PRESERVAÇÃO OU ENGANAÇÃO: Comparando A vila de Paranapiacaba e a cidade de Campinas
Pelas andanças, trabalhos e projetos sempre ligados à ferrovia tenho reparado o quanto a preservação ferroviária em nossas cidades ainda é muito deficiente e para mostrar isso gostaria de fazer uma comparação entre a vila ferroviária de Paranapiacaba, meu foco de pesquisa este ano, e a cidade de Campinas em São Paulo-SP.
Isso me ocorreu na primeira visita que fiz à cidade de Campinas em 2009 quando me deparei com a ferrovia logo que desci da rodoviária, uma torre, um relógio e a data de 1884. Logo me ocorreu à mente a Vila de Paranapiacaba e seu charmoso relógio.
Relógio de Paranapiacaba. Foto Marina Rosmaninho
A direita a Estação ferroviária de Campinas - Centro. Foto: Marina Rosmaninho
Fiquei feliz com a descoberta, pois, apesar de não estar na cidade para meu projeto de pesquisa me ocorreu que a ferrovia sempre cruza meu caminho. Mas, assim como a Vila de Paranapiacaba o patrimônio ferroviário de Campinas está em total abandono, ao ponto de infelizmente hoje o entorno de suas linhas estarem tomadas por usuários de drogas e as portas da antiga e inutilizada estação do centro estarem sempre fechadas. Consegui olhar por fora das estações diversas locomotivas desativadas, mas, em pleno domingo tudo fechado, inacessível ao público. Isto também me lembrou a Vila de Paranapiacaba que apesar de ser conhecida como vila ferroviária pouco se oferece para o entendimento e preservação do patrimônio ferroviário que ali se encontra. Parece que a história da ferrovia como um todo se encontra empoeirada,lacrada em lugares em que é preciso autorização, não é o tipo de tema que faz parte do cotidiano das pessoas como antigamente e pior, muito menos acessível do que antigamente.
Isto chega ao ponto do absurdo na Vila de Paranapiacaba em que o museu ferroviário com diversas locomotivas, instrumentos de trabalho como os tornos e a máquina fixa, o coração do sistema funicular, está de portas fechadas há meses por falta de Luz. É isso mesmo, vergonhoso, mas, real: o museu ferroviário da Vila de Paranapiacaba fechado à meses por falta de respaldo da Prefeitura de Santo André em resolver o problema do fornecimento de luz para o local. Mas, infelizmente este não é o único problema do museu. Com a falta de verba o museu ainda sofre com goteiras que aos poucos apodrecem junto com a história daquele lugar as peças e locomotivas que estão agonizando, sofrendo acima de tudo com o descaso.
Ao lado a máquina Fixa, o coração do sistema funicular
foto: Marina Rosmaninho
Data da estação de Campinas. Foto: Marina Rosmaninho
Outra similaridade entre Campinas e a Vila de Paranapiacaba é que as duas utilizam ao meu ver uma forma enganosa de "preservar" e promover o patrimônio histórico com viagens de locomotiva Maria-Fumaça. Ora, eu entendo e respeito a tentativa mas convenhamos que isto é ínfimo perto do que deveria ser feito, existem muito mais coisas a serem preservadas do que, no caso da Vila de Paranapiacaba, um pequeno caminho que a Maria-Fumaça percorre da antiga estação até um museu ferroviário que hoje não está aberto ao público.
No caso de Campinas os passeios são maiores, mas, o problema continua o mesmo, pois, fora o caminho em si nada é feito para se entender melhor o valor e como a ferrovia mudou o cenário da cidade. Ou seja, são passeios vazios que mostram na realidade o descaso das prefeituras para preservar e até explorar de forma mais rica e coesa o patrimônio histórico ferroviário.
Maria-Fumaça em Paranapiacaba. Foto: Marina Rosmaninho
Passeio de trem em Campinas. Acervo ABPF
Por fim outra triste similaridade de Campinas e a Vila de Paranapiacaba é que existe apenas um órgão que realmente luta até hoje para tentar salvar de alguma forma este tão rico patrimônio ferroviário: a ABPF. No caso da Vila de Paranapiacaba tive contato com Thomáz Côrrea, voluntário da ABPF de São Paulo e que mesmo sem luz abriu as portas do museu para o grupo de pesquisa que escreve esta coluna, O Neblina nos trilhos, e nos explicou com muito amor e dedicação toda a história da vila e o descaso que o Museu sofre hoje em relação a prefeitura de Santo André. É também a ABPF de Campinas que organiza os passeios de Maria-Fumaça na cidade. Isto nos faz entender porque quando vamos à Vila de Paranapiacaba ou em Campinas o que encontramos sobre preservação e história ferroviária é apenas um passeio de Maria-Fumaça, pois quem realmente deveria fazer este trabalho ou ao menos auxiliar a ABPF a realizá-lo não o faz. E o cenário encontrado é o conhecido por muitos: pouca infra-estrutura e abandono de uma história que como uma apaixonada, continuarei a lutar para cada vez mais entender e conhecer para desta forma ser apta a ensinar.
Informações sobre o passeio de Maria-Fumaça em Campinas:
http://www.mariafumacacampinas.com.br/
Entrevista cedida por Thomas Corrêa para o Estadão sobre a falta de luz no museu:
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100314/not_imp523898,0.php
Passeio de Maria-Fumaça em Paranapiacaba:
http://www.guiaparanapiacaba.com.br/?pg=noticia&id=568
De qualquer forma para quem nunca foi vale a pena conhecer os passeios de Campinas e Paranapiacaba e para quem realmente gosta de ferrovias compareçam para assim como eu puderem interferir e divulgar ao máximo a falta de respaldo dos órgãos responsáveis.
Obrigada e até a próxima coluna!
Marina Rosmaninho é graduada no Centro Universitário Fundação Santo André (2008), bacharel e licenciatura em Ciências Sociais. Atualmente trabalha juntamente com Ana Maria Dietrich no Projeto documentário: Transformação sensível, Neblina sobre trilhos. Fruto da parceria entre Universidade Federal do ABC e CUFSA o projeto é patrocinado pelo Ministério da Cultura - MEC/sesu. Integrante do grupo de pesquisa Neblina nos Trilhos Marina é socióloga, pesquisadora e documentarista. Seus estudos estão voltados à reconstituição histórica da primeira via férrea paulista no período de 1950-2010. Participam desta coluna o historiador Demócrito Mangueira Nitão Júnior- CUFSA e a socióloga Soraia O. Costa –CUFSA.
12 comentários:
Meus Parabéns Marina pela coluna muito bem escrita e objetiva, realmente concordo com você a um grande descaso por parte da prefeitura em relação a preservação do patrimônio ferroviário afirmo que acho muito bonito o trabalho dos pesquisadores que buscam resgatar riquezas como essa que estão empoeiradas e de portas fechadas e contribuírem através dos meios de comunicação para todo aquele que se interessar.
20 de outubro de 2010 às 12:56Muito Bom Marina, vc deixou bem claro o abandono com a história ferroviária do nosso pais, espero que o grupo neblina sobre trilhos atinga seu ápice e consiga transmitir essa terrivel realidade a nosso povo, a realidade do descaso da nossa história, PARABENS.
20 de outubro de 2010 às 13:26Arrasou no texto! Muito bom! è isso ai, sempre buscando, produzindo e repassando conhecimento!
20 de outubro de 2010 às 19:02Te Amo, Ma!
bjãooooooo
Diego Leporati
Realmente, a única forma de durar a eternidade é preservar nossas raízes.
20 de outubro de 2010 às 20:12A preservação do Patrimônio Histórico é uma forma de entender o que ocorre na vida atual, é um atalho para que possamos compreender nossas perguntas mais genuínas.
Parabéns pelo artigo
Olá Marina, gostei muito da matéria, porque ajuda bastante na defesa dos patrimônios históricos, que são úteis e podem continuar sendo. Desde que existam pessoas assim como você, que se importam pela preservação do mesmo, para dar continuidade nessas grandes obras e por fim acabar de uma vez por todas com esse descaso que vem sofrendo a VL de Paranapiacaba e a Cidade de Campinas.
20 de outubro de 2010 às 20:17Edson PS
O que mais me admira nesse texto é a força que encontrei nas palavras.
20 de outubro de 2010 às 22:24Alem de clareza sobre os fatos, a verdade trazida a tona. Parabens Marina, mesmo não te conhecendo posso perceber que temos algo em comum, garra para conseguir o que queremos, pra nos e principalmente pros outros.
Pela importancia dessa materia, acho que ela deveria ser bem divulgada nas respectivas regiões.
A luta pela preservação da historia, seja qual for, deveria ser um interesse de todos, pois é a unica certeza do que fomos e com ela ver pra onde iremos =(
Infelizmente o rumo nao é dos melhores, mas sem duvida encontrar pessoas como voce, despertam em mim uma vontade ainda maior de correr atras do que acredito.
Parabens mais uma vez e nao desista da tua empreitada, sem duvida quando a importancia dos fatos virem a tona para a maioria, e os resultados forem colhidos, voce ja estara com projetos muito maiores em mente, cumprindo seu trabalho como sociologa e transformando essa po**a de mundo em algo muito mais humano e com mais sentido.
Continuarei te seguindo ;)
Aeeeee Marina tah de Parabéns...agora quantooO ao descasooO que sofre Campinas e a Vila de Paranapiacaba, pode ter certeza que issooO vai dar uma boa Briga com as Prefeituras, achooO eu q uma Briga que pode ou não dar em nada, esse Governantes não querem saber de preservar nenhuma história mas sim o preservar o dinheirooO no Bolso.
24 de outubro de 2010 às 13:10É isso...parabéns e continue lutandooO naquilooO que você acredita!!
Penso que, a forma com a qual vem sendo sucateada, não só a ferrovia mas também toda a nossa história, do operário que trabalhou na construção até aqueles que com sua bagagem se instalou nas cidades que crescera no entorno da ferrovia, impulssionando o crescimento e o progresso das cidades, mudando toda dinâmica e a paisagem que começou a ficar em tons amarronzado das fábricas que se instala ao longo da ferrovia. É essa história que vem sendo deixada de lado, pois aquele passado parece ter perdido sua importância com o passar do tempo, oque hoje percebemos, é um total clima de degradação que vem se deteriorando e se desconstruindo com o passar do tempo. As cidades cada vez mais sobre rodas, faz aumentar a indiferença no trato com os que disputam o mesmo espaço caótico das ruas violêntas deixando no ar um tom de hostilidade com todos de forma indiscriminada. A importância desse trabalho é resgatar o que hoje está engavetado e disponibilizar para que tenhamos um melhor entendimento desse crescimento e,nos colocar frente a um questionamento, o da real importância da ferrovia e seu papel social, já que diversos fenomenos sociais de forma similar ocorrem em cidades que crescera ao longo da ferrovia.
24 de outubro de 2010 às 14:09A chegada da primeira locomotiva à cidade de Campinas foi descrita da seguinte forma através da Gazeta de Campinas. "Contavam-se três horas e meia quando um estremecimento estranho veio eletrizar em todos os sentidos aquela reunião enorme: ouvia-se longínquo um rugido estridente e os ecos pela nossas belas Campinas oférreo galopar do misterioso hipogrifo. O que passou nesse instante foi uma coisa que não se diz: sonha-se ou vê-se. Girândolas, foguetes, baterias, aclamações, música, tudo isso ergueu-se num ímpeto sublime como a própria alma do povo a perder-se numa vertigem de alegria indefinida... Duas locomotivas galhardamente enfeitadas com topes, fitas laços e bandeiras, uma nacional outra inglesa, abrindo caminho puxando 19 wagons em que vinham os dois grandes vultos do dia-Saldanha Marinho e Falcão Filho-o iniciador eo executor do pensamento concebido na companhia Paulista e vinham mais os membros da diretoria desta, inúmeros acionistas e convidados entre os quais o presisdente da provìncia e o chefe de políxcia". Através deste artigo da Gazeta de Campinas (Arquivo Público do Estado), podemos perceber que as ferrovias foram mais do que um meio de transporte eo café mais do que um produto de exportação que sustentou a riqueza de muitos e, em grande parte o desenvolvimento do Brasil, levando Ordem para uma maioria e o Progresso para uma minoria privilegiada que já idealizára um futuro próspero e promissor sem necessáriamente ter lembranças de um passado inovador que hoje torna-se obsoleto.
Parabéns a equipe de pesquisadores empenhada na conservação da importância histórica que a ferrovia tem.
24 de outubro de 2010 às 14:19Agradeço de coração a postagem de todos! E continuemos a lutar pela verdadeira preservação do patrimônio ferroviário!
29 de outubro de 2010 às 01:22Excelente artigo.
19 de novembro de 2010 às 14:56Postar um comentário
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