber à perfeição ali, à beira do lago; presença espontânea realçada naquele lindo dia de sol ...















Bem distinta é a emoção provocada pelo trabalho de Janet Cardiff (Canadá, Bruxelas), Forty Part Motet (2001), instalação sonora em 40 canais, com duração de 14’7’’. A artista grava o coro da catedral de Salisbury interpretando Spem in Alium nunquam habui, conhecida como uma das mais complexas obras polifônicas para canto coral jamais compostas. Utilizando microfones individuais, Cardiff grava cada integrante do coral, as vozes masculinas de baixo, barítono e tenor, e uma soprano infantil. E, na instalação, ela usa um alto-falante para cada voz, de modo que o espectador ouça as diferentes vozes e perceba as diferentes combinações e harmonias à medida que ele percorre a instalação. O impacto provocado pela poderosa sonoridade de vozes, capaz de sugerir, assim que adentramos a sala uma atmosfera sagrada, talvez - tão distante dos inúmeros barulhos mundanos de várias naturezas que enfrentamos no dia-a-dia, quando nos sentimos cada vez mais expostos -, se desdobra num mergulho em nosso íntimo, acentuado conforme ouvimos as vozes individuais ao percorrer os alto-falantes.



Queria muito rever a instalação “Ão” (1981), instalação, projeção de filme de 16mm, 45’, som), trabalho de Tunga, um de nossos mais importantes artistas “experimentais”, para usar termo recorrente nos anos 1970, que começa a atuar então, sendo hoje internacionalmente reconhecido. Trata-se de uma instalação onde se projeta filme (16 mm, 45’, som) realizado em uma curva do túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro. Diante da tela vemo-nos numa área vazia da sala, rodeados pelos fios e todo aparato de projeção. Como se a câmera percorresse o interior do túnel sem encontrar saída e nem entrada, um loop de 45 minutos sugere estrutura circular dentro da rocha sem comunicação com o espaço externo. Acompanhado pela gravação de Frank Sinatra, que repete o acorde-título de “Night and Day”, o filme provoca ligeira sensação de vertigem.



Descobri, no entanto, que a obra, integrante do acervo do Instituto, não estava em exibição, mas sim na reserva técnica. À breve decepção seguiu-se, porém, outra descoberta, ou antes uma redescoberta, do trabalho de outro de nossos grandes artistas surgidos nos anos 1970, Cildo Meireles. Pela primeira vez vi/percorri Através (1983-1989), instalação feita com variados materiais e objetos do cotidiano. Como ocorre com grande parte da arte contemporânea, para além da experiência visual, o artista solicita todo nosso corpo para a percepção do espaço – espaço da obra que remete afinal ao espaço do mundo. O vasto repertório materiais e objetos utilizados para criar barreiras – de cortina de banheiro a grade de prisão, tela de mosquito a cerca de fazenda -, forma os obstáculos a nós ali oferecidos. Se à distância essas barreiras se mostram como planos ou camadas sobrepostas, facilmente penetradas pelo olhar, é ao acompanhá-las de perto, percorrendo o espaço da sala, encontrando, passo a passo, novos ângulos daquela situação, que descobrimos e superamos novos obstáculos, deixando-os para trás. “Com sua conformação labiríntica”, lemos na análise da obra encontrada no site do Instituto, “Através e seus obstáculos aludem às barreiras da vida e ao nosso desejo, nem sempre claro, de superá-las”.


Essa (re)descoberta me levou a repensar a obra de Tunga, meu interesse primeiro. Gostaria de compartilhar um pouco dessa reflexão com vocês em nosso próximo encontro.

Obs. Com exceção das fotografias das instalações de Cardiff e de Cildo Meireles, as imagens foram tiradas por mim - com câmera alugada no próprio Instituto Inhotim.
 


Fernanda Lopes Torres, historiadora da arte, graduada pela ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial) da UERJ, mestre e doutora em História pela PUC-Rio, pesquisadora de arte da Multirio (Empresa Municipal de Multimeios) e professora do Instituto de Artes da UERJ, escreve às quintas-feiras quinzenalmente no ContemporARTES.

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