sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A REVISTA PLAYBOY E O UNIVERSAL MASCULINO



Quando Judith Butler utiliza-se da frase atribuída a Simone de Beauvoir, “A gente não nasce mulher, torna-se mulher” (2008:17) certamente quer nos dizer que o gênero, diferentemente do sexo – que está localizado no plano natural e biológico – está circunscrito ao social e cultural. O gênero, então, é visto como o discurso da diferença sexual e mantém o sexo como referência explicativa. E como discurso faz-se referências não apenas às idéias, mas também às instituições, às estruturas, às práticas quotidianas, como também aos rituais e a tudo que constitui as relações sociais. O discurso é um instrumento de ordenação do mundo, e mesmo não sendo anterior à organização social, ele é inseparável desta. Portanto, o gênero é a organização social da diferença sexual.

O universal masculino (homem branco, heterossexual, ocidental, classe média) passou por uma grande revisão nos últimos anos. Os estudos sobre a construção da masculinidade na contemporaneidade já desestabilizaram as certezas dos estudiosos e ampliaram as possibilidades de críticas sobre a noção de natureza humana, ou seja, universal masculino deixou de ser generalizável e identificável como natural, possibilitando o questionamento de clivagens e permitindo a descoberta de outras subjetividades, até então, pouco visíveis e insondadas.

Aqui, nesse pequeno artigo, nosso objetivo não é comentar as polêmicas das novas sexualidades ou das possíveis sexualidades que envolvem esse campo de estudo, mas, sim, mostrar como o discurso do universal masculino ainda tem se mantido resistente como base nos valores falocêntricos.

Nossos esforços se concentrarão na análise de alguns aspectos da Revista Playboy, sobretudo os aspectos textuais, a linguagem corrente, os anúncios publicitários, as piadas, as charges, as sessões Playboy Responde, as entrevistas e as piadas que, ao apresentar as relações sociais entre os sexos de forma estereotipada, refletem e reforçam as supremacia e autoridade masculinas e a latente desigualdade de gênero, vista como relações de poder que, na sociedade androcêntrica, é representada pelo falo. Para as mulheres, segundo Butler, “ser o Falo significa refletir o poder do Falo, significar esse poder, incorporar o Falo, prover o lugar em que ele penetra, e significar o Falo mediante a condição de ser o seu Outro, sua ausência, sua falta, a conformação dialética de sua identidade” (2008:74).

Na edição de novembro de 2009, que traz a apresentadora e escritora Fernanda Young como estrela de capa, o diretor de redação, Edson Aran, ao justificar sua opção pela autora de Os Normais afirma que foi seu livro O Pau ( Rocco, 2009) que despertou sua atenção. Diz ele: ‘O novo romance de Fernanda Young começa assim: “Estrias. Estrias esponjosas. Chamadas de cavernosas. Que incham de sangue. Isso perfaz um pau duro, maior orgulho e glória de um homem”’, para no final concluir: “Sim, o pênis é ‘o maior orgulho e glória de um homem’, como escreveu Fernanda, mas para que serve ele (o pau) sem uma mulher?”.

Se entendermos que o discurso é um instrumento de ordenação do mundo, de acordo com Gallop, ter um falo significa estar no centro do discurso. Por isso, a análise da linguagem e das representações de gênero extraídas da Revista Playboy apresentadas a seguir, consideram que o falo funciona como um significante em relação ao pênis. O falo significa vida, atividade e potência heteronormativa, estando em constante referência ao corpo dos homens e às representações da masculinidade hegemônica, desconsiderando todas as infinitas possibilidades que o corpo pode assumir na contemporaneidade, o devir-corpo.

Outro exemplo extraído da mesma edição. A Coluna Happy Hour apresenta o perfil de Dita Von Teese, uma dançarina de striptease, sucesso nos EUA, mulher rica, mas modesta, pois “apesar de ter um Chrysler New Yorker 1939, um jaguar X-Type 1965 e uma BMW Z4 na garagem, revelou que aceita sair num carro popular se achar que o pretendente tem chances. Bem Dita seja Heather (Heather Renée Sweet é seu nome original) entre as mulheres” (p.26).

Assim, sem querer concluir, mas levantando algumas considerações, queremos dizer que a masculinidade hegemônica é sustentada pela Revista e mantida por grande parte do vasto segmento des leitores que se sentem gratificados, usufruem seus benefícios, mas é também mantida por boa parte das mulheres que concedem a tal hegemonia. Isso porque a masculinidade hegemônica pressupõe a predominância de uma certa configuração estereotipada de feminilidade, que estabelece uma bipolaridade linear e gera um diálogo difícil e tenso entre a complexidade polimorfa das experiências femininas e o simplismo autoritário dos padrões orientadores, construindo ou permitindo a continuidade e a legitimação das idéias predominantes na Revista.

BIBLIOGRAFIA
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1998.
COSTA, Jurandir Freire. A inocência e o vício – estudos sobre o homoerotismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992.
__________________. Sem fraude nem favor - estudos sobre o amor romântico. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
FOUCAULT M. Microfísica do poder. Tradução R. Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
GALLOP, Jane. Além do falo. Campinas, Cadernos Pagu, (16) 2001, p. 280-281.
LOPES, Denilson. O Homem que Amava Rapazes - e outros ensaios. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002.
LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho. Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte, Autêntica, 2004.
OLIVEIRA, Pedro Paulo de. A construção social da masculinidade. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2004.
Playboy – a revista do homem. Novembro de 2009.
TREVISAN, João Silvério. Seis balas num buraco só: a crise do masculino. Rio de Janeiro:Record, 1998.


Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.

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